A morte de Clezão é mais que uma tragédia: é um alarme estridente, um lembrete de como regimes totalitários transformam prisões em instrumentos de repressão
E m novembro de 2023, Cleriston Pereira da Cunha, um brasileiro de 45 anos conhecido carinhosamente como “Clezão”, morreu de um infarto fulminante no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília. Sua história traça uma conexão assustadora com os capítulos mais sombrios da humanidade, um eco de tempos em que a justiça se curvava ao arbítrio.
Clezão estava preso desde janeiro daquele ano, detido sem julgamento ou condenação, vítima do poder desmedido do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de um sistema judicial que críticos apontam como corrompido e politicamente instrumentalizado. Seu único “crime”? Estar nos arredores do Congresso Nacional durante os protestos de 8 de janeiro de 2023 — um ato distorcido em acusações de associação criminosa armada e ameaça ao Estado de Direito. Os pedidos de liberdade de seu advogado foram ignorados, e a vida de Clezão, ceifada
A trajetória de Cleriston marca um momento macabro na história recente do Brasil, uma tragédia que não pode ser esquecida. Os detalhes expõem o perfil de um sistema que falhou em proteger um cidadão e o condenou à morte por negligência — digitais diabólicas gravadas em cada etapa.
No dia 8 de janeiro de 2023, enquanto alguns prédios da Praça dos Três Poderes eram invadidos em Brasília, Clezão trabalhava em sua revendedora de bebidas até cerca de 16 horas, como registraram câmeras de segurança. Movido pela curiosidade diante das notícias do caos, decidiu ir ao Congresso Nacional para ver os acontecimentos de perto. Chegou por volta das 17 horas, quando os confrontos entre manifestantes e polícia já haviam cessado. Como tantos outros curiosos, entrou no prédio do Congresso para registrar imagens. Ao chegar ao plenário do Senado, foi detido imediatamente pelos policiais presentes.
Cleriston não participou de vandalismo, depredação ou agressão. Não resistiu à detenção, acreditando que seria liberado ao explicar que acabara de chegar. Os depoimentos dos próprios policiais em seu processo confirmam: ele permaneceu calmo e não representou ameaça. Ainda assim, não foi solto naquela noite, nem no próximo dia, nem na semana seguinte. Na Penitenciária do Distrito Federal, a vida de sua família mudou para sempre.
Com a saúde fragilizada desde que contraiu covid-19 durante a pandemia — foram 33 dias internado e sequelas cardíacas graves —, Cleriston dependia de medicamentos diários e acompanhamento médico constante. Sua próxima consulta estava marcada para 30 de janeiro de 2023. Um atestado médico alertava: “em função da gravidade do quadro clínico, risco de morte pela imunossupressão e infecções, solicitamos agilidade na resolução do processo legal do paciente”.
A luta da defesa para garantir sua liberdade, baseada exclusivamente na condição de saúde, arrastou-se por meses.
Foram sete pedidos de soltura:
• 16 de janeiro de 2023
• 27 de fevereiro de 2023
• 31 de maio de 2023
• 3 de agosto de 2023
• 26 de setembro de 2023
• 7 de novembro de 2023
Todos reiteravam o que os médicos diziam: “A segregação prisional pode ser uma sentença de morte”. Clezão precisava de medicação a cada 12 horas. Os habeas corpus, acompanhados de vasta documentação médica, destacavam o “risco iminente de mal súbito e óbito” sem os remédios, que ele não recebia regularmente na prisão. Todos foram negados.
Em 1º de setembro de 2023, a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu parecer favorável à sua soltura, reconhecendo a gravidade do caso. Mas Alexandre de Moraes ignorou a recomendação por 80 dias. Em 20 de novembro de 2023, Cleriston sofreu o infarto previsto pelos médicos e morreu na Papuda — um desfecho evitável.
Um corpo sem vida nos braços do Estado depois de uma prisão arbitrária, sem investigação, sem julgamento, sem condenação. Uma negativa insistente de liberdade diante de uma condição médica grave. Uma omissão deliberada frente ao parecer da PGR. Cleriston Pereira da Cunha foi vítima de perseguição política, negligência criminosa e abuso de autoridade. Alexandre de Moraes decidiu não decidir até que fosse tarde demais.
