quarta-feira, 24 de abril de 2019

Ford faz 100 anos no Brasil em processo de reconstrução

Há cem anos, a Ford chegava oficialmente ao Brasil. Foi a primeira grande fabricante de veículos a se instalar no país, que vivia a pré-história do automóvel.
O termo montadora vem daí: os veículos vinham aos pedaços dos EUA, cabia aos operários encaixar as peças.
A autorização para o início das operações no centro de São Paulo foi dada no dia 24 de abril de 1919. Os US$ 25 mil disponibilizados vieram da Argentina, primeiro país sul-americano a receber instalações da empresa.
Apesar da data histórica, não haverá celebração agora.
A Ford é discreta no momento em que acerta a venda de sua fábrica em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), modifica a linha de produtos e ajusta a parceria global com a Volkswagen. O momento é de reinvenção.
O ano do centenário marca o fim da produção de caminhões da empresa no Brasil e o adeus dos modelos Fiesta e Focus. A fabricante muda com a meta de se tornar mais rentável, preservar seus campeões de venda –Ka e EcoSport– e investir no segmento de utilitários esportivos.
"Vamos ter surpresas até o fim do ano, não pensamos em outra coisa a não ser trabalhar o portfólio", diz Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford América do Sul.
Carros da Ford em frente à linha de produção do Bom Retiro, na região central SP, em 1919
Carros da Ford em frente à linha de produção do Bom Retiro, 
na região central SP, em 1919 - Divulgação
As novidades se concentrarão no setor de utilitários esportivos, zona de conforto para a montadora. A marca criou o segmento de jipinhos urbanos com o EcoSport, em 2003, carro que já tem seu lugar garantido na história do automóvel nacional.
O primeiro sucesso no país também foi um modelo de porte compacto, o Ford Modelo T. Graças a ele, a empresa passou dos 12 funcionários de 1919 para cerca de 130 em 1924, ano em que foram feitos 5.000 veículos entre carros, caminhões e tratores.
O interesse pelo automóvel crescia no Brasil e, entre 1925 e 1927, a Ford inaugurou linhas de montagem em Recife, Porto Alegre e Rio. O Modelo A, mais conhecido como Fordinho, surgiu na época e logo virou o mais vendido do país.
Os negócios foram bem até 1929, quando a quebra da Bolsa de Nova York e a crise no Brasil à beira da Revolução de 1930 mudaram o cenário.
Nos anos seguintes, foram fechadas as linhas de montagem fora de São Paulo.
As dificuldades no Brasil e no exterior fizeram a marca pensar em nacionalizar componentes. Os planos ganharam corpo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A produção ficou parada em grande parte desse período, por queda na demanda e falta de peças.
Com o fim do conflito, o mercado brasileiro começa a receber os carros compactos que fazem parte da reconstrução da Europa. Um desses modelos é o inglês Ford Prefect, que chega por volta de 1947.
Em 1953, a montadora se muda para o bairro do Ipiranga (zona sul de São Paulo). Dois anos depois, começa o processo de nacionalização, com cabines de picapes e caminhões feitas com aço de Volta Redonda (RJ).
O cenário melhora em 1956, quando é criado o Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística).
Os incentivos à produção local definidos no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) impulsionam a indústria e, em 1957, a Ford lança seu primeiro veículo considerado nacional, o caminhão F-600. De acordo com a empresa, 40% de seus componentes eram feitos no país.
A notoriedade da marca se consolidou dez anos depois, com o lançamento de seu primeiro carro produzido no Brasil, o sedã grande Galaxie 500. O modelo transformou a Ford em referência de luxo.
Aquele 1967 teve outro marco: a montadora adquiriu o controle da Willys-Overland do Brasil e assumiu as fábricas de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) e de Taubaté (interior de São Paulo).
Os carros em desenvolvimento pela Willys vieram junto: em 1969, chegava às lojas o Ford Corcel, desenvolvido em parceria com a Renault.
Essa configuração de empresa perdurou nos anos seguintes. A grande mudança ocorreu em 1987, com o estabelecimento da Autolatina, parceria regional com a alemã Volkswagen. Foi uma década ruim para a montadora americana, que perdeu mercado e teve de se reerguer com o lançamento do primeiro Fiesta nacional, em 1996.
É esse mesmo Fiesta que, duas gerações depois, se despede junto com a fábrica de São Bernardo do Campo. A linha de produção interessa ao grupo Caoa, mas as negociações, intermediadas pelo governo de São Paulo, ainda não foram concluídas.
Hoje, a joia da Ford no país é a fábrica de Camaçari (BA), que começou a produzir em 2002. É de lá que sairão as séries especiais que celebrarão o aniversário de cem anos, mas a marca ainda não divulga como serão esses carros.
Enquanto não ocorrer a conclusão da venda da unidade de São Bernardo, a Ford permanecerá quieta no ano de seu centenário no Brasil.
Primeiro veículo nacional da montadora americana, lançado em 1957
Primeiro veículo nacional da montadora americana, lançado em 1957
Divulgação

NACIONALIZAÇÃO COMEÇOU NOS ANOS 1950

1919 A diretoria da Ford Motor Company aprova a criação da filial brasileira, no início com 12 funcionários, na rua Florêncio de Abreu, centro de São Paulo. O Modelo T e o caminhão TT são montados com peças importadas dos EUA
1920 Um antigo rinque de patinação na praça da República, no centro de São Paulo, se torna a nova sede da Ford no Brasil
1921 Sede da Ford se muda para um prédio próprio no bairro do Bom Retiro, região central de São Paulo, onde é construída a nova linha de montagem
1923 Com 124 funcionários, a Ford atinge a capacidade anual de produção de 4.700 carros e 360 tratores
1925 Ford inaugura uma linha de montagem no Recife (PE)
1926 Modelos da marca americana começam a ser montados em Porto Alegre (RS)
1927 Ford inaugura um centro de treinamento para mecânicos em São Paulo e uma linha de produção no Rio
1942 Montagem nacional é interrompida devido à Segunda Guerra Mundial, e a Ford inicia os planos para nacionalizar componentes
1953 É inaugurada a nova fábrica da Ford no Brasil, no bairro do Ipiranga (zona sul de São Paulo)
1955 Ford passa a produzir cabines de picapes e caminhões feitas com aço de Volta Redonda (RJ)
1956 Com o programa de desenvolvimento da indústria estabelecido no governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976), a Ford se concentra na nacionalização de seus produtos
1967 Montadora adquire o controle acionário de Willys-Overland do Brasil e assume as fábricas de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) e de Taubaté (interior de São Paulo)
1976 Ford inaugura sua nova fábrica de tratores, em São Bernardo do Campo
1977 É aberto o campo de provas de Tatuí (interior de São Paulo)
1979 Montadora confirma a produção de veículos movidos a álcool
1987 Surge a Autolatina, parceria regional entre Ford e Volkswagen
1989 O motor 1.8 da VW passa a equipar as linhas Escort e Del Rey
1996 Fábrica de motores e transmissões de Taubaté é reinaugurada
2001 Ford inicia as operações em sua nova fábrica, na cidade de Camaçari (BA). A unidade tem capacidade para produzir 250 mil veículos por ano

Eduardo Sodré, Folha de São Paulo