sexta-feira, 18 de setembro de 2015

"Cinismo parlamentar", editorial da Folha de São Paulo

Existem bons motivos para criticar o pacote de ajuste das contas públicas anunciado pelo governo Dilma Rousseff (PT) na segunda-feira (14), e não por acaso o Planalto dedicou boa parte da semana ao esforço ora infrutífero de convencer aliados a aprová-lo quando estiver em votação no Congresso.

Do improviso na seleção de medidas ao amadorismo na compilação, passando pelo caráter impopular das ações e pelos problemas específicos de ressuscitar a CPMF (imposto sobre operações financeiras), são muitos os vícios do plano.

Diante de uma sociedade que já se sente oprimida pela carga tributária e que espera do governo um corte mais profundo em sua máquina administrativa, parecem naturais as resistências que deputados e senadores se dispõem a oferecer.

Soam cínicas e dissimuladas, contudo, as declarações de parlamentares que procuram transferir ao Executivo toda a culpa pelo gigantismo estatal, reservando ao Legislativo o papel de baluarte das finanças nacionais.

Se isso fosse verdade, Dilma Rousseff não precisaria ter expressado preocupação com a sessão do Congresso que será realizada na próxima terça-feira (22), quando estarão em pauta os vetos presidenciais a projetos da chamada pauta-bomba –iniciativas legislativas que resultam em expressivo aumento dos gastos públicos.

Primeiro porque, obviamente, parlamentares zelosos não endossariam propostas perdulárias. Segundo porque, caso o fizessem, saberiam reconhecer o deslize e logo aceitariam a correção.

Nada mais distante do que hoje ocorre em Brasília. O Congresso aprovou projetos de lei que, reajustando salários no Judiciário e dotando a Previdência de regras mais generosas, entregam ao Tesouro uma conta extra que facilmente ultrapassará R$ 150 bilhões ao longo da próxima década.

O país, desnecessário dizer, não está em condições de bancar esse tipo de desembolso. Dilma, em rara sintonia com as necessidades nacionais, barrou o desatino. Deputados e senadores de variadas colorações partidárias, no entanto, ameaçam derrubar o veto.

Já seria muito, mas a prodigalidade não se esgota nessas três "bombas". Em agosto –e trata-se apenas de um exemplo–, a Câmara deu seu aval inicial a uma proposta de emenda à Constituição que eleva os vencimentos de parte da cúpula do funcionalismo. Seu impacto, se vier a ser promulgada, será de R$ 2,5 bilhões por ano.

É legítimo, sem dúvida, que os congressistas de oposição tentem impor ao governo derrotas nos mais diversos campos. Extrapolam, porém, quando miram a saúde das contas públicas com o fim de alvejar o Planalto –nesse caso, atingem também o conjunto da população, que será chamada a pagar o custo da irresponsabilidade.