Votar está se tornando inútil como instrumento para determinar que políticas o grupo eleito deverá seguir. É triste, mas abundam exemplos.
O do Brasil é particularmente escandaloso: Dilma Rousseff nem esperou iniciar o segundo mandato para praticar cenas explícitas de estelionato eleitoral.
Pior ainda é o caso da Grécia, em que o desacato ao eleitor foi imposto de fora para dentro.
Recordemos: o Syriza (Coligação de Esquerda Radical) foi eleito com base em uma campanha clara contra o "austericídio" imposto ao país pela chamada "troika" (União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu).
O que o eleitorado grego aprovou os interventores externos desaprovaram: sob ameaça de sufocar de uma vez o país já esfrangalhado, exigiram que Alexis Tsipras, o novo primeiro-ministro, pedisse água, na forma de uma prorrogação do esquema de resgate, exatamente aquele que o eleitorado rejeitara.
Ante a fuga de depósitos que ameaçava afundar o sistema bancário grego e, consequentemente, gerar uma depressão apocalíptica, Tsipras cedeu.
Cedeu menos do que parece pela leitura dos jornais e pelas críticas da própria esquerda do Syriza ao acordo, mas cedeu.
O que é ainda mais cruel nessa história é que acabou passando a impressão de que a esquerda vitoriosa é a responsável pela crise grega, uma grossa inverdade.
Seus líderes, antes mesmo de constituírem uma aliança em 2004, sempre criticaram os governos dos partidos conservador e socialista.
Foram esses partidos, com sua irresponsabilidade, política de compadrio, corrupção e relaxamento na cobrança de impostos dos mais ricos, que levaram a Grécia à beira do abismo, o que se tornou evidente quando estourou a crise de 2008.
Foram esses mesmos partidos que, em seguida, empurraram o país para o abismo definitivo, ao aceitarem o "austericídio", que provocou uma contração de 25% da economia grega em cinco anos.
Na carta às "instituições" (nome agora dado à odiada "troika"), o Syriza tratou superficialmente das medidas prometidas na campanha para amenizar a catástrofe social.
E assim mesmo com a garantia de que "a luta contra a crise humanitária não terá efeitos negativos no plano fiscal". Ou seja, garante o sacrossanto superávit primário (receitas menos despesas, excluídos juros da dívida), faltando apenas pôr os números exatos que ele terá.
Mas, na carta, há um dado que até o conservador jornal alemão "Die Zeit" considera esperançoso: "O novo governo quer reconstruir o que foi minado na base: um Estado que funcione realmente".
Ou seja, um Estado que de fato cobre impostos, que modernize o fisco e que, conforme prometido, transforme "a luta contra a corrupção em prioridade nacional".
Reconstruir o Estado é a única maneira de a Grécia de fato se reerguer, o que deveria ser recebido com entusiasmo pela Europa, em vez das críticas que se seguiram.
Depois se queixam de que os eleitores estão dando as costas aos partidos tradicionais.