domingo, 28 de fevereiro de 2016

"A Odebrecht é boa alma?", por Clóvis Rossi

Folha de São Paulo


É curioso, mas não vi em lugar nenhum resposta para uma pergunta óbvia: por que a Odebrecht faria polpudos pagamentos no exterior para a firma do marqueteiro João Santana e de sua mulher Mônica Moura, conforme ela própria confessou?

Uma resposta poética seria mais ou menos assim: uma empresa de bom coração resolveu, do nada, garantir a um simpático baiano, como quase todos os baianos, uma aposentadoria luminosa.

Pena que bom coração não consta do DNA do capitalismo. Consta, sim, o lucro. 

Logo, a sabedoria convencional manda dizer que os pagamentos a Santana se deveram ao fato de que ele ajuda a eleger governantes que, uma vez no poder, concedem obras públicas à empreiteiras como a Odebrecht.

A história universal é prenhe de exemplos de corrupções várias envolvendo a concessão de obras e serviços públicos.

No Brasil, então, as suspeitas eram permanentes até que Janio de Freitas demonstrou que havia mais, muito mais, do que suspeitas. Relembrando: o colunista publicou, disfarçado nos classificados do jornal, o que seria o resultado da concorrência para a Ferrovia Norte-Sul, no já remoto governo José Sarney.

A concorrência foi anulada, mas o flagrante não impediu novos trambiques, como os que agora estão escancarados no caso Petrobras.

Revisemos o retrato dos países em que Santana fez campanha: todos os três (Angola, Venezuela e República Dominicana) conseguem a proeza de ficar atrás até do Brasil no ranking da Transparência Internacional, que mede a percepção de corrupção. Angola é o caso mais escandaloso: 163º lugar de 167 países. A Venezuela não está longe: 158º. Mesmo a República Dominicana está além do centésimo posto (103º).

É natural, nessas circunstâncias, que a sabedoria convencional esteja certa ao supor que a Odebrecht pagou a Santana por ajudar a eleger governantes, digamos assim, sensíveis a interesses da empresa.

É bom lembrar que José Eduardo dos Santos governa Angola desde 1979; o "chavismo" está no poder na Venezuela há 16 anos; e Danilo Medina está disputando a reeleição na República Dominicana.

Ter um amigo muito bem pago com prestígio junto a governantes desse naipe é um belo investimento, certo?

Pois é. Acontece que o Brasil não é exatamente um país bem situado no ranking da Transparência (76º lugar). Acontece também que o Brasil é governado pelo mesmo partido, o PT, desde 2003. Ter um amigo influente também nesse país não é um bom investimento?

Logo, não há como deixar de suspeitar que a Odebrecht tenha feito pagamentos por baixo do pano também pelas campanhas de João Santana no Brasil.

O advogado do marqueteiro já admitiu, diante das câmeras de TV, que Santana/Mônica cometeram "crime tributário", vulgo caixa 2.

Lula também admitiu o caixa 2 ao falar na TV sobre o mensalão à época. E, sempre é bom lembrar, seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse a propósito que "caixa 2 é coisa de bandido".

É nesse sórdido ambiente que o Brasil está vivendo.