A morte de Clezão é mais que uma tragédia: é um alarme estridente, um lembrete de como regimes totalitários transformam prisões em instrumentos de repressão, esmagando dissidências e silenciando os impotentes diante dos tentáculos inescrupulosos do Estado.
Dois anos de perseguição e dor
Há dois anos, milhares de brasileiros foram às ruas em uma manifestação pacífica, movidos pelo amor à pátria e pelo desejo de justiça. Entre eles estava meu pai, um homem patriota, íntegro, que dedicou sua vida a valores como liberdade e fé. O que deveria ser um momento de cidadania transformou-se em um pesadelo. Meu pai foi preso, acusado injustamente, sem direito à defesa e sem qualquer prova que justificasse o que ele sofreu. Ele entrou em uma cela como um homem honrado e saiu de lá sem vida. Uma morte que jamais deveria ter acontecido, resultado de perseguição política e de um sistema que escolheu silenciar em vez de ouvir.
E ELE NÃO FOI O ÚNICO. Dois anos depois, ainda existem brasileiros presos injustamente afastados de suas famílias e sem um julgamento justo Outros foram injustamente, afastados de suas famílias e sem um julgamento justo. Outros foram obrigados a deixar o país, vivendo no exílio, separados de sua pátria e de seus direitos. São pais, mães, irmãos e filhos que sofrem as consequências por terem exercido o direito de se manifestar. Essas fotos não são apenas sobre aqueles que estão presos hoje; ela representa histórias como a do meu pai, que foram apagadas por uma injustiça gritante. Quantos mais precisam sofrer para que a verdade seja vista? Eu carrego comigo o legado dele e a dor de saber que sua vida foi tirada de forma tão cruel. Mas também trago a força que ele sempre teve, a certeza de que lutar pelo Brasil vale a pena e de que a justiça divina nunca falha. Que a memória do meu pai, dos presos políticos e dos exilados nunca seja esquecida. Seguimos firmes, por eles e pelo Brasil. View all 191 comments Add a comment... Regimes totalitários: um roteiro de terror
Regimes totalitários: um roteiro de terror Da vasta rede de Gulags de Stalin aos campos de concentração de Hitler, do sistema de trabalho forçado de Mao às colônias Kwalliso da dinastia Kim na Coreia do Norte, o roteiro permanece assustadoramente consistente. Esses sistemas não apenas puniam; eles apagavam — tirando dos indivíduos direitos, dignidade e, frequentemente, a própria vida, tudo sob o pretexto de proteger o Estado. A história de Cleriston ecoa esses capítulos sombrios, uma nota de rodapé brasileira moderna em uma história global de repressão. O que une esses casos é a capacidade do regime de contornar a Justiça, de prender sem motivo ou devido processo, deixando famílias destruídas e sociedades marcadas.
A União Soviética de Stalin: uma rede de medo
Na União Soviética de Stalin, o sistema prisional não era apenas punição — era um império vasto de apagamento. Os Gulags, uma rede de campos de trabalho forçado, engoliram cerca de 18 milhões de pessoas entre 1929 e 1953. Dissidentes políticos, intelectuais, camponeses que resistiam à coletivização ou simplesmente aqueles azarados o suficiente para ser denunciados por um vizinho ou por estar no lugar errado na hora errada — todos podiam desaparecer sem julgamento, rotulados como “inimigos do povo” ou do “Estado”.
O NKVD, a polícia secreta de Stalin, operava com impunidade, forjando confissões por meio de tortura e intimidação, prendendo famílias inteiras para quebrar a resistência. Como Clezão, muitos não tiveram chance de defesa ou uma audiência justa — apenas o capricho de um sistema que via ameaça em cada indivíduo. Os Gulags não eram apenas prisões; eram um aviso: dissidência, real ou imaginada, significava o esquecimento e até a morte.
