segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"Lula em 2018", por Celso Rocha de Barros

Folha de São Paulo


Muitas carreiras sólidas de perdedor foram construídas subestimando Lula. Não é nessas bases que pretendo construir a minha. Mas parece claro que sua candidatura em 2018 parece bem menos viável hoje do que já pareceu.

Nesse ponto, o leitor deve achar que a coluna é sobre as denúncias envolvendo o apartamento no Guarujá. Não é, a coluna começou a ser escrita um mês atrás. 

Mesmo que a investigação revele que a história do apartamento é bem menos interessante do que parece, mantenho o diagnóstico.

Meu argumento principal é que Lula tem dois problemas sérios: a deterioração das perspectivas econômicas e a confusão dentro da esquerda.

O principal problema de Lula é que os colunistas conservadores sempre estiveram errados sobre ele. Sempre viram em Lula um fenômeno característico do atraso brasileiro, um demagogo e um populista, que repetidas vezes convenceu os pobres brasileiros a votarem contra seus interesses com esmolas e ilusionismo.

Se os conservadores estiverem certos, Lula continua um candidato muito forte. 

Continua carismático, os pobres continuam pobres (menos pobres, é verdade), o Brasil continua atrasado (menos atrasado, é verdade).

Não é essa a minha visão. No governo Lula, a renda dos mais pobres cresceu acima de 10% por vários anos. Não só isso: a renda cresceu mais rápido para os pobres do que para os ricos, e é uma velha ilusão da elite achar que isso não importa para os pobres. Mais da metade do carisma de Lula são esses números.

Se eu estiver certo, se o voto dos pobres em Lula tiver sido racional, sua nova candidatura terá problemas, porque não deve ser mais possível oferecer aos pobres brasileiros o mesmo ritmo de crescimento.

Lula teria, portanto, que reconstruir sua liderança na nova realidade econômica, em que liderar é pedir sacrifícios. E isso não será fácil, porque o clima na esquerda é de frenético barata-voa.

Por exemplo, em uma entrevista recente para blogueiros de esquerda, Lula defendeu a reforma da previdência. Transcrevo o vídeo do evento disponível na Internet (minuto 34): "a previdência de vez em quando tem que ser reformada. 

("¦) Quando a Lei Elói Chaves foi feita em 1923, se não me falha a memória, a gente morria com 60, 50 anos de idade. Hoje a gente tá morrendo com 75 ("¦). Na medida em que avança nossa longevidade, você não pode ficar com a mesma lei que você tinha feito há cinquenta anos atrás".

É música para meus ouvidos, mas não é fácil achar menções a isso nos resumos do debate feitos nos sites da esquerda. Não está nem no resumo do Instituto Lula. E a bancada petista no Congresso não pareceu sensibilizada.

A confusão ideológica e política da esquerda brasileira está tão profunda que nem Lula está conseguindo dar direção ao seu partido. Na verdade, enfraqueceu-se na esquerda a ideia de que há um projeto de longo prazo, dentro do qual concessões e compromissos fazem sentido.

A diferença de perspectivas econômicas e a crise de esquerda tornam a candidatura Lula bem menos forte do que já foi. Sua única chance seria contar com erros muito graves da oposição brasileira. Mas também é verdade que sólidas carreiras de vencedor foram construídas apostando nisso.