sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

'A economia na balança', por Ubiratan Jorge Iorio

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe durante coletiva de imprensa em 15 de dezembro de 2021 | Foto: Edu Andrade/Ascom/ME


A política econômica do governo está correta e é uma pena que esteja enfrentando tantos adversários em um jogo bastante viciado


Fim de ano é sempre tempo de usar a balança, renovar a esperança e fortalecer a confiança. Hora também de arrumar armários, limpar gavetas e vestir cores que — acreditam muitos — ajudam a concretizar antigos desejos e aspirações. Descontado o teor de superstição, nada há de errado com esses hábitos, nem com o fato de se os replicar para o campo das relações econômicas. Afinal, também na economia, a esperança, a exemplo da fé, pode mover montanhas, desde que fundamentada em ações concretas e não em crenças incorretas.

O que se viu no plano político no ano que se despede foi um jogo viciado e cada vez mais desigual, de três contra um: de um lado, (a) não poucos congressistas, com destaque para os presidentes das duas Casas e para uma oposição especializada em sabotagens — como a de ir chorar quase diariamente no tapetão do STF —, bloquearem pautas e tumultuarem votações; (b) os semideuses de toga prejudicando a segurança jurídica com seus narizes abelhudos; e (c) a velha imprensa saudosa de mesadas oficiais. E, do outro, acuado por um bombardeio incessante, o governo federal, ou, melhor dizendo, a sua ala não política, uma vez que setores da chamada ala política, devido ao manicômio partidário da nossa república, algumas vezes parecem jogar no time adversário.

Porém, para desespero da turma do contra, apesar dos inúmeros ventos contrários, é possível identificar, com algum esforço, uma concretude de ações imprescindíveis para o cultivo da esperança; primeiro, porque a política econômica do governo, a cargo da sua equipe liberal — a única merecedora desse adjetivo no período republicano e, talvez, em toda a nossa breve história de cinco séculos —, optou desde o início pelo caminho certo, o do estímulo à liberdade econômica, sem dúvida o maior dos elementos geradores de riqueza; e, segundo, porque a economia brasileira — sabe-se lá o porquê — sempre surpreendeu positivamente.

É verdade. Quem a acompanha por dever de ofício conhece sua capacidade de transformar adversidades em força, ou, como diziam nossos avós, fazer das tripas coração. Não poucas vezes, quando se pensava que estava indo para a cucuia, ela reagiu com valentia. No plano político, depois do golpe que derrubou o Império, foram muitos acontecimentos prejudiciais: seis Constituições, nove mudanças no sistema monetário, seis fechamentos do Congresso, seis presidentes despejados a pontapés por golpes de Estado e 13 que não chegaram a cumprir a totalidade de seus mandatos. Que economia não sentiria tudo isso?

Mesmo com todos os obstáculos, a nossa economia sempre mostrou incrível capacidade de levantar-se, sacudir a poeira e seguir em frente

E, no campo econômico, um préstito interminável de porra-louquices econômicas, como as políticas da queima dos estoques de café nos anos 1930, a do mesmo Getulio “democratizado” dos anos 1950, a de João Goulart no início dos anos 1960, a da febre de abertura de estatais e de endividamento externo dos 1970, a dos três congelamentos de preços de Sarney e dois de Collor, entre 1986 e 1991, e a da Era das Trevas (2003-2016 d.C.), com destaque para a inacreditável reação à “marolinha” de 2007; e a abominável Nova Matriz, cometida sem dó nem piedade pelos deploráveis ministros daquela execranda senhora presidente. Somem-se a isso as crônicas obstruções ao empreendedorismo, o desrespeito flagrante à liberdade econômica, a exaltação permanente à burocracia e a herança patrimonialista ibérica, que povoam o DNA nacional desde Cabral. Ninguém aguenta, irmãos.

