Segunda-feira passada, em Nova York. 11h. A reunião de que você participa desde as 9h é interrompida para um café. Na lanchonete à qual todos afluem pela qualidade do cappuccino, vários monitores de televisão estão ligados na CNN.
O âncora passa os seis primeiros minutos do bloco tratando da crise dos refugiados na Europa.
Correspondentes em Bruxelas, Berlim e Budapeste analisam o enorme desafio humanitário. Comentam as dificuldades de encontrar uma política de resposta, em nível da Europa comunitária, a uma provação maior que a da crise das dívidas soberanas de 2011.
O jornalista passa então ao segundo tema do bloco.
As imagens iniciais destacam ícones da "brasilmania" dos anos Lula. O vídeo combina usinas de etanol em operação e plataformas de exploração de petróleo em alto mar que remetem à então novidade do pré-sal. Lula (o político mais popular do planeta) aparece em seguida sendo saudado por Obama.
A reportagem mostra também Lula ao lado do primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, sediando no Rio em 2010 a "Aliança entre Civilizações". Essa parte da matéria conclui-se com Lula ungindo Dilma, sua sucessora, ao passar-lhe a faixa presidencial.
O jornalista pergunta então: "se esse era o acervo de imagens e percepções que tínhamos até pouco tempo atrás, que diabos aconteceu com o Brasil?".
Imediatamente, o vídeo que segue é o das múltiplas erupções de violência na zona sul do Rio de Janeiro no fim de semana.
Os comentários dos jornalistas concentram-se então na disfuncionalidade da política brasileira, no fim do boom das commodities, no escândalo da Petrobras, no país projetando 3% de recessão e despencando na tabela das maiores economias do mundo.
Enquanto transcorrem as análises, as imagens que preenchem os monitores são as de assaltos nas areias de Ipanema, justiça com as próprias mãos nas ruas de Copacabana, turistas estrangeiras aos prantos depois de subtraídas de dinheiro, documentos e dignidade.
Os arrastões do fim de semana passada no Rio parecem dar ao momento brasileiro algo de que toda crise precisa: uma imagem-síntese.
Há obviamente crises (de natureza econômica, política ou social) muito mais sérias no mundo do que a do Brasil. Não é preciso ir longe –a Venezuela é um bom exemplo.
Claro que arrastões no Rio de Janeiro existem em forma semelhante à que o mundo assistiu no fim de semana pelo menos desde os anos 1990. Hoje, contudo, o Brasil é muito mais visível no palco global.
O "timing" de tais distúrbios é cruel. "The Wall Street Journal" reporta como o resultado de empresas globais é pesada e negativamente impactado pela fragilidade de suas operações no Brasil.
Diplomatas brasileiros não escondem mais de seus colegas estrangeiros o dissabor em ter de representar posições de um governo tão descredenciado para gerir a grandeza do Brasil. Ainda, a situação de penúria dos postos diplomáticos no exterior oferece uma péssima projeção do país.
No entanto, o impacto das imagens da violência no Brasil é particularmente grave.
Estamos na contagem regressiva para a Olimpíada no Rio de Janeiro. Em geral, sediar Jogos Olímpicos funciona como uma espécie de "carimbo de confirmação" do status de um país como potência ascendente. Assim foi com Seul-86, Barcelona-92, Sidney-00 ou Pequim-08.
Rio-16 acontecerá em meio a uma dolorida retração, que machuca as economias de famílias e empresas e põe à prova o amor-próprio dos brasileiros. Durante a Copa de 2014, apesar das deficiências de infraestrutura, a recepção a estrangeiros foi calorosa e não se confirmaram os temores de protestos violentos em grande escala. A opinião geral foi positiva. Saiu-se com a impressão de que "o melhor do Brasil é o brasileiro".
O fato, porém, é que o clima no Brasil mudou, e as tensões estão mais agudas. O humor do brasileiro azedou.
Isso naturalmente se reflete na maneira pela qual o mundo percebe o país. Muita gente que tencionava ver os jogos presencialmente em 2016 está pensando duas vezes. A associação, direta ou indireta, que a mídia jornalística global faz entre o quadro socioeconômico brasileiro e a crua imagem da violência nas ruas fere o potencial da Olímpiada como evento capaz de atenuar os olhares severos que hoje se lançam sobre o país.
Seria enorme o impacto de uma Olimpíada tisnada pela violência. E o Brasil bem precisa de uma boa receita oriunda do turismo –um dos poucos setores intensivos em mão de obra da economia contemporânea.
Jogos Olímpicos sempre imprimem seus símbolos e a quebra de muitos recordes. Não podemos permitir que a marca deixada pelo Brasil, na economia ou na política, nas ruas ou nas praias, seja a de um país impassivelmente vitimado por arrastões.