Thiago Herdy - O Globo
À frente de nove acordos, Beatriz Catta Preta prima por discrição absoluta e se equilibra sob o fogo cerrado dos colegas de profissão
Nem no almoço de domingo com a família, a advogada à frente de nove dos 12 acordos de delação premiada da Operação Lava-Jato, Beatriz Catta Preta, conta o que sabe sobre seus clientes.
— Ela não abre o bico! Só comenta o que já tiver saído em jornal. Desde pequena, nunca vi menina tão focada — elogia o engenheiro Carlos Olympio Lessa, de 76 anos, pai da advogada.
Beatriz tem 40 anos de idade e 17 de profissão. Tinha um ano de formada na Universidade Paulista (Unip), em 1999, quando foi sancionada a lei que estabeleceu regras para a concessão de perdão judicial e redução de penas a réus colaboradores. Atualmente dona do escritório em São Paulo com seu nome, se apresenta como especializada em direito penal empresarial. No mundo jurídico, é conhecida como o melhor nome para assessorar quem errou e deseja contar o que sabe à Justiça.
Beatriz ficou famosa pelo sobrenome Catta Preta, que herdou do marido, com quem tem filhos e vive em condomínio de luxo em Barueri, na Grande São Paulo. Seu escritório não tem o charme das chiques firmas de advocacia paulistanas, funciona em antigo prédio na Marginal Pinheiros, Zona Oeste da capital, e tem apenas uma filial em endereço inusitado: Miami.
Nunca figurou no anuário de “500 advogados e escritórios mais admirados do Brasil”, escolhidos em pesquisa com empresários. Para quem prima pela discrição, o esquecimento é prêmio. Catta Preta foge dos holofotes. No dia em que acompanhou seu cliente Paulo Roberto Costa em depoimento à CPI da Petrobras, fotógrafos não registraram um sorriso. Por trás dos cabelos lisos e do óculos de aro grosso, só encontraram expressão grave.
— Não tenho vaidade ou necessidade de aparecer. Neste trabalho, preciso preservar meus clientes —disse a advogada ao GLOBO, ao se recusar a tratar de sua vida pessoal.
Catta Preta reclamou quando O GLOBO procurou pessoas próximas a ela.
— Beatriz está em situação delicada, por causa dos clientes. Não me sinto à vontade para falar — diz a arquiteta Melissa Corbett, que cuida de reforma na casa da advogada.
A coordenação dos principais acordos da Lava-Jato a deixa sob fogo cerrado dos colegas de profissão. O Instituto de Defesa do Direito de Defesa, que reúne as maiores bancas de criminalistas do país, é contra a delação e critica, indiretamente, o trabalho de Catta Preta.
— Expiar sua culpa à custa da liberdade alheia não me parece ser um modo digno de se defender — provoca o presidente do instituto, o advogado Pedro Arruda Botelho, que advoga para a Odebrecht.
Em tom áspero, acusa “certos advogados de propagandearem que a delação é uma opção voluntária” quando, na verdade, se trata de “coação legitimada por juízes e promotores”:
— O réu é destroçado e a vê como única opção de defesa.
Também com clientes na Lava-Jato, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias chamou a delação, no passado, de “extorsão premiada”. Ele diz que advogado não pode ser “estimulador da delação”.
— Mas se o cliente quer falar, é um direito que ele tem. Não sou eu que vou para a cadeia, é ele — lembra Dias.
O juiz Sérgio Moro tratou da polêmica no livro “Crime de lavagem de dinheiro”, de 2010. “Em vez de discutir seriamente o instituto, esclarecendo seus limites e possibilidades práticas, não raramente afunda em preconceitos, não sendo incomum encontrar quem o repudie veementemente”, escreveu o magistrado, para quem a delação só serve se “o depoimento do delator encontrar apoio em provas independentes”.
— A colaboração encurta caminhos, agilizando a resposta estatal e reforçando a confiança na Justiça — defende o procurador Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa da Lava-Jato.
Nos bastidores, criminalistas não medem palavras para desancar Catta Preta e ameaçam levar representações à OAB. A atuação para clientes com interesses conflitantes em um mesmo processo é motivo de crítica. Delator do mensalão, pelas mãos de Catta Preta, o operador financeiro Lúcio Funaro diz que adversários só querem desmoralizá-la para anular os depoimentos.
— Ela é dona de empreiteira? É funcionária da Petrobras? Não. Então porque a atacam? O cara fala porque quer.
Catta Preta usa a página do seu escritório em redes sociais para responder a críticas, dando destaque a trecho de entrevistas dadas por ela mesma na imprensa.
“Réus colaboradores perseguem um fim comum, buscam o esclarecimento de fatos e visam um mesmo objetivo. Não há, portanto, que se falar em conflito ou falta de espontaneidade”, escreveu, no último mês.
Em 2014, por três vezes foram postadas no perfil do escritório imagens enigmáticas de envelopes com o logotipo da firma e as inscrições “doc.4” e “doc.5”. Amigos e familiares curtiram a postagem sem explicar do que se tratava. Uma amiga deu a entender que se referia a acordos fechados pela advogada, e comentou: “Sucesso, sempre”.