sexta-feira, 11 de julho de 2025

'Fracasso e infâmia do Brics', por Carlo Cauti

 O acrônimo das economias emergentes se tornou um clube de Estados canalhas. Que não melhora a vida de seus habitantes e é incapaz de decidir sobre qualquer coisa


uiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, na cúpula do Brics, no Rio de Janeiro (7/7/2025) | Foto: Ricardo Moraes/Reuters 


A s cúpulas internacionais organizadas pelo governo Lula têm uma regra de ferro: começam necessariamente com uma gafe de Janja. Ritual macunaímico que abre os trabalhos relembrando ao mundo o nível dos anfitriões: ínfimo. E antecipa o desfecho do evento: um fracasso retumbante. Sempre. A reunião do Brics que ocorreu no começo desta semana no Rio de Janeiro não foi exceção. 

Lula inaugurou o encontro discursando por menos de dez minutos perante os chefes de Estado e de governo. Depois de três minutos e doze segundos admirando o vácuo da sala com olhar entediado e mandíbula ruminante, a primeira-dama não se conteve: sacou o telefone e começou a tirar fotos do momento para postar em suas redes sociais. Comportamento digno de uma adolescente desesperada por likes, não de uma consorte presidencial. Nada de inesperado, vindo de Janja. 


Lula discursa na abertura da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro (7/72025) | Foto: Divulgação/Canal Gov

O problema é que a primeira-influencer estava acomodada logo atrás de Lula. E a TV Brasil, braço midiático do petismo, imortalizou sua mais nova pérola. 

Nada interessada na fala do cônjuge, mas muito preocupada em achar o melhor ângulo para o clique. 

Os brasileiros já normalizaram a ocupação de assentos por parte da onipresente primeira-dama. Que não tem cargo público, mas insiste em estar presente, e palpitar, em todos os eventos internacionais do marido. Caso único entre todos os líderes do Brics. 

Mas ninguém consegue tragar os outros participantes da cúpula, de algumas das mais sanguinárias ditaduras do mundo, que chegaram ao Brasil, permaneceram no Rio e foram paparicados pelo anfitrião. Sem decidir absolutamente nada de relevante, mas torrando milhões dos pagadores de impostos brasileiros. 

Clube dos ditadores 

O Brasil organizou uma reunião com déspotas tão cruéis, que alguns nem mesmo conseguiram pisar em solo brasileiro por medo de serem presos pela Justiça tupiniquim. Vladimir Putin, por exemplo, permaneceu em Moscou por causa do mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e deportação de crianças ucranianas. O russo não compareceu por medo de ser algemado. O Brasil é um país membro do TPI e deve aplicar suas decisões de forma automática. 


O presidente Lula ao lado de Vladimir Putin, em Moscou, na Rússia (9/5/2025) | Foto: Divulgação 

Entretanto, no primeiro dia da reunião, o governo Lula postou no perfil oficial das redes sociais, “@GovBr”, um vídeo que mostrava regiões do leste e do sul da Ucrânia ocupadas pela Rússia, mas não reconhecidas internacionalmente, com as cores da bandeira do país de Putin. Mais uma gafe para juntar à coleção. 

O chinês Xi Jinping nunca faltou a uma cúpula do Brics desde que assumiu o poder, em 2013. Desta vez não veio, desclassificando automaticamente o evento organizado por Lula, já que a China representa dois terços da economia do bloco. 

Quem não faltou foi o ditador cubano Miguel Díaz-Canel, cujo país nem é membro pleno do Brics. O sucessor dos irmãos Castro praticamente não abriu a boca durante toda a duração da cúpula, mas aproveitou a viagem para se hospedar em um hotel de luxo em Copacabana, onde recebeu delegações bajuladoras de políticos e militantes de esquerda. Rigorosamente sob gritos de “morte ao capitalismo”.

O ministro das relações exteriores do Irã, Abbas Araghchi, desembarcou no Rio com as ruínas das centrais nucleares clandestinas de seu país ainda fumegantes depois da exitosa operação aérea de Israel. 

Chegou com sede de vingança. Por isso, tentou de todas as formas impor que o comunicado final da reunião incluísse uma dura condenação da “entidade sionista”, como a propaganda de Teerã define o Estado judeu. 

Foi satisfeito em parte, com Israel sendo criticado sete vezes ao longo do texto, mas sempre citado com o nome oficial. Furibundo, o iraniano quase conseguiu boicotar a publicação da declaração final, que deve ser aprovada por todos os membros. Isolado, acabou cedendo, mas em seguida publicou nas redes sociais uma nota discordando das atitudes dos parceiros.


Abbas Araghchi, ministro das Relações Exteriores do Irã, desembarca para negociações com os EUA, em Muscat, Omã (25/4/2025) | Foto: Reuters/Ministério das Relações Exteriores do Irã/WANA (West Asia News Agency) 

Essa não foi a única divergência entre os membros. Aliás, não houve convergência sobre qualquer assunto realmente importante para a política ou a economia internacional. Já em abril, durante as reuniões entre os embaixadores, ficou claro que não se chegaria a concordância alguma, fato que obrigou o Itamaraty a buscar um denominador comum para justificar a realização do evento, na tentativa de ao menos salvar as aparências, ao apostar em questões sem a mínima importância, como vacinas, inteligência artificial e mudanças climáticas. 