#FiqueEmCasa

Mas a economia aguentou. Mesmo com todos os obstáculos, a nossa economia sempre mostrou incrível capacidade de levantar-se, sacudir a poeira e seguir em frente. E desta vez não está sendo diferente, depois do golpe fortíssimo desferido pela pandemia e seus efeitos, entre eles, a lastimável política do “fique em casa, que a economia fica para depois”, imposto em nome de uma pretensa ciência, e a desorganização mundial das cadeias de produção.

Quando, no início do ano passado, o golpe vindo da China a atingiu, muitos imaginaram que a economia brasileira não ia resistir. As estimativas de bancos e instituições, como — e esse é apenas um dos exemplos — o FMI, eram de que sua morte cerebral seria inevitável. Com quedas que ultrapassavam os 10% do PIB e aumento de desemprego que faria a famosa Grande Depressão americana do século passado igualar-se em escala de destruição ao fechamento de meia dúzia de lojas e à demissão de três ou quatro empregados preguiçosos.

Os resultados, para quem desconhece a resiliência da nossa economia e recusa-se a reconhecer a importância e a força produtiva dos mercados livres, surpreenderam. Transportada às pressas para o corredor da UTI, a economia pulou da maca e partiu para a luta: a queda de cerca de 4% do PIB em 2020 sem dúvida representou um tombo substancial, mas, diante das expectativas de que despencaria em 10%, foi um resultado excelente. A recuperação em 2020 foi rápida e a expectativa para 2021 era bastante positiva, tanto que no fim de 2020 as aves de mau agouro já estavam de volta aos seus poleiros. Tanto as atividades industriais como as vendas do comércio superavam o nível anterior à pandemia, a agricultura continuava forte, a confiança dos agentes econômicos estava recuperada e o emprego voltava a aumentar.

Então, sobreveio a segunda onda da peste, no início de 2021, que colocou em dúvida a continuidade do processo de recuperação, mas a atividade econômica deu sinais claros de que era de fato em V, embora perdesse força nos meses seguintes, em decorrência principalmente de dois elementos perturbadores: a desorganização das estruturas produtivas em nível mundial e a explosão da inflação de preços, também em âmbito global. Mesmo assim, a taxa de crescimento do PIB deverá situar-se em torno de 5% em 2021, um resultado a se comemorar, mas que não significa que os problemas conjunturais causados pela pandemia e os gargalos estruturais da economia brasileira tenham sido superados. O ritmo de crescimento da atividade econômica diminuiu e as perspectivas para 2022 ainda são de que essa tendência poderá manter-se no ano que se inicia, mas sem motivos para pavor.

Na fronteira fiscal, o déficit primário, que no fim de 2019, graças à boa política de austeridade, caíra para cerca de 1% do PIB, subiu para algo em torno de 9,5% do PIB, devido às despesas extraordinárias para enfrentar a pandemia e às quedas na atividade econômica e, portanto, nas receitas. Mas, em 2021, o déficit voltou a cair e deverá fechar 2022 ao resultado de 2019, o que é uma excelente notícia. O mesmo sucedeu com a relação dívida interna/PIB.

A inflação de preços, medida pelo IPCA, de 4,3% e 4,5%, respectivamente, em 2019 e 2020, ligeiramente acima da meta, em 2021 deverá situar-se em 10,5%, sem dúvida um forte aumento. Duas observações, todavia, são necessárias: a primeira é que o salto na taxa de crescimento de preços no Brasil foi bastante inferior ao observado nos Estados Unidos (o maior em décadas) e na Zona do Euro (também o aumento mais elevado em quase 30 anos, inclusive na Alemanha); a segunda é que o nosso Banco Central foi o primeiro no mundo a abandonar o discurso de que os preços estão aumentando apenas devido à barafunda transitória nas cadeias de produção e a atacar a causa duradoura do aumento de preços — que sempre, em todo e qualquer lugar, é a política monetária frouxa —, o que vem fazendo desde março deste ano. A expectativa é que a inflação deverá voltar em 2022 ao nível de 2020. A confirmar essa esperança, neste final de ano já se veem sinais de arrefecimento do processo.

