domingo, 20 de julho de 2025

'A velha ilusão da submissão segura', por 'A velha ilusão da submissão segura', por Pedro Henrique Alves

 Sou um conservador adepto da tese da liberdade de expressão irrestrita


Foto: Montagem Revista Oeste/Midjourney 

Se pudéssemos fazer uma longa pesquisa com universitários progressistas, dificilmente encontraríamos alguém que se levantasse ampla e abertamente contrário à liberdade de expressão; todavia, na mesma esteira, seriam poucos que discordariam de que o Estado deveria também colocar coleiras nessa liberdade. Não notam, sequer por um instante, o absurdo que é, na mesma frase, colocar o termo “liberdade de expressão” em sua inteireza, seguida de “restrições à liberdade de expressão”; soa quase como um papo de bêbado. 

Sim, eu sou um conservador adepto da tese da liberdade de expressão irrestrita, pois como filósofo da linha antiga entendo bem — e soa-me até mesmo óbvio — como só se pode gozar de liberdade de expressão quando podemos, de fato, dizer tudo o que quisermos. Das coisas mais tosquinhas e banais, às mais repugnantes e abjetas. 

As consequências do ato de dizer, obviamente, podem e devem ser medidas socialmente, e se danos morais e até mesmo psicológicos forem constatados pelo absurdo do que foi dito, mecanismos jurídicos de punição ao caluniador devem ser usados na medida do dano; o que não se pode — caso sejamos um verdadeiro defensor da liberdade de expressão — é limitar desde a manjedoura a fala de um interlocutor. Quem cala o orador não quer liberdade, quer conformismo e modulação de ideias. 

A analogia entre potência e ato com relação à fala e à ação pode não ser inteiramente adequada, mas serve ao meu argumento por ora. Para os gregos, principalmente Aristóteles, potência e ato são profundamente interligados; e por isso podemos dizer que só age aquele que, enquanto potência, tem meios para tal. Um mineral não fala (ato), pois não tem meios biológicos (potência) para isso. Ou seja, o ato consumado necessita de uma potência vinculativa para existir; assim, é também a liberdade de expressão. Só podemos agir (ato), criar soluções, moldar políticas e ações econômicas, suavizar dilemas e postular melhorias, se pudermos antes pensar e falar (potência) livremente. 

Quando calamos ou deixamos o Estado adestrar a liberdade de expressão, matamos também a liberdade plena de pensamento e ação, pois a expressão é, per se, o elo natural entre o pensar e o agir. E como, dentre os seres criados somente o homem racional é capaz de pensar, falar e agir conforme seus pensamentos, se restringirmos sua liberdade de expressão, amputamos também a sua própria definição de humanidade. Deu para entender o drama ontológico da censura? 

Aliás, fica a dica do indispensável livro do filósofo brasileiro Dennys Xavier, livro que tive a honra de editar e prefaciar pelo Clube Ludovico, Da Palavra ao Medo; trata-se — sem falso floreamento — de um dos melhores livros que li sobre o tema da liberdade de expressão. 

É fato que a censura é muito mais padrão do que exceção na história da humanidade, mas ninguém há de discordar que, entre os avanços civilizacionais mais importantes — quiçá, o mais importante deles — está a liberdade plena de expressão, fincada como direito fundacional e inalienável de todo e qualquer ser humano no pósiluminismo. 


O ministro Alexandre de Moraes, durante julgamento da 1ª Turma – 25/03/2025 | Foto: Rosinei Coutinho/STF

É aí, então, que vem a nossa geração progressista coxa e mentalmente tosca, repetindo argumentos de censuras tão velhos e antiprogresso, como se estivessem inventando algo novo e sofisticado. Sim, caros jovens, o padrão de controle de expressão chinês, por exemplo, é uma repetição nauseabunda do mesmo padrão de servilismo cultural do qual a humanidade vem emergindo desde a idade média tardia. A ideia de uma tutela estatal da liberdade de fala e crítica pública é tão antiga que chega feder mofo. 

E aqui vem outra contradição típica de nossos dias, são os ditos “progressistas” contemporâneos que defendem o modelo de submissão social da liberdade dos indivíduos mais antigo da história humana, isto é, a censura prévia dos cidadãos. 

O grande problema desta geração, por fim, é nutrir a tola ilusão de que, mesmo ela não sendo livre para dizer o que pensa, poderá, de algum modo, ser livre para fazer o que quer. Trata-se da ilusão da “submissão segura”, aquela que promete segurança física e monetária àqueles que dão abertamente suas liberdades e privacidades ao colosso do Estado. 

Porém, quando se dá ao Estado o controle de nossas palavras e privacidades, dá-se junto o controle do que fazemos e pensamos. Por isso, a única forma segura de ser livre, é sendo-o de fato, poder plenamente dizer o que se quer dizer, de fato. Não se iludam com a reacionária retórica de que é vantajoso e seguro pedir ao poder político que se crie muros de segurança entre o que podemos pensar e falar, entre o que podemos dizer e fazer. 

Este é um roteiro falido antiquíssimo; e se quiserem saber onde essa ideia “progressista” costuma levar os indivíduos, basta visitar a história da Roma antiga à China contemporânea.


Pedro Henrique Alves, Revista Oeste