As orelhas de Aloizio Mercadante ficarão quentes nesta quinta-feira. Lula se reunirá com Dilma. Um dos temas da conversa será a remodelagem do ministério, que a presidente deseja anunciar na próxima semana. É mais uma oportunidade para Lula pedir o escalpo do chefe da Casa Civil. Com uma diferença: dessa vez, Dilma parece propensa a entregar a cabeça de Mercadante. Cogita deslocá-lo para outra pasta.
Relegado a tarefas legislativas nos dois reinados de Lula, Mercadante ganhou a Esplanada sob Dilma. Da periférica pasta da Ciência e Tecnologia foi à Educação. E dali para a sala localizada acima do gabinete presidencial, no Planalto. Ocupou a Casa Civil como quem se aninha num habitat natural. Comporta-se como ministro nato. O diabo é que muita gente prefere vê-lo como ministro morto politicamente.
Mede-se a descompressão que o eventual afastamento de Mercadante propiciará pela quantidade de fogos estocada em pontos estratégicos de Brasília. Confirmando-se o desfecho ansiado por Lula, os rojões soarão na vice-presidência da República, no Ministério da Fazenda, nas presidências do Senado e da Câmara, e nas lideranças de vários partidos governistas. Mercadante revelou-se um colecionador de desafetos.
Armand-Jean du Plessis, o duque de Richelieu (1585-1642), esteve para o rei Luís 13 da França assim como Mercadante está para Dilma. Era o primeiro-ministro, o conselheiro número um. Legou à posteridade o livro “Testamento Político''. Nele, oferece valiosas lições sobre o exercício do poder.
Sustenta, por exemplo, que todo soberano deve eleger entre os seus conselheiros aqueles que, como ele e Mercadante, tenham “autoridade superior'' sobre os demais. “É fácil de representar as qualidades que deve ter esse principal ministro; é difícil de as achar todas num mesmo homem. […] A felicidade ou a desgraça dos Estados depende da escolha que se fizer.''
A certa altura, trata das inevitáveis “conspirações'' a que está sujeito o ministro predileto. “Imita-se nisto a pedra jogada do alto de uma montanha. Seu primeiro movimento é lento, e quanto mais ela desce, mais peso toma, redobrando a velocidade da queda […]. É muito difícil parar uma conspiração que, não tendo sido contida no nascedouro, já esteja muito crescida.''
A pedra lançada por Lula parece ter chegado ao pé da montanha. Se pudesse seguir apenas a bússola dos seus sentimentos, Dilma manteria o primeiro-conselheiro a um lance de escada, a poucos metros da maçaneta que dá acesso ao gabinete presidencial. Mas Mercadante sucumbiu à maldição da Casa Civil.
Na era petista, todos os chefes dessa pasta experimentaram em algum momento a sensação de enfiar um dedo na fava de mel, lamber o dedo e vislumbrar as dádivas do mundo antes de começar a fugir das abelhas.
Desde Lula, passaram pela Casa Civil seis companheiros e uma agregada: José Dirceu, Dilma Rousseff, Erenice Guerra, Antonio Palocci, Gleisi Hoffmann e Mercadante. Um carrega no prontuário uma temporada na Papuda e acaba de retornar ao banco dos réus, outra dá expediente no gabinete presidencial com a espada do impeachment roçando-lhe o pescoço, e os quatro restantes prestam contas à Polícia Federal. É muita urucubaca.
Lula converteu Mercadante em alvo por duas razões. Uma é secundária. Conhecendo-o há mais de três décadas, aprendeu a não gostar dele. Outra é preponderante. Convenceu-se de que o companheiro cometeu o mesmo erro de José Dirceu: enxergou a Casa Civil como trampolim para alcançar a Presidência da República. E Lula não admite o surgimento de outra palmeira no gramado do PT.