Algumas das marcas que a Lava-Jato registrou até agora dificilmente serão superadas tão cedo. Na lista de milionários que a operação transformou em réus estão integrantes de duas das dez famílias mais ricas do Brasil. Somados, o patrimônio dos Odebrecht e o dos Batista superam 8 bilhões de dólares. Estão, também, cinco donos e presidentes das maiores empreiteiras do país, cujo faturamento total representa mais de 26% de todo o dinheiro movimentado pela construção civil no Brasil. Estão, por fim, 37 políticos aparentemente muito bem remunerados pelos serviços ilicitamente prestados, tanto que o montante de propinas pago a parlamentares e agentes públicos pelas empresas envolvidas no petrolão já bateu na casa dos 10 bilhões de reais.
A essa fieira de cifras superlativas, outra se junta agora. Ao longo dos três anos de duração da maior operação anticorrupção do Brasil, o cortejo de ricos que desfilou pelas barras dos tribunais não deixou lá apenas a inocência. Uma parte de sua fortuna ficou por ali também — mais especificamente no bolso dos advogados contratados para defendê-los. Antes da Lava-Jato, eram cerca de quarenta as grandes bancas de criminalistas do país, concentradas sobretudo em São Paulo e no Rio. Hoje, esse número dobrou. O novo mercado abrange Brasília e Curitiba e emprega uma rede de mais de 1 200 profissionais, que inclui desde o recém-formado encarregado de ir à penitenciária só para levar roupa lavada ao encarcerado vip até os defensores que não protocolam uma petição em tribunais superiores por menos de 1 milhão de reais. Poderosos entre os poderosos, esses supercriminalistas têm em torno de 40 anos, vêm de faculdades fora do eixo tradicional e já cobram entre 5 milhões e 8 milhões de reais por causa — pouco abaixo dos 10 milhões dos advogados da velha-guarda.
Nova guarda, novo estilo – Figueiredo e Velloso: enquanto a velha-guarda espera que a clientela bata à porta de seu gabinete, eles correm atrás de potenciais clientes em qualquer lugar — até na Papuda (Cristiano Mariz/VEJA)
Para Figueiredo, o destino começou a mudar em 2009, quando ele ganhou sua primeira grande causa. Conseguiu inocentar um canadense de 70 anos em viagem à Amazônia de uma acusação de tráfico de cocaína. Com os 200 000 dólares que recebeu à época mais o produto da venda de um apartamento que herdou de uma tia, comprou um conjunto de salas comerciais no centro de Brasília e pôs o seu nome na porta. Egresso do escritório do criminalista Eduardo de Vilhena Toledo, ele diz ter percebido cedo que só enriqueceria se criasse a própria grife. Nesse período, no entanto, as causas mais caras que caíam em seu colo não lhe rendiam mais que 30 000 reais. Sua trajetória e saldo bancário começaram a empinar quando Figueiredo se associou a um velho amigo de faculdade, Pedro Ivo Velloso, então um dos mais promissores profissionais da banca do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay — por sua vez, tido como o maior expoente da área criminal em Brasília, pois já defendeu dois ex-presidentes da República, um vice, quarenta governadores, vinte ministros de três governos e 56 parlamentares, sendo 21 senadores.
Mas, mesmo cobrando até 8 milhões de reais por causa hoje, a dupla Figueiredo e Velloso não descansa sobre os louros. Enquanto criminalistas tradicionais da Lava-Jato, como Nabor Bulhões, Theo Dias e Alberto Toron, preferem manter-se encastelados em seus gabinetes à espera dos clientes que vêm bater à sua porta, Figueiredo, sobretudo, não tem pruridos em prospectar clientes, estejam eles onde estiverem — o que inclui a Papuda e congêneres. A captura do caso de Eduardo Cunha, por exemplo, encarcerado há um ano, envolveu insistentes pedidos a amigos para que indicassem seus serviços ao ex-deputado. Outro hábito do advogado e seu sócio consiste em vasculhar sistematicamente os processos que dão entrada no STJ. O objetivo é encontrar lá potenciais clientes antes que eles encontrem a concorrência. Tamanha determinação fez a dupla amealhar não menos que 30 milhões de reais desde que começou a atender clientes da Lava-Jato. Como seus colegas de profissão e fortuna, eles não revelam o tamanho do patrimônio conquistado — apenas afirmam que todos os rendimentos percorreram caminhos legais até chegar ao seu bolso.
