Neste Carnaval, como em todos desde 1964, a marchinha mais cantada será "Cabeleira do Zezé", de João Roberto Kelly e Roberto Faissal. E, como também ficou comum de alguns Carnavais para cá, sempre haverá um mal humorado denunciando a "homofobia" do bordão "Bicha!" em seguida ao verso "Será que ele é, será que ele é?".
O Zezé da marchinha de Kelly existia e se chamava, não por coincidência, Zezé.
Era um garçom de um restaurante do Leme a que Kelly ia quase todo dia. Zezé foi dos primeiros cariocas a adotar a cabeleira dos Beatles, o que o tornava disputado pelas mulheres –e ele não recusava serviço. Era tão militantemente implacável que a graça, na marchinha, estava em insinuar exatamente o contrário do que ele era.
Marchinha que o próprio Zezé adorou e caiu para sempre no gosto popular. Zezé não se incomodou nem quando Silvio Santos, ao apresentá-la em seu programa, induziu o auditório a gritar "Bicha!". Sim, o bordão não fazia parte do original.
Mas cabia tão bem que se cristalizou. Não se sabe de, um dia, um gay ter mandado parar um baile.
"Cabeleira do Zezé" é tão livre e brincalhona como, em seu tempo, foram "O Teu Cabelo Não Nega" (1933), de Lamartine Babo e irmãos Valença, "Alá-La-ô" (1941), de Haroldo Lobo e do libanês Nássara, "Ai, Que Saudades da Amélia" (1942), de Ataulpho Alves e Mario Lago, "Nega do Cabelo Duro" (1952), de Rubens Soares e David Nasser, e tantas outras obras-primas da alegria brasileira. No Carnaval, não cabe censura. Se os politicamente corretos não gostarem, comam menos.
A eles, dedico "Ruas do Japão (1944), de Haroldo Lobo e Cristovão de Alencar, em que Linda Baptista cantava: "Quando lá é meia-noite/ Aqui é meio-dia/ O quimono lá é moda/ Aqui é fantasia/ É por isso todos dizem/ Na terra do Micado/ Tudo, tudo, tudo/ Tudo é atravessado".