quarta-feira, 4 de março de 2015

Sem a MP, governo Dilma ´trambique` agora teme reação das agências de risco

Martha Beck e Clarice Spitz - O Globo

Rejeição de medida que anula desoneração da folha ocorre em pior momento possível para o governo

Os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Humberto Costa (PT-PE) ficam incrédulos com a devolução da MP - Givaldo Barbosa / Givaldo Barbosa


A decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de rejeitar a medida provisória que elevava as alíquotas da contribuição previdenciária sobre o faturamento das empresas - e que anula o programa de desoneração da folha de pagamento - foi considerada uma bomba pela equipe econômica. Técnicos do Ministério da Fazenda afirmaram que, apesar das dificuldades em negociar o programa de ajuste fiscal com o Congresso, a atitude de Renan não era esperada. Ela ocorreu no pior momento possível: 
às vésperas de encontros do governo com duas grandes agências de classificação de risco, a Standard & Poor's (S&P) e a Fitch.

O governo estava preparado para enumerar às agências todas as medidas que foram adotadas para garantir a realização da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de bens e serviços produzidos no país) de 2015, com destaque para a mudança da desoneração da folha. Agora, o clima mudou e é de apreensão. Cresceu o temor de rebaixamento da nota do país. O aumento das alíquotas da contribuição previdenciária daria uma ajuda de R$ 5,3 bilhões para se chegar à meta.

- Isso acontecer na véspera da chegada das agências foi péssimo - disse um técnico, lembrando que o governo tenta evitar que as agências coloquem em xeque o cumprimento da meta fiscal e acabem rebaixando o Brasil.

Segundo fontes do governo, o Ministério da Fazenda - que participou de reuniões com líderes do Congresso na semana passada - vai deixar que o núcleo político tente contornar o assunto. A forma como o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, referiu-se à desoneração da folha na semana passada, chamando o programa de grosseiro e brincadeira, foi considerada inábil. Por isso, a avaliação é que ele deve se retirar um pouco desse debate.

Alguns técnicos também já se preparam para a possibilidade de a área econômica precisar tomar medidas ainda mais duras para assegurar a meta ou, eventualmente, reduzi-la, em função de um quadro político irreversível.

A devolução da Medida Provisória 669, anunciada por Renan, torna mais difícil o cumprimento da meta fiscal de 1,2% prometida pelo governo e deve gerar novos aumentos de impostos, na opinião de especialistas. A MP faz uma revisão da política de desonerações sobre a folha de pagamento. De acordo com o Ministério da Fazenda, caso fosse implementada, a renúncia fiscal anual com a desoneração da folha baixaria de R$ 25 bilhões para R$ 12,2 bilhões, o que significaria uma economia de R$ 12,8 bilhões para o superávit primário, a partir de 2016.

Este ano, a ajuda para a meta fiscal será de R$ 5,3 bilhões, em razão da "noventena" requerida para que a medida entrasse em vigor.

A professora do Coppead/UFRJ e especialista em contas públicas Margarida Gutierrez, o governo terá que buscar alternativas para implementar o ajuste fiscal:

- A tendência é aumentar a carga tributária. O governo pode fazer voltar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e vai ter que cortar gastos com ministérios. O ajuste fiscal é uma condição necessária, embora não suficiente para a garantir o crescimento lá na frente e fica mais difícil agora - afirmou Gutierrez.

O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, considera que, apesar de ser uma notícia ruim, a devolução da MP não torna impossível o cumprimento do esforço fiscal. Leal tampouco considera que a rejeição da medida esteja sacramentada e diz acreditar em uma reviravolta.

- O ajuste não é fácil. Fazê-lo em um ano em que haverá recessão e arrecadação menor também é difícil. Qualquer coisa que diminua a expectativa de receita é ruim, mas não inviabiliza o ajuste fiscal, embora torne mais difícil se chegar a ele. Mas o Joaquim Levy já demonstrou de que vai ser implacável. Vai mexer em outras coisas, buscar alternativas - afirma Leal, que prevê nova rodada de aumento de tributos.

O presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), Daniel Slaviero, comemorou a retirada da medida provisória:

- O Senado Federal devolveu a segurança jurídica ao setor produtivo que continuará fazendo seus investimentos e garantindo emprego no país.