Diga-se, en passant, que o presidente do Fed, Jerome Powell, só recentemente reconheceu que a narrativa de culpar apenas a pandemia pela disparada dos preços estava errada e admitiu que “talvez” seja preciso apertar o cinto das taxas de juros em 2022. Já a senhora Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, ainda se diz “convencida” de que a pressão inflacionária “é passageira e que cairá em 2022, graças à aguardada queda nos preços da energia”. A verdade é que, quando se trata de inflação, o keynesianismo costuma ser fatal, tanto na identificação do problema quanto nos remédios prescritos.

Neste balanço de fim de ano, entretanto, não devemos nos limitar à conhecida análise de ascensorista, em que se lista cansativamente o sobe e desce dos indicadores econômicos, mas enfatizar que há razões sólidas para otimismo, além da mencionada resistência histórica da economia a chuvas e trovoadas. Refiro-me à consolidação fiscal e à evolução na composição dos investimentos, que vem sendo promovida silenciosamente, cujo efeito é aumentar a sua qualidade e, portanto, a sua produtividade.

As reformas

Seja pela falta — proposital — de divulgação da velha imprensa, seja por desconhecimento por parte da população de seus benefícios de longo prazo, pouca gente percebe a enorme importância da série de reformas pró-mercado e aumento de produtividade que vêm sendo promovidos desde 2019 pelas diversas secretarias do Ministério da Economia e que não foram interrompidas pela pandemia.

Eis algumas dessas providências: no que diz respeito à consolidação fiscal, reduções consistentes da relação dívida/PIB e dos gastos com previdência e com o funcionalismo; no que tange ao aumento da produtividade, diminuição da má alocação de recursos, novos marcos legais, concessões e privatizações, abertura comercial gradual, desburocratização e melhoria do ambiente geral de negócios.

Dentre as boas providências, destacam-se: a revisão do contrato de cessão onerosa, que tornou possível o maior leilão de petróleo do mundo; a modernização das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho; a maior reforma estrutural do FGTS da história; o novo cadastro positivo e medidas para ampliar o crédito e fomentar inovações; a nova lei do agro; a lei de liberdade econômica, que está trazendo melhorias substanciais ao ambiente de negócios; as novas leis de falências e de licitações; a redução dos custos para o crédito imobiliário; as novas regras (marcos) para saneamento, gás, agências reguladoras, ferrovias, navegação de cabotagem e cambial; a autonomia do Banco Central; o marco das startups; as concessões de portos, aeroportos, estradas e de abertura de ferrovias.

A isso tudo, devemos acrescentar dois outros fatos auspiciosos e que também não costumam ser notados por analistas que parecem viver atolados no curto prazo e no cansativo papo de cerca lourenço, repetido exaustivamente, de que “se o Banco Central subiu os juros, então o desemprego também vai subir”. Trata-se do aumento na taxa de poupança e da mudança qualitativa na composição dos investimentos, com menor participação do Estado e maior do setor privado (em termos técnicos, um crowding out às avessas, “do bem”); ambos são fundamentais. O primeiro porque, ao fim e ao cabo, a formação de poupança — e somente ela — é que sustenta os investimentos no longo prazo; o segundo, porque gera enormes ganhos de produtividade e, portanto, crescimento autossustentado.

Em suma, a política econômica do governo está correta e é uma pena que esteja enfrentando tantos adversários em um jogo bastante viciado. Há motivos para esperança, mas haveria bem mais se a politicagem crônica deixasse de obstruir as reformas estruturais imprescindíveis que o povo endossou em 2018 e que, ao que parece, vão ficar para um eventual segundo mandato.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor. Instagram: @ubiratanjorgeiorio

Revista Oeste