sábado, 19 de setembro de 2015

"Diálogo de instituições", por Merval Pereira

O Globo

Ao insinuar que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas é baseada em cláusulas pétreas da Constituição e, por isso, não pode ser alterada por uma emenda constitucional do Congresso, o presidente do STF Ricardo Lewandowski colocou mais lenha na fogueira da disputa entre Legislativo e Judiciário.

 Os deputados começaram ontem mesmo a negociar com senadores a aprovação da emenda constitucional, que já passou por dois turnos na Câmara. Diante do fato concreto que estão enfrentando, de que 80% dos recursos das campanhas eleitorais foram proibidos, há esperança na Câmara de que seja possível reverter a posição da maioria dos senadores, que na votação do projeto de lei da reforma política votaram contra o financiamento de empresas.

Esse projeto de lei voltou à Câmara e foi novamente modificado, indo à sanção presidencial. É esse projeto que deve ser vetado pela presidente Dilma, diante da decisão do Supremo. O jurista Michael Mohallem, da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio, acha que basear a decisão nas cláusulas pétreas inviabilizará o que se chama de "diálogo de instituições", que já permitiu que diversas decisões do TSE fossem alteradas no Supremo a pedido do Congresso, numa sucessão de decisões, como na verticalização das eleições, por exemplo.

 O que havia de mais organizador do sistema partidário brasileiro foi o regime de verticalização, que esteve para vigorar na campanha eleitoral de 2006 graças a uma ação do deputado Miro Teixeira junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A decisão, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi revogada depois de uma pressão política de líderes do quilate de José Sarney e Antonio Carlos Magalhães. Foi editada uma emenda constitucional que retirou a exigência de verticalização das composições partidárias. 
Mohallem lembra que a Constituição brasileira é das poucas que permite que uma emenda seja considerada inconstitucional, mas somente com a divulgação do acórdão se poderá definir a questão, mesmo assim com a necessidade de uma nova manifestação do STF.

O STF já declarou a inconstitucionalidade de emendas constitucionais, ressaltou o ministro Luis Fux, relator do caso, citando a dos precatórios. Segundo Lewandowski, a decisão do Supremo se baseou "nos grandes princípios constitucionais, no princípio democrático, no princípio republicano, no princípio da isonomia e da igualdade entre os cidadãos e do processo eleitoral, os pilares da Constituição".

O ministro Gilmar Mendes considera que somente se o Senado aprovar a PEC será possível ao STF analisar a questão em profundidade e decidir se o financiamento de pessoa jurídica fere mesmo alguma cláusula pétrea.

Caso o Senado aprove a emenda constitucional e o assunto retorne ao Supremo, provavelmente a decisão final sairá depois de 2 de outubro, prazo final para mudanças nas regras eleitorais. As eleições municipais teriam os mesmos critérios atuais, e as novas regras, caso fossem reiteradas pelo Supremo, só valeriam para as eleições de 2018.  
Comemoração

A decisão do Supremo foi comemorada por partidos de esquerda como o PSOL. Para seu líder, Chico Alencar, a campanha eleitoral agora vai passar a depender do financiamento das pessoas naturais, físicas, sobretudo. "Serão, assim, mais austeras, presenciais, politizadas até".

Ele explica que o Fundo Partidário é usado, em geral, para contratar o estúdio de TV e a produção dos programas de televisão e rádio, "daí talvez não chegar onde a eleição é mais no corpo a corpo, como em muitos municípios".

Na visão de Chico, mesmo o Fundo deve ser, com o tempo, desidratado. "Partido não tem que depender do Estado, assim como sindicato não deve existir às custas do imposto sindical. A forma mais saudável de financiar a política - vale dizer, os partidos e as eleições - é através da adesão voluntária da cidadania, que, por opção, contribui para aquele partido e para aqueles candidatos. E com limites austeros".

O deputado do PSOL do Rio cita as próprias campanhas, onde sempre recebeu recursos apenas de pessoas físicas, o que não o impediu de estar entre os 5 mais votados para deputado no Rio. Para ele, "com fiscalização", o Caixa 2 não aumentará. "Cairá, isso sim, a compra de votos, os mimos, a propaganda enganosa, até a poluição visual".