A sete meses da eleição presidencial, dois candidatos já polarizam a disputa no Chile: o ex-presidente Sebastián Piñera, 67, na direita, e, na centro-esquerda, o jornalista Alejandro Guillier, 64 —um novato na política.
A mais recente pesquisa (Cadem) mostra Piñera com 24% das preferências contra 17% de Guillier, da coalizão governista Nueva Mayoria.
Guillier tem sido identificado pela mídia local como o representante chileno da tendência de não políticos que emerge no mundo.
Ele concorda em parte com a classificação. Afirma que participou da vida política do país por mais de 20 anos, só que como jornalista de TV (e, nos dois últimos, como senador por Antofagasta), mas diz não estar contaminado pela forma de governar vigente.
Rodrigo Garrido - 24.nov.16/Reuters | ||
O senador Alejandro Guillier durante sessão do Congresso chileno em Valparaíso, em novembro de 2016 |
Os partidos tradicionais, afirmou Guillier em entrevista à Folha por telefone, "viraram máquinas gigantescas, hierarquizadas e lentas, enquanto a sociedade exige dinamismo, participação direta e transparência".
Tanto Piñera como Guillier terão ainda de passar pelas primárias de suas alianças em julho. A eleição definirá o sucessor de Michelle Bachelet, que termina seu segundo mandato (não consecutivo) com aprovação popular ao redor de 20%.
Folha - Por que decidiu trocar o jornalismo pela política?
Alejandro Guillier - Quando uma pessoa passa tanto tempo como observadora crítica da realidade, chega a hora de se perguntar quando cruzar para o outro lado. No Chile, gerou-se nos últimos seis anos uma mobilização social muito ativa, que não teve suficiente resposta e abriu uma brecha que me interessei em ocupar.
Se o século 20 foi de muito Estado, hierarquias e indústrias tradicionais, o século 21 será mais horizontal, com mais participação cidadã e renovação no trabalho.
Os partidos terão de se reestruturar, e vejo essa oportunidade como um momento apaixonante que desejo viver como ator, não espectador.
Muitos o identificam com a tendência internacional de políticos que se apresentam como desvinculados da política tradicional ou se dizem "apolíticos". O sr. concorda?
Não, tenho a convicção de que a política é necessária, e também as estruturas partidárias. É preciso formar equipes, dar coerência, fazer alianças, e os movimentos sociais não têm a capacidade de articulação que os partidos possuem.
Os movimentos sociais muitas vezes são de curta duração, pois surgem em reação a uma conjuntura. Alguns ganham consistência com o tempo, mas até lá não são alternativas de governo. São importantes para influenciar a agenda. Acredito numa forma de governo baseada em partidos políticos horizontais, transparentes, participativos, com identidades mais claras e abertos ao diálogo com esses movimentos.
É certo que hoje os cidadãos não sentem que os partidos tradicionais os representem. Isso se dá por causa do enfraquecimento dos Estados nacionais diante dos impactos da globalização, mas também pela tendência desses partidos de vincular dinheiro e política e de fecharem-se em esferas de elite, sem alcançar os cidadãos.
Creio que os partidos devem voltar às suas bases e não deixar que setores importantes da sociedade fiquem de fora, como aconteceu nos EUA ou na Europa, onde antigos militantes de esquerda terminaram votando pela direita porque sentiram que os partidos que os representaram no passado os abandonaram e fizeram pactos com o poder.
Como um país que investe no livre comércio como o Chile pode encontrar espaço com o protecionismo crescente?
O que está ocorrendo nos EUA e na Europa pode ser visto como um risco. Nós, latino-americanos, temos que defender o livre-comércio porque somos economias exportadoras e, portanto, o livre fluxo de bens e serviços é essencial. A América Latina precisa se coordenar para ter posições comuns no livre-comércio.
Por outro lado, temos de assumir que os indicadores econômicos dizem que grandes blocos, como o Mercosul e a Aliança do Pacífico, terão dificuldades nos próximos anos. Os otimistas calculam que esse período será de uns cinco anos, já os pessimistas calculam dez. Não é um cenário deslumbrante. Mas a globalização oferece novas possibilidades de colaboração.
Em que sentido?
Poderíamos integrar nossas economias em áreas específicas. Por exemplo, o Chile e a Argentina em matéria energética. Também deveríamos tornar mais ágil a integração de portos no Atlântico e no Pacífico, criar um sistema de transportes comum para bens e serviços, fixar normas de qualidade similares. Desse modo, podemos ser mais eficientes ao oferecer nossos produtos à Ásia, que terá mais crescimento do que EUA e Europa.
Como o sr. se posiciona diante da crise na Venezuela?
A escalada da violência preocupa a todos. Passamos de uma percepção de ameaça à estabilidade democrática à constatação de que essa ameaça é real. Não podemos fazer intervencionismo, mas o presidente [Nicolás] Maduro precisa ser levado a entender que o caminho que escolheu fará com que a situação piore.
O sr. tem críticas à atual política exterior chilena?
Sim, temos que voltar a atuar com mais decisão com relação à vizinhança. Viemos desenvolvendo uma política exterior baseada em acordos comerciais. Hoje um país não pode mais fazer política sozinho. Política internacional não é só comércio. É também colaboração política e cultural.
Nesse sentido nós devemos participar mais dos distintos fóruns e ter uma posição firme e comum diante das tentações autoritárias.
Como vê a crise brasileira?
O que ocorre no Brasil repercute em todos os países [da região]. Precisamos ter clareza sobre a natureza da crise brasileira. É uma crise de confiança. A classe política aparece não apenas vinculada a atos de corrupção, mas também vemos que as estruturas de partido se mostram muito conservadoras para enfrentar as mudanças que estão se produzindo com a globalização.
Com essa sociedade atual, mais conectada, em que a participação política é mais diversa, ativa e com capacidade de mobilização, os partidos políticos precisam ter mais abertura e transparência.
Se nossas sociedades são mais interativas, participativas e colaborativas, isso exige que as estruturas políticas mudem. E os atuais partidos têm culturas demasiado hierárquicas, afeitas à corrupção, lentas e burocráticas.
Do modo como estão conformados, tendem a construir uma superestrutura que se relaciona muito pouco com a cidadania.
Como o sr. integraria os movimentos de rua no Chile a seu modo de fazer política?
Quando se produzem esses momentos de explosão, há também uma tendência à fragmentação. Dos protestos no Chile surgiram muitos grupos, mas com dificuldade de articularem-se e de terem coerência. Produziram-se nomes, lideranças, mas em grupos pequenos e com pouca experiência na cultura da negociação. Vamos fazer um esforço para integrá-los ao nosso espaço.
O sr. propõe mudanças estruturais na política, mas irá representar a coalizão governante. Não é contraditório?
Não, no Chile essa atual coalizão governante, que é o eixo social-democrata e social-cristão, deu uma estabilidade que o país nunca teve em sua história. Durante sua gestão, tivemos uma agenda em que foram promovidos avanços na sociedade. Porém, estão surgindo novas demandas, porque a história não se detém.
É preciso incluir na agenda, por exemplo, os temas de mudança climática, de mais segurança social, dos desafios da nova economia e as mudanças que esta exige na educação. Creio que é um movimento complementar ao que se tem feito no atual governo.
Os chilenos querem mudança, mas com gradualismo. Queremos aprofundar as transformações, desenvolver novas alternativas econômicas, pois o mundo do trabalho está mudando. A população que já não quer mais ser empregada. Portanto é preciso desenhar novas cidades e novos sistemas de saúde e educação.