segunda-feira, 22 de abril de 2019

"Incêndio", por Miranda Sá

“Um fogo devora um outro fogo. Uma dor de angústia cura-se com outra”. (Shakespeare)
Desde os primórdios da humanidade o fogo fascina as pessoas. No processo civilizatório, foi adorado no Egito e nos impérios orientais; sendo divinizado na Índia e tornado mito na Grécia antiga.
Na obra dos historiadores gregos Ésquilo e Hesíodo está gravada a história do titã Prometeu, que é reverenciado como defensor da humanidade por ser o responsável pelo roubo do fogo no Olimpo para dá-lo aos mortais sendo, portanto, responsável pelo progresso humano.
Na mitologia escandinava, tão rica em heróis, encontramos a admirável luta do grande deus Thor contra os Gigantes de Fogo, entidades fantásticas preparadas para assumir a destruição final do mundo.
Individualmente, loucos piromaníacos se notabilizaram por cometer crimes à sua época, sendo Eróstato o primeiro grande incendiário conhecido por atear fogo no Templo de Artemisa, em Éfeso, em 356 a.C.
Registra-se, a seguir, o incêndio da Biblioteca de Alexandria, no Egito, em 48 a.C., durante a guerra civil romana entre Pompeu e Júlio César. Esta biblioteca, uma das maravilhas da Antiguidade foi recuperada; mais tarde, no ano de 640, foi novamente destruída pelo fogo por ordem do califa Omar ao emir Amr Ibn al-As.
Atribui-se ao imperador Nero o incêndio que reduziu uma quinta parte de Roma a cinzas, no ano 64; e o facínora acusou os cristãos pelo seu crime.
Em 1519, o conquistador do México Hernann Cortés ordenou que se incendiasse a capital dos astecas, Tenochtitlan, uma das mais lindas e populosas cidades do mundo, para obter a rendição da grande civilização pré-colombiana.
No século passado, em 1933, uma combustão consumiu o Reichstag, em Berlim, com chamas que alcançaram e arruinaram a democracia alemã. Foram os nazistas autores da queima, mas Hitler, como Nero responsabilizou um demente holandês pelo crime.
A Psiquiatria traça o perfil do piromaníaco como um indivíduo movido pelo desejo mórbido e incontrolável de provocar incêndios, queimar ou atear fogo às coisas. Sua característica doentia é ser levado ao ato sem motivação para fazê-lo.
Assistimos a pouco a tentativa de lavrar um incêndio no STF com as faíscas da medida personalista e antidemocrática de ressuscitar a censura nos órgãos de comunicação, alcançando os internautas por críticas feitas aos ministros togados.
No caso do site “O Antagonista” e da revista “Crusoé” a repressão policialesca recebeu o argumento de que divulgaram “fake news”, acusação desmentida pelo “O Globo” afirmando ser verídica a citação de Marcelo Odebrecht sobre o “Amigo do amigo do meu pai”, referindo-se ao presidente da Corte, Dias Toffoli.
Depois, a própria Procuradoria Geral da República comprovou a veracidade da matéria jornalística, censurada injustamente e posteriormente revogada pelo próprio autor da absurdez, o ministro Alexandre Moraes, alegando numa atitude incompatível a quem julga que desconhecia ser verdade a publicação.
Quanto aos internautas do Facebook e do Twitter, sob repressão, as suas críticas a um ou outro togado e ao STF, como um todo, deve-se que na Corte, que deveria ser o Templo da Justiça, as verdades são unipessoais e as canetas monocráticas.
Vê-se assim que por individualismo de uns e corporativismo generalizado, alastram-se as chamas que podem atingir grandes proporções, atingindo fatalmente o Estado Democrático de Direito. Isto ocorrendo, para manter as liberdades democráticas será preciso intervir no Poder Judiciário com o antídoto homeopático “similia similibus curantur”, do latim: “semelhante pelo semelhante se cura”, ou seja, contra o veneno totalitário, totalitarismo.