Alemanha Nazista: campos de concentração como máquinas de morte
Sob o Terceiro Reich de Hitler, a prisão transformou-se em aniquilação
industrializada. Os campos de concentração — Dachau, Auschwitz,
Buchenwald e dezenas de outros — começaram como centros de
detenção para oponentes políticos após 1933, mas logo se expandiram
para atingir judeus, ciganos, homossexuais e qualquer um
considerado “indesejável”. Os nazistas despojaram os prisioneiros de
14/03/2025, 11:24 Um momento macabro na história recente do Brasil - Revista Oeste
https://revistaoeste.com/revista/edicao-260/a-voz-de-clezao-nas-ruas/ 10/15
todos os direitos, reduzindo-os a números tatuados na pele,
escravizados até a morte em campos de trabalho ou assassinados em
locais de extermínio. A SS de Heinrich Himmler comandava essa
maquinaria de terror, contornando tribunais com ordens de “custódia
protetora” — detenções arbitrárias que ecoam o poder descontrolado,
como a que prendeu Cleriston no Brasil. Homens que cometiam
atrocidades porque estavam “apenas cumprindo ordens”. O instinto
totalitário silenciava pela força ou pelo confinamento.
A China de Mao: o Laogai e o esmagamento do indivíduo
A China de Mao Tsé-Tung transformou a prisão em uma ferramenta de purificação ideológica. Os campos Laogai — “reforma pelo trabalho” — surgiram na década de 1950 e prenderam milhões durante 14/03/2025, 11:24 Um momento macabro na história recente do Brasil - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-260/a-voz-de-clezao-nas-ruas/ 11/15 campanhas como o Movimento Antidireitista e a Revolução Cultural. Estima-se que entre 40 milhões e 50 milhões de pessoas passaram por esses campos de 1949 até a morte de Mao, em 1976, com taxas de mortalidade de até 20% em alguns anos em decorrência de desnutrição, doenças e exaustão.
Dissidentes, intelectuais ou qualquer um acusado de pensamentos “contrarrevolucionários antissistema”. A detenção de Cleriston sem o devido processo legal encontra um espelho distante aqui: o regime de Mao, como a Justiça corrompida do Brasil em 2023, prosperava no poder arbitrário, onde apenas a acusação já equivale à culpa.
Coreia do Norte: kwalliso, um pesadelo vivo Na Coreia do Norte de Kim Il-sung, e depois sob seu filho e seu neto, os campos de prisão política kwalliso permanecem como páginas aterrorizantes quando se trata de direitos humanos. Desertores relatam um mundo de fome, tortura e execuções públicas. Até 200 mil pessoas podem estar detidas hoje, frequentemente por “crimes” tão vagos quanto ouvir uma transmissão de rádio estrangeira ou criticar o regime — ofensas que não precisam de julgamento, apenas um aceno do Departamento de Segurança do Estado. Famílias inteiras são presas sob a política de “punição de três gerações”, garantindo culpa por associação. Os paralelos com o caso de Cleriston são assustadores: um sistema que prende sem evidências ou recursos, onde a palavra do Estado, e não uma Constituição, é lei.
O fio até o Brasil: o eco de Cleriston
A história de Clezão em 2023 não replica a escala desses regimes, mas carrega seu DNA.
Depois do 8 de janeiro, Alexandre de Moraes ordenou a prisão de mais de mil pessoas, muitas detidas indefinidamente sem provas claras, sem defesa, sem julgamento. A morte de Cleriston na Papuda não ocorreu em um Gulag ou kwalliso, mas suas raízes — detenção ilegal e um sistema corrompido — ligam-se a essa linhagem sombria de injustiça e abuso de poder.
No Brasil atual, um cidadão pode morrer preso sem crime violento,
sem condenação e sem que sua saúde comova os autoproclamados
guardiões dos direitos humanos. Cleriston Pereira da Cunha não é
apenas mais um nome em meio às centenas de presos políticos do 8
de janeiro. Ele é um símbolo da escalada autoritária que se instalou no
Brasil — e sua morte, um veredito assinado por quem transformou a
Justiça em um instrumento de vingança política.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste