“O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.”
Não se trata, caros leitores, de um manifesto dos anos 50/60, quando a esquerda, contaminada pelo golpismo que permeou a nossa história desde o advento da República, também rondava os quartéis em busca de um “general do povo” e dava sua contribuição negativa para a divisão das Forças Armadas.
A citação é parte de um artigo de José Dirceu publicado recentemente no site Diário do Centro do Mundo e compartilhado nas redes sociais do lulopetismo, propugnando o “diálogo com os militares” para atrai-los para seu projeto de poder.
O apelo a um discurso eivado de um nacionalismo anacrônico presta-se ainda a disputar com o deputado federal Jair Messias Bolsonaro a influência no mundo castrense, dada a pregação “nacionalista” do militar candidato. Não gratuitamente, o PT tem sido pródigo em elogios ao modelo “nacional estatista” do período, do presidente e general, Ernesto Geisel.
A pretendida aproximação com os militares é parte de movimento estratégico mais amplo do PT, na direção de sua bolivarianização. O modelo chavista de “democracia direta” voltou a ser cultivado por Lula. Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo declarou que, se eleito, convocará referendo revogatório de medidas adotadas no governo Michel Temer. Para delírio do braço esquerdo do lulopetismo, o caudilho repetiu a ameaça em comício de sua caravana em Minas Gerais.
Na hipótese de um novo governo, dificilmente Lula teria maioria no parlamento para impor seu programa. Como o mensalão e o petrolão inviabilizaram a construção de uma maioria pela via da corrupção, restaria a ele a alternativa de emparedar o Congresso e o Poder Judiciário por meio de consultas populares.
Não há na nossa Constituição a figura do referendo revogatório. Sua aplicação no Brasil implicaria em ruptura constitucional, em o país se enveredar por uma “ditadura popular”, a exemplo da Venezuela de Hugo Chavez e Nicolás Maduro. Mas quem disse que não é essa a ideia?
Ora, as Forças Armadas são um obstáculo a tais planos. Desde a redemocratização dedicam-se exclusivamente a cumprir suas obrigações constitucionais e profissionais, razão pela qual temos o maior período desde o advento da República sem quartelada ou qualquer tipo de intervenção militar na vida política nacional.
Desviá-las de suas funções constitucionais é pré-requisito para o Partido dos Trabalhadores avançar em seu projeto autoritário. É aí que entram em campo as vivandeiras petistas com o objetivo de reintroduzir nos quartéis a polarização “esquerda-direita”. Querem retornar aos tempos da guerra-fria, quando a esquerda, maniqueisticamente, dividia as Forças Armadas em duas correntes: a “entreguista e golpista” e a “nacionalista e democrática”. Sintomaticamente, os termos estão presentes no artigo de José Dirceu.
A história está aí para registrar que o golpismo não foi monopólio da direita. A esquerda também fez suas incursões golpistas, vide 1935.
Na Venezuela, a cooptação dos militares se deu pela sua transformação em uma elite econômica dotada de privilégios e detentora dos principais cargos de direção das principais empresas e dos altos escalões do governo. Hoje, são o principal esteio da ditadura venezuelana. Os estrategistas do PT não ignoram o precedente histórico do modelo chavista, que, de resto, é o mesmo da Coreia do Norte, onde os militares são o principal sustentáculo da ditadura de Kim Jong-Um.
Para atrair os militares, o lulopetismo ressuscita concepções da esquerda que não deram conta da realidade brasileira nos anos 50/60, que dirá agora.
Em pleno século vinte e um, no limiar da Quarta Revolução Industrial e de mudança de paradigmas na economia, pensam o desenvolvimento do país pela via autóctone e de ruptura com o capital externo. O “imperialismo yankee” é visto como o invasor externo que suga as riquezas nacionais. Nessa visão distorcida, a missão das Forças Armadas seria defender o pré-sal, a Amazônia, as empresas nacionais do “polvo imperialista”.
Só que o Brasil não é a Venezuela e nossas instituições castrenses em nada se assemelham às do país de Chavez e Maduro. Temos uma economia diversificada e integrada à economia mundial, uma sociedade bem mais complexa. Nossas Forças Armadas são instituições permanente de Estado e impermeáveis a discursos de quem quer instrumentalizá-las para viabilizar seu projeto de poder.
Os remanescentes da esquerda armada ainda não deglutiram a derrota do passado e agora tentam dividir as Forças Armadas.
Se pensam, com seu canto, atrair os militares para uma aventura, as vivandeiras, de esquerda ou de direita, darão com os burros n’água. Os militares brasileiros parecem estar escolados para embarcar nessa nau de insensatez.