O advogado Augusto de Arruda Botelho também contou com uma mãozinha na decolagem. Ex-assistente de Márcio Thomaz Bastos, herdou parte do caso da Odebrecht na Lava-Jato com a morte do mentor. Embora ainda não integre a alta nobreza do direito penal, pertence a um grupo que já gozava de boa reputação antes da operação, mas ganhou fama e fortuna depois dela. Formado pela Unip, Botelho inaugurou a intersecção do mundo jurídico com o da moda ao se casar com a modelo Ana Claudia Michels. Em sua festa de 40 anos, colocou na mesma sala a modelo Mariana Weickert e o ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, além de um farto grupo de colegas da Lava-Jato, como Antonio Claudio Mariz de Oliveira, José Luis Oliveira Lima, Pierpaolo Bottini e Eduardo Carnelós. Com o excedente financeiro trazido pela Lava-Jato, Botelho, que nasceu em uma família abastada de São Paulo, passou a investir em projetos paralelos, incluindo a sociedade em duas casas noturnas paulistanas e a produção de documentários, filmes e, mais recentemente, uma série para a TV sobre os bastidores do direito criminal.
Em Curitiba, onde mantém sua base de atuação, Figueiredo Basto rivaliza com outra estrela no campo da delação, Adriano Bretas. Os dois começaram compartilhando processos na Lava-Jato, mas se desentenderam por causa do ex-ministro Antonio Palocci. Interessado em propor um acordo com a Justiça, o político bateu à porta de Figueiredo Basto. O advogado, no entanto, já defendia o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e considerou que aceitar o caso de Palocci causaria um conflito ético, uma vez que os dois se acusam mutuamente. A partir daí, conta Figueiredo Basto, sem que ele soubesse, Bretas passou a costurar um acordo com o ex-ministro. Por causa disso, os dois estão hoje rompidos, embora Figueiredo Basto reserve elogios ao ex-amigo. “É um bom advogado.”
Bretas é uma das mais jovens estrelas da geração Lava-Jato. Aos 35 anos, trocou a sala de 40 metros quadrados no centro de Curitiba por um andar inteiro no mesmo prédio. “Desfruto de um padrão de vida que jamais sonhei ter”, admite. O novo padrão inclui ótimos vinhos e charutos cubanos Cohiba Behike (350 reais a unidade). Formado na Faculdade de Direito de Curitiba e filho único de um criminalista, ele hoje acompanha cerca de cinquenta processos da Lava-Jato relacionados a quinze clientes. Estima-se que já tenha embolsado em razão da operação algo na linha de 20 milhões de reais.
A linha tácita que separa a aristocracia dos emergentes não se limita ao patamar de honorários e à idade. A turma mais antiga goza de maior trânsito em tribunais superiores e, no caso de alguns, até de certa intimidade com a alta cúpula do Judiciário e do Ministério Público. É o tipo de compadrio que fez Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, encontrar-se com um dos advogados de Joesley Batista, Pierpaolo Bottini, em um boteco no Lago Sul um dia antes da prisão do empresário.
A alta nobreza advocatícia troca mensagens de WhatsApp com ministros do Supremo e, quando marca audiência com um deles, pode passar até duas horas no gabinete jogando conversa fora. No caso dos mais jovens, as reuniões tendem a ser protocolares, com duração de uns poucos minutos. Advogados como Kakay, Nabor Bulhões e Sepúlveda Pertence são convidados a dar palestras em simpósios jurídicos juntamente com ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça, uma situação ainda longe das possibilidades da categoria que ascendeu agora com a Lava-Jato.
Nada que desestimule os emergentes. “Ainda estou só no começo”, diz Bretas. O criminalista sabe que, para as maiores estrelas do firmamento político e empresarial do país encrencadas com a lei, a diferença entre continuar rico e livre ou passar os próximos anos vendo o sol nascer quadrado reside na habilidade e no conhecimento de advogados como ele. Já para os supercriminalistas da Lava-Jato, o horizonte nunca foi tão largo — com o destino dos poderosos nas mãos, para eles, o céu é o limite.