Sou um conservador adepto da tese da liberdade de expressão irrestrita
Se pudéssemos fazer uma longa pesquisa com universitários progressistas, dificilmente encontraríamos alguém que se levantasse ampla e abertamente contrário à liberdade de expressão; todavia, na mesma esteira, seriam poucos que discordariam de que o Estado deveria também colocar coleiras nessa liberdade. Não notam, sequer por um instante, o absurdo que é, na mesma frase, colocar o termo “liberdade de expressão” em sua inteireza, seguida de “restrições à liberdade de expressão”; soa quase como um papo de bêbado.
Sim, eu sou um conservador adepto da tese da liberdade de expressão irrestrita, pois como filósofo da linha antiga entendo bem — e soa-me até mesmo óbvio — como só se pode gozar de liberdade de expressão quando podemos, de fato, dizer tudo o que quisermos. Das coisas mais tosquinhas e banais, às mais repugnantes e abjetas.
As consequências do ato de dizer, obviamente, podem e devem ser medidas socialmente, e se danos morais e até mesmo psicológicos forem constatados pelo absurdo do que foi dito, mecanismos jurídicos de punição ao caluniador devem ser usados na medida do dano; o que não se pode — caso sejamos um verdadeiro defensor da liberdade de expressão — é limitar desde a manjedoura a fala de um interlocutor. Quem cala o orador não quer liberdade, quer conformismo e modulação de ideias.
A analogia entre potência e ato com relação à fala e à ação pode não ser inteiramente adequada, mas serve ao meu argumento por ora. Para os gregos, principalmente Aristóteles, potência e ato são profundamente interligados; e por isso podemos dizer que só age aquele que, enquanto potência, tem meios para tal. Um mineral não fala (ato), pois não tem meios biológicos (potência) para isso. Ou seja, o ato consumado necessita de uma potência vinculativa para existir; assim, é também a liberdade de expressão. Só podemos agir (ato), criar soluções, moldar políticas e ações econômicas, suavizar dilemas e postular melhorias, se pudermos antes pensar e falar (potência) livremente.
Quando calamos ou deixamos o Estado adestrar a liberdade de expressão, matamos também a liberdade plena de pensamento e ação, pois a expressão é, per se, o elo natural entre o pensar e o agir. E como, dentre os seres criados somente o homem racional é capaz de pensar, falar e agir conforme seus pensamentos, se restringirmos sua liberdade de expressão, amputamos também a sua própria definição de humanidade. Deu para entender o drama ontológico da censura?
Aliás, fica a dica do indispensável livro do filósofo brasileiro Dennys Xavier, livro que tive a honra de editar e prefaciar pelo Clube Ludovico, Da Palavra ao Medo; trata-se — sem falso floreamento — de um dos melhores livros que li sobre o tema da liberdade de expressão.
É fato que a censura é muito mais padrão do que exceção na história da humanidade, mas ninguém há de discordar que, entre os avanços civilizacionais mais importantes — quiçá, o mais importante deles — está a liberdade plena de expressão, fincada como direito fundacional e inalienável de todo e qualquer ser humano no pósiluminismo.
É aí, então, que vem a nossa geração progressista coxa e mentalmente tosca, repetindo argumentos de censuras tão velhos e antiprogresso, como se estivessem inventando algo novo e sofisticado. Sim, caros jovens, o padrão de controle de expressão chinês, por exemplo, é uma repetição nauseabunda do mesmo padrão de servilismo cultural do qual a humanidade vem emergindo desde a idade média tardia. A ideia de uma tutela estatal da liberdade de fala e crítica pública é tão antiga que chega feder mofo.
E aqui vem outra contradição típica de nossos dias, são os ditos “progressistas” contemporâneos que defendem o modelo de submissão social da liberdade dos indivíduos mais antigo da história humana, isto é, a censura prévia dos cidadãos.
O grande problema desta geração, por fim, é nutrir a tola ilusão de que, mesmo ela não sendo livre para dizer o que pensa, poderá, de algum modo, ser livre para fazer o que quer. Trata-se da ilusão da “submissão segura”, aquela que promete segurança física e monetária àqueles que dão abertamente suas liberdades e privacidades ao colosso do Estado.
Porém, quando se dá ao Estado o controle de nossas palavras e privacidades, dá-se junto o controle do que fazemos e pensamos. Por isso, a única forma segura de ser livre, é sendo-o de fato, poder plenamente dizer o que se quer dizer, de fato. Não se iludam com a reacionária retórica de que é vantajoso e seguro pedir ao poder político que se crie muros de segurança entre o que podemos pensar e falar, entre o que podemos dizer e fazer.
Este é um roteiro falido antiquíssimo; e se quiserem saber onde essa ideia “progressista” costuma levar os indivíduos, basta visitar a história da Roma antiga à China contemporânea.
Pedro Henrique Alves, Revista Oeste