"Polêmica com Fernanda Torres teve um inesperado final feliz", dizia o título de coluna do site de entretenimento "F5", da Folha, publicada na quinta (25). A pergunta irresistível: feliz para quem, cara-pálida?
Certamente não para a atriz, que foi vítima de um desses linchamentos morais sucessivos da internet ao escrever sobre mulheres, machismo & feminismo no blog "Agora É Que São Elas", no site deste jornal.
Suspeito que também não tenha sido feliz para o feminismo, porque a hostilidade e a indigência demonstradas por parte da militância não lustram nem ajudam a causa da busca da igualdade das mulheres.
Dois dias depois da publicação, acossada pela virulência dos ataques virtuais, Fernanda escreveu no mesmo blog um texto que, fervido e coado, é um pedido de desculpas por pensar fora dos cânones do discurso aparelhado de setores do movimento feminista –enfatizo aqui o "setores" para deixar claro que, como todo movimento, este também é composto de uma diversidade de correntes e convicções.
Foi esse desfecho lamentável que o colunista do "F5" considerou final feliz. Não estava sozinho nessa interpretação: dezenas de pessoas elogiaram a atriz por "se retratar".
Li as reações e o "mea-culpa" de Fernanda Torres com enorme desalento, porque eles são uma flagrante negação do direito de opinião. Leiam ou releiam o primeiro texto dela: não há ofensas ali; há impressões, memórias e opiniões expostas com aquela lucidez e honestidade intelectual que caracterizam seus escritos, sempre pessoais, sempre sem a arrogância da certeza absoluta. Desculpar-se por ele é desculpar-se por ser quem é: mulher, branca, de classe média, educada em família estruturada e com liberdade.
Ela não estava ali para carregar o estandarte alheio, mas para falar da condição feminina a partir de sua vivência, e foi o que fez. Nem toda visão de feminino & masculino se enquadra na dicotomia maniqueísta defendida por parte da militância feminista. As patrulhas podem tentar enquadrar o discurso, mas não têm o poder de transmutar realidades –embora às vezes consigam silenciá-las (e talvez isso lhes baste).
"Perdão por ter abordado o assunto a partir da minha experiência pessoal, que, decerto, é de exceção", escreveu no "mea-culpa". Eis o encontro do século: ao chauvinismo de sempre se somou ao "chauívinismo", a filosofia derivada do "eu odeio a classe média", professada pela professora Marilena Chauí. Lastreado no preconceito de classe, o chauívinismo tenta negar legitimidade e desqualificar as opiniões da parcela mais remediada da população.
A ironia é que esse discurso segregador é fomentado por setores da própria classe média e amplificado por parte da imprensa. (A Folha alimenta com frequência esse viés. Qualquer um sabe, por exemplo, que há frases infelizes e celerados de igual quilate nos protestos dos ditos movimentos sociais, mas não é isso o que se destaca.)
O aspecto mais nocivo de episódios como esse é o de esvaziar o debate, tentando coagir as pessoas a domesticar opiniões, reconfigurá-las no modo "correto" ou guardá-las para si, abandonando a arena. Minha impressão é a de que Fernanda optou pela última: com as desculpas públicas, fez sua genuflexão e saiu da missa, deixando a liturgia para as igrejinhas que se arvoram em pregar em nome dos outros. Azar de quem preza um bom debate.
Não é por acaso que um contingente crescente de pessoas desistiu das seções de comentários nos sites, criadas para a troca de opiniões e saudadas nos seus primórdios como o altar supremo da participação democrática. Nem é por acaso que publicações vêm fechando esses canais ou que usuários estejam abandonado a vida social on-line.