A irrelevância foi tamanha, que até os jornalistas internacionais minguaram. Se na reunião do G20 de novembro passado o Museu da Arte Moderna (MAM) do Rio ficou lotado de repórteres disputando mesas, wi-fi, garrafinhas de água e press kits, desta vez havia amplos vazios na sala de imprensa. Mesmo assim, a cúpula do Brics custou centenas de milhões de reais, em um país com as contas públicas em frangalhos. Mobilizou quase 30 mil soldados, provocou a perda de dois dias de trabalho na capital fluminense — com a declaração de feriado e ponto facultativo — e ordenou o fechamento do Aeroporto Santos Dumont. 

Hipocrisia comercial 

Nem mesmo a economia justificou o transtorno. O próprio conceito do Brics surgiu, em 2001, da caneta de um analista do banco americano Goldman Sachs, que usou o acrônimo para descrever os países emergentes que iriam moldar o futuro da economia global. Em 2009, o grupo começou a se reunir regularmente. 

E, em 2014, decidiu criar um banco multilateral, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês). Tudo para inglês ver. O comércio bilateral entre os membros não foi favorecido por esses encontros. Nunca foi removida uma só barreira alfandegária. 

Aliás, os países do Brics estão entre as economias mais fechadas e protecionistas do mundo e continuam criando barreiras alfandegárias e não alfandegárias. É o caso do Brasil, que decretou um tarifaço contra as “blusinhas” chinesas há poucos meses e está subindo as alíquotas de importação de carros elétricos da China.

A hipocrisia do bloco é tão escancarada que na declaração final decidiram condenar o protecionismo, em referência à política comercial de Donald Trump, mas sem citar expressamente o presidente americano nem os Estados Unidos no texto. Demonstração de coragem. 

O inútil Banco do Brics 

Por sua vez, o NDB se transformou em uma piada bancária. Em 2023, Lula decidiu remover o então presidente da instituição, Marcos Troijo, e substituí-lo por Dilma Rousseff. Desde então, o NDB nem sequer publicou seus balanços. O banco é risível. Ao longo de uma década, limitou-se a emprestar US$ 39 bilhões (cerca de R$ 217 bilhões) aos países membros. O Sistema de Cooperativas Financeiras do Brasil (Sicoob) tem uma carteira maior do que essa. Sem contar que mais da metade dos recursos emprestados pelo NDB vai para a China e a Índia. Apenas US$ 5 bilhões vão para o Brasil. De janeiro a junho de 2025, entrou mais dinheiro na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, sem contar os investimentos estrangeiros diretos que chegam ao país.


Dilma Rousseff | Foto: Ricardo Stuckert/PR


Nem um centavo vindo do Banco do Brics foi de graça. O Brasil terá que devolver esse dinheiro com juros e em dólar, pois a moeda americana, e não as dos países membros, é usada nas operações da instituição, assim como em cerca de 70% do comércio entre os países do Brics. 

Os 30% restantes são apenas fruto das sanções ocidentais contra Rússia e Irã, que, desesperados, aceitam vender petróleo e gás a preço rebaixado para a China e são forçados a receber em yuan. Lula berrou ao longo de toda a cúpula sobre a necessidade de “substituir o dólar como moeda nas transações internacionais” ou sobre os empréstimos “sem condicionalidade” fornecidos pelo Banco do Brics. Os fatos escancaram o delírio de um presidente da República que, nitidamente, não sabe do que está falando. 

A estupidez antiamericana 

O problema das alucinações presidenciais é que elas têm consequências, que chegaram ainda com a cúpula em andamento. Na segunda-feira, Trump anunciou uma tarifa adicional de 10% contra qualquer país que se alinhasse com o Brics ou que tentasse boicotar o uso do dólar no comércio internacional. Lula retrucou, chamando publicamente o americano de “imperador” e mandando-o cuidar da sua vida.

Menos de 24 horas depois, o inquilino do Palácio do Planalto recebeu uma carta de seu homólogo da Casa Branca com o anúncio de um supertarifaço: 50% sobre as mercadorias exportadas pelo Brasil para os EUA. A maior alíquota do mundo, que se soma aos 25% dos impostos alfandegários sobre o aço já aplicados em abril. 

Diferentemente do que ocorreu com China, Vietnã, Japão e outros países, no caso do Brasil o tarifaço é político, e não mercantilista, já que a balança comercial bilateral está em equilíbrio, com os americanos superavitários nas transações de serviços. As referências à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao posicionamento diplomático do Brasil na carta de Trump não deixam espaço para interpretações. Justamente por isso, será muito mais difícil negociar. A China fez concessões econômicas e conseguiu suspender as tarifas por 90 dias. O Brasil não tem como fazer concessões políticas sem que isso pareça uma humilhação. 

Achar que o alinhamento com ditaduras que oprimem seus povos, atropelam os direitos humanos, suportam o terrorismo internacional, invadem outros países e atuam contra o livre mercado pudesse trazer algum tipo de vantagem para o Brasil levou a uma das maiores crises da história da diplomacia brasileira, da qual será extremamente difícil sair. 

Carlo Cauti - Revista Oeste