Vencida a primeira barreira - a aprovação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara -, o projeto de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro terá pela frente um desafio mais complicado.
A Comissão Especial que vai analisar a proposta foi instalada nesta quinta-feira (25), ficando a presidência com um deputado do PR (Marcelo Ramos, do Amazonas) e a relatoria com um do PSDB (Samuel Moreira, de São Paulo). É nessa comissão que os lobbies vão mostrar sua força para tentar alterar o projeto e manter seus benefícios inalterados. E é nesse momento que a força da articulação do governo será mais do que necessária.
Essa articulação se mostrou muito falha até agora. Passaram-se 62 dias desde a apresentação do projeto no Congresso até a aprovação na CCJ. Ou 52 dias a mais que o gasto pelo governo do ex-presidente Michel Temer nessa mesma tarefa. E com uma diferença: no governo Temer, o projeto saiu intacto da comissão. Agora, já foram retirados quatro pontos . Tudo bem que, no final das contas, eram coisas irrelevantes em se tratando de Previdência. Mas serviu como um alerta. Sem negociação pesada – e nunca podemos confundir negociação com negociata -, o projeto vai perder cada vez mais seu impacto.
No governo Temer, o primeiro recuo no projeto veio depois da implantação da Comissão Especial: em 21 de março de 2017, Temer anunciou que os servidores públicos estaduais e municipais não seriam atingidos pela reforma. Outras mudanças viriam depois, quase sempre provocadas por grupos de pressão muito fortes. E a economia inicial, prevista em R$ 800 bilhões em dez anos, cairia para algo abaixo de R$ 500 bilhões.
A proposta de Temer foi apresentada ao Congresso em 5 de dezembro de 2016. Em 3 de maio de 2017, foi aprovada na Comissão Especial . Estava pronta para ser votada no plenário da Câmara, mas o episódio Joesley Batista acabou tirando a força do governo para negociar. E o projeto rodou como um zumbi nos escaninhos do Congresso até ser definitivamente abandonado, com o envio de uma nova proposta este ano.
Agora, no projeto de Bolsonaro, algumas perdas já estão sendo dadas como praticamente certas. Os deputados têm insistido na retirada de alguns pontos, especialmente as mudanças na aposentadoria rural, no benefício para idosos miseráveis e na mudança do sistema de repartição para o de capitalização. O próprio Bolsonaro admitiu que esses itens devem ficar de fora da reforma.
Mas a pressão será muito além desses pontos. Os servidores públicos, por exemplo, como mostramos aqui no Estadão, , já informaram que estão procurando ministros, autoridades e lideranças no Congresso para tentar amenizar o endurecimento das regras para eles previsto no projeto, como o aumento das alíquotas previdenciárias ou o tempo de trabalho maior para a aposentadoria.
Mas também há o lobby contrário: um grupo de empresários que apoia o presidente Bolsonaro e a reforma da Previdência resolveu abrir um escritório em Brasília para fazer pressão pela aprovação do projeto com o mínimo possível de mudanças.
Números apresentados nesta quinta-feira (25) pela equipe econômica mostram que a economia prevista com a reforma até subiu, do R$ 1,1 trilhão inicialmente divulgado para R$ 1,2 trilhão em dez anos, por conta de mudanças nos parâmetros das contas. Mas o presidente Bolsonaro disse, em café da manhã com jornalistas também na quinta, que o ministro da Economia Paulo Guedes aceitaria algo como R$ 800 bilhões. Ou seja, o próprio presidente já rebaixou a proposta, o que nunca é bom numa negociação.
Segundo disse em entrevista à Rádio Eldorado o deputado Marcelo Ramos, presidente da Comissão Especial que vai analisar a reforma, seria melhor que Bolsonaro falasse menos sobre a reforma até que ela fosse aprovada. “A cada vez que Bolsonaro fala sobre a reforma, ele tira alguma coisa”, disse. E, usando as palavras do próprio deputado, isso não ajuda em nada. Se for para falar de Previdência, é melhor que seja mesmo para defender o projeto.
Alexandre Calais, O Estado de São Paulo