O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, entregou ao juiz Sérgio Moro um “autointerrogatório” onde nega ter qualquer gerência sobre contratos suspeitos e disse que o Ministério Público Federal distorceu os fatos para prendê-lo. O documento foi protocolado na Justiça Federal antes do seu primeiro interrogatório ao juiz, que ocorreu nesta sexta-feira. Nele, ele tenta se distanciar totalmente do comando da empresa, mas não explica por que contas de offshores usadas para pagar propina a ex-diretores da Petrobras estavam vinculadas a Odebrecht.
Antes de começar o depoimento, o executivo pediu a Moro para fazer uma exposição. Ele disse que sempre se mostrou disposto a colaborar com a Justiça, mas que a força tarefa da Operação Lava-Jato nunca o convocou para prestar esclarecimentos. Por mais de dez minutos, reclamou de sua prisão, a qual jugou insustentável.
— Para suprir a absurda falta de provas contra mim, esses repetitivos vazamentos vem sendo acompanhados por ilações e interpretações não apenas descontextualizadas como inverídicas — reclamou o executivo a Moro.
O juiz tentou questionar ele sobre as movimentações na Suíça, mas ele disse que tudo estava respondido por escrito e ignorou as questões feitas. Na petição de 19 páginas com 60 perguntas feitas por ele e seus advogados, Marcelo reconhece que a Odebrecht tem contas no exterior, mas diz não conhecer as contas e movimentações apontadas pelos investigadores como fonte de pagamento de propina da empresa a funcionários da Petrobras.
Durante o interrogatório, o procurador da República Antonio Carlos Welter pede a ele que abra mão de uma ação que a empresa move na Justiça suíça para tentar impedir o acesso dos investigadores brasileiros a informações dessas contas em nome da “disposição dele em colaborar com a Justiça”. Marcelo diz que nada pode fazer:
— Não me cabe responder pela construtora.
Ele disse que as anotações pessoais encontradas em seu celular usadas Polícia Federal para demostrar o suposto conhecimento dele de pagamentos de propina no exterior foram “mal interpretadas”.
“Fica evidente a distorção dos fatos com o objetivo malicioso de atribuir a mim uma intenção de fuga completamente infundada. Trata-se de uma iniciativa não apenas ilegal, como cruel, apenas para me sujeitar a pedido de prisão preventiva”, conclui o executivo no documento.
Numa das notas, em que aparece “PRC/Suíça.PV?” a PF afirma que teria haver com pagamentos feitos ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa na Suíça. Marcelo diz a anotação foi feita porque ele viu na “mídia menções da delação de Paulo Roberto Costa” e ia checar se havia alguma planilha de valores anexa à delação que pudesse ajudar uma investigação interna”.
Ele tentou explicar orientações supostamente dadas a funcionários assim que os primeiros indícios de corrupção vieram a público. Numa das notas, ele escreveu “Higienizar apetrechos MF e RA”. MF e RA, para a PF, seriam Marcio Faria e Rogério Araújo e higienizar seria apagar provas. Marcelo contesta:
“Foi feito um lembrete sobre a necessidade de discutir se Marcio Faria e Rogério Araújo estavam sendo alvos de grampos ilegais e se seria o caso de fazer uma varredura, o que também acabou não acontecendo (...). A maior prova de que nunca cogitei em apagar nada é que minhas próprias notas e mensagens foram integralmente apreendidas em meu próprio celular”
As notas sobre “dissidentes da PF” que para os investigadores seria uma maneira dele tentar atrapalhar as investigações. Para o empresário, referiram-se a notícias veiculadas pela imprensa.
“Importante esclarecer logo que nunca cogitei interferir em investigações” disse completando:
"A alegação de que eu poderia ter interesse em interferir nas investigações não é verdadeira; a interpretação da anotação é propositadamente deturpada, sendo absolutamente desarrazoada a utilização de fatos noticiados em reportagens de jornal para fundamentar uma acusação penal”
O empresário disse ainda que só conhecia socialmente representantes das empresas envolvidas no cartel e que nunca participou de nenhum conluio para ganhar obras na Petrobras.
O executivo fez questão de afirmar mais de uma vez que não se envolve diretamente na área de negócio de nenhuma das 300 empresas da holding e que como presidente do conselho de administração da empresa, tinha função apenas de “convocar e coordenar reuniões como um representante dos acionistas”:
“Há mais de quinze anos não assino nem mesmo um cheque em nome das empresas da Organização, tampouco ordeno ou controlo operações financeiras”, afirmou.
Em nota, a defesa de Marcelo Odebrecht diz que “Marcelo refutou com firmeza as acusações que são feitas a ele na peça acusatória”. E que a empresa segue “confiante não só na sua absolvição neste processo penal, como na revogação da prisão, por meio de habeas corpus que aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça”.
Ex-diretor da Odebrecht disse que Paulo Roberto Costa pediu doação
Apontado por delatores da Lava-Jato como responsável por operacionalizar o pagamento de vantagens indevidas, o executivo Rogério Araújo disse que não tem o "menor conhecimento" a respeito de cartel na Petrobras, sobre contas da Odebrecht no exterior ou sobre pagamento de propinas. Ele chegou a dizer que Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento da Petrobras, chegou a falar com ele sobre doações, mas não prosperou.
— Neguei com delicadeza para não romper com ele. O Márcio (Márcio Faria, seu superior na empresa) disse que eu estava certo, nossa área não tem nada com ações políticas - disse.
Perguntado pela defesa se sugeriu ou orientou a Costa que abrisse conta no exterior, respondeu:
— Quem sou eu, doutora, um homem que dizia que falava com o presidente da República e tudo.. eu ia persuadir a ele fazer essas coisas?
Ao ser questionado sobre um e-mail enviado ao lobista Julio Camargo, que dizia que era importante o então governador do Rio, Sérgio Cabral, "ratificar" a escolha das empresas para fazer obras no Comperj, Araújo disse que estava se referindo ao interesse do estado na geração de empregos:
— Era uma nova indústria, havia grande apelo (para o estado) porque tinha indústria nova. Mas não precisava ser essas três empresas (Mitsui, Odebrecht e Ultratek).
Segundo ele, as três empresas se juntaram como sócias para investir no empreendimento do Comperj, e não como consórcio.
O também ex-diretor Odebrecht, Márcio Faria, também prestou depoimento nesta sexta-feira. Ele disse que nunca existiu cartel entre as construtoras para combinar preço de obras da Petrobras. Segundo ele, as únicas reuniões que teve com representantes de outras companhias foi para tratar de problemas trabalhistas, do fator previdenciário ou para negociar a formação de consórcios legalmente.
— Não aconteceu (cartel), até porque era impossível, pela dimensão disso (pacote de investimento da Petrobras) ter postura dessa maneira - disse ao juiz Sérgio Moro. - Já me reuni com várias empreiteiras, mas jamais pra tratar desse assunto. a gente se reunia de uma maneira legítima.
Ao ser perguntando sobre a existência de um "clube de empreiteiras", disse que o título não fazia referência ao cartel:
— Antes do governo Lula era época de pouco trabalho, e foi juntada seis empresas brasileiras mais a Toyo ou Mitsui para trabalhar em conjunto com a Petrobras para fazer obra da Refap. Foi dado nome de Clube das 7 e depois ficou G7. Mas foi tudo de forma totalmente legítima. Não chegamos a lugar nenhum porque esse projeto deveria ter financiamento, e a Toyo acabou levando essa obra sozinha.
Faria negou ter se reunido com o operador Mário Goes. Segundo ele, Rogério Araújo era o contato da Odebrecht com a Petrobras, que visitava "quase todo dia".