quinta-feira, 30 de novembro de 2017

"Tchau, queridos!", por Rogério Chequer

Folha de São Paulo



"Accountability" é um termo de difícil tradução para o português, e a questão não é apenas linguística. Há artigos de quase trinta anos questionando se a dificuldade de tradução viria das características comportamentais e culturais brasileiras.

O termo é amplo e inclui conceitos de prestação de contas. Tendo trabalhado no exterior por 15 anos, percebi que, na prática, a palavra carrega o sentido de você ser responsável pelo resultado do que faz, seja ele negativo ou positivo. Se tiver sucesso, o mérito é seu. Se fracassar, não existe a alternativa de culpar outrem. Sem ser especialista no assunto, acredito que a melhor tradução para a palavra seja responsabilização. E é aqui que existe uma forte conexão com a política brasileira.

Políticos eleitos pelo povo não se veem na obrigação moral de ouvi-lo e representá-lo, criando um enorme abismo de representatividade. Isso se passa, principalmente, porque no Brasil políticos conseguem se reeleger mesmo sem ter um histórico de eficiência, bastando para isso que tenham dinheiro. Conluios com prefeitos geram propaganda em massa, suficiente para convencer eleitores que não conhecem os candidatos como deveriam. A desinformação alia-se à síndrome da "memória curta" que acomete a população em época de eleições. Os dois fatores levam eleitores a votar em representantes que não os representarão.

Seria possível mudar essa indesejável dinâmica? Tenho certeza que sim.

Com a tecnologia, é possível coletar e entregar a eleitores informações acerca do passado, da atividade legislativa e da coerência de parlamentares. Para isso, movimentos sociais se uniram em torno de uma iniciativa, lançada na quarta (29) no próprio Congresso Nacional, que visa conscientizar a sociedade sobre a conduta e atividade dos parlamentares. O objetivo do projeto é manter a população informada sobre aqueles que são seus representantes, oferecendo mais transparência e ampliando o acesso a informações públicas, mas ainda não necessariamente organizadas.

Dados sobre os parlamentares —tais como presença nas sessões do parlamento, gastos de gabinete, participação nas mais relevantes decisões parlamentares, envolvimento em processos judiciais e atividade partidária— serão oferecidos de forma geolocalizada, isto é, cada região receberá informações específicas dos políticos que lá costumam buscar votos. Com essa transparência, eleitores poderão tomar decisões melhor informados, diminuindo o efeito das massivas campanhas eleitorais promovidas por prefeitos mancomunados com candidatos.

Essa nova dinâmica, um remédio natural contra memória curta, vai obrigar parlamentares a medir melhor seus votos e posicionamentos, consultar mais suas bases eleitorais e atender aos seus anseios. Caso contrário... Não mais conseguirão se reeleger. Em uma única palavra, "accountability".

A iniciativa, apelidada de "Tchau Queridos", pretende promover uma sadia e necessária renovação no Congresso Nacional, trazendo responsabilização aos representantes do povo, e consequentemente maior representatividade para o nosso falido sistema político e eleitoral.

Há tempos nossa democracia é ilusória. Temos agora a chance de reverter esse quadro e tomar controle do nosso próprio destino. Tchau, queridos!