domingo, 19 de novembro de 2017

Wickr tornou-se o aplicativo queridinho dos encrencados na Lava-Jato

Com O Globo


Com criptografia e função de autodestruir mensagens, ele foi usado por integrantes do esquema de Cabral, Cunha, Funaro e ex-presidente da Petrobras



Entre uma e outra denúncia da Lava-Jato, seja em Curitiba ou no Rio, um aplicativo em comum aparecia como o preferido dos investigados para se comunicar sem deixar rastros: o Wickr. No último dia 8, o operador Carlos Miranda rompeu o silêncio e, pela primeira vez, admitiu que era o responsável por recolher as propinas destinadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Em meio ao depoimento, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, procurador Eduardo El Hage, lançou a pergunta:

— No Wickr, que muitos da organização criminosa usavam, qual era o apelido de Cabral?
— Cabra macho — disse Miranda.

Quem utilizar o Wickr não precisa de um email ou qualquer outro dado para se identificar. Só é necessário baixar o aplicativo, criar uma senha e um nome de usuário. Assim como Cabral era “Cabra macho", Miranda era o “Lagoa68” e Miguel Skin, empresário acusado de pagar propina ao ex-governador e ao ex-secretário Sérgio Côrtes, era o “Rei da montanha". Esses apelidos são criptografados e não são conhecidos nem pelo próprio Wickr. Não fornecer qualquer dado ao aplicativo já cria a primeira barreira de segurança de que os investigados precisam.


Criado em 2012, o Wickr também não denuncia para os contatos quem tem o aplicativo. Nesse aspecto, é diferente do WhatsApp, em que, quando você entra, vê quem da sua lista de contatos tem o aplicativo. Fora isso, as mensagens enviadas e lidas se autodestroem. E é essa a função mais ressaltada pelo Ministério Público Federal (MPF) para que os investigados mais usem o aplicativo. O usuário seleciona em quanto tempo quer que a mensagem seja eliminada — de alguns segundos a até seis dias.

Os investigadores não sabem ao certo explicar a preferência dos réus por esse aplicativo em detrimento de outros, como o Telegram, por exemplo, que também tem a opção de autodestruição da mensagem. Suspeitam que é porque, além de ser um pouco mais antigo, o Wickr caiu no gosto dos doleiros e acabou, por tabela, se alastrando por aqueles que usam seus serviços.

No grupo de Cabral, o Wickr substituiu formas menos confiáveis de se comunicar. Além de ser usado no esquema do ex-governador, fazia parte da comunicação entre o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o doleiro Lúcio Funaro. O ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine se comunicava com seu suposto operador, André Vieira, através do aplicativo.


RECOMPENSA DE R$ 100 mil


O usuário também pode selecionar que o acesso ao aplicativo seja feito só por meio de impressão digital e pode habilitar o Wickr para impedir printscreen da mensagem. No caso de Bendine, o MPF afirmou que as mensagens eram destruídas “a cada 4 minutos para evitar a utilização como prova de ilícitos praticados”. Mas o ex-presidente da Petrobras e seu suposto operador não usavam a função de impedir os “prints”, então acabaram guardando reproduções de suas conversas, o que foi usado como prova em seus pedidos de prisão.

As mensagens — assim como arquivos, fotos e vídeos enviados — são criptografadas, e o Wickr nunca tem acesso às chaves para decifrá-las. Dessa forma, os dados não podem ser interceptados numa investigação e nem o aplicativo pode fornecê-los. Em sua página na internet, o Wickr diz confiar tanto na própria segurança que, em janeiro de 2014, lançou um desafio que dura até hoje: paga uma recompensa de até US$ 100 mil para quem identificar uma falha significativa em seu sistema de proteção das mensagens.