sexta-feira, 26 de abril de 2019

"Educação integral ou oficinas de contraturno?", por Cláudia Costin

Em livro recente, Marc Tucker lista nove características presentes nos sistemas educacionais com bons resultados no Pisa, teste internacional que permite comparar países. Uma delas é a ênfase em aprendizado para todos, o que se traduz por excelência com equidade. 
Ele, porém, não se refere ao fato de que em nenhum deles a jornada escolar conta com menos de sete horas e de que todos têm um turno único de ensino.
No Brasil, dada a tardia universalização do acesso ao ensino fundamental e dado o fato de, apesar de estarmos em transição demográfica, ainda termos uma população expressiva em idade escolar, não há escolas para abrigar a todos num único período.
Para compensar o reduzido período de permanência na escola, modelos distintos de arranjos da jornada escolar foram tentados, a maior parte deles numa lógica que não enfatiza a aprendizagem, e sim o sossego dos pais ou um lazer saudável para os jovens. 
Em quase todos, as crianças de um turno têm aulas enquanto as do outro fazem oficinas, em escolas que não contam com estrutura para isso. 
Essas oficinas são oferecidas por docentes da própria escola ou por oficineiros contratados, sem nenhuma conexão com o trabalho ali desenvolvido. Não por acaso, o impacto sobre a aprendizagem é diminuto, se não negativo. 
Isso tende ocorrer pela inadequação do prédio para atividades que acabam sendo feitas no pátio ou no corredor, com os evidentes problemas acústicos para as salas de aula vizinhas.
Nesse sentido, avançam as redes públicas que substituem esse tipo de proposta pela construção gradual de educação integral de verdade, com currículo que enfatiza a aprendizagem para todos, jornada em turno único, mesmo que isso leve tempo para ser implantada.  
É preferível, mesmo em contexto de crise fiscal, avançar mais lentamente, mas com um plano georeferenciado de construção de escolas com estrutura para isso e uma proposta pedagógica própria e testada para tempo integral.
No país, o modelo de escolas de ensino médio de Pernambuco tem mostrado um caminho sólido para, ao longo dos anos, oferecer educação de qualidade assemelhada à dos melhores sistemas educacionais do mundo. Inspirou o Ceará, que já ia bem nos anos iniciais do ensino fundamental, o Maranhão e o Espírito Santo, entre outros. 
Em todos, a aprendizagem melhorou e, em alguns deles, a busca de equidade fez com que se privilegiasse a adoção do modelo em áreas de vulnerabilidade.
Em todos, o protagonismo do jovem se une à busca de excelência acadêmica, num processo de educação integral. Afinal, não será com algumas oficinas de pós-escola que mudaremos o triste quadro educacional.
Claudia Costin
Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial

Folha de São Paulo