quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

"Ética e etnia", por Nelson Motta

O Globo

Não é justo que toda a população pague pela formação de brancos de classe média alta que vão ganhar a vida com o que aprenderam de graça


Parece piada, golpe tosco de espertalhões, jabuticaba étnica brasileira, mas o assunto é sério quando seis concorrentes ao vestibular do Itamaraty, para se beneficiarem das cotas raciais, se declararam negros, embora aparentemente sejam branquíssimos, e o Ministério Publico quer expulsá-los por fraude e falsidade ideológica. Mas qual seria o critério de “negritude”? O que é “negro”, além da cor da pele, na verdade vários tons de castanho? 

Quanto sangue negro alguém precisa ter para declarar-se “negro”? Duas gerações? Três? 

Quatro? Como provar isso? Estão roubando vagas de negros autênticos? E de pobres?

Fernando Henrique, com seu declarado pé na cozinha, poderia se beneficiar dessas cotas ? E Chico Buarque ? Num país irreversivelmente miscigenado, só uma minoria de descendentes diretos de imigrantes europeus pode se dizer caucasiano. Como foi provado, são raros os brasileiros, das mais diversas aparências, que não têm sangue negro no DNA. 

Eu mesmo, branquelo paulista, tenho ascendentes mestiços de terceira ou quarta geração.

Nos Estados Unidos, para todos os efeitos, quem não é branco, preto é. Ter 1/8 de sangue negro é o que definia um negro, seja claro ou escuro, desde o fim da escravidão. Ninguém se diz pardo, mulato, mestiço, ninguém quer se passar por branco ou vice-versa, cada um é o que é e todos têm direitos iguais. Ao contrário do Brasil, onde são maioria, os negros são só 12% da população americana, mas têm muito mais dinheiro e poder do que os brasileiros.

Aqui, antes da cor da pele, são a miséria e o péssimo ensino publico que impedem o caminho dos jovens para a universidade. Por isso, são fundamentais as cotas e bolsas para negros e pobres, para fazer justiça e dar equilíbrio à meritocracia que todos exigem. Mas quem deve pagar a conta é o aluno que tem renda familiar para isso — não é justo que toda a população pague pela formação de brancos de classe média alta que vão ganhar a vida com o que aprenderam de graça. É incrivel como a velha esquerda ainda insiste na tolice de que se os ricos pagarem pelo que consomem vão fechar a universidade aos pobres.