sexta-feira, 28 de março de 2025

'A caminho do cadafalso', por Cristyan Costa

 O julgamento de Débora dos Santos jogou luz sobre outras incontáveis vidas suspensas do 8 de janeiro que vão ter seu destino


Ilustração: Shutterstock 


N a segunda-feira 24, depois de os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votarem para condenar a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, de 39 anos, a passar os próximos 14 de sua vida na cadeia, em virtude do 8 de janeiro, Luiz Fux pediu mais tempo para análise e suspendeu a sessão. A paulista de Paulínia (SP) ficou conhecida por ter escrito, com batom, a frase “perdeu mané” na estátua da deusa da Justiça, em frente ao STF. Agora, enquanto o STF não define uma nova data para a sessão, Débora continuará aguardando o desfecho do seu destino apartada do marido e dos dois filhos pequenos. Moraes negou todos os pedidos de soltura, feitos justamente para Débora cuidar das crianças, um direito garantido pelo STF a mães, como é o caso de Adriana Anselmo, exprimeira-dama do Rio de Janeiro, presa por escândalos de corrupção descobertos no âmbito da Operação Lava Jato. 

Em uma carta obtida em primeira mão por Oeste, Débora se desculpa pelo ato e tenta sensibilizar Moraes. Logo no início do texto, a cabeleireira escreve que não sabe ao certo “como se dirigir a alguém de um cargo tão importante” e pede ao juiz do STF que “desconsidere eventuais erros”, por ser uma mulher humilde. Ela informou ainda que é cristã, trabalha desde os 14 anos, tem marido e é mãe de dois filhos menores: um de 10 e outro de 8 anos. “Sou uma cidadã comum e simples e sempre mantive minha conduta ilibada, jamais compactuei com atitudes violentas ou ilícitas”, disse Débora. Ela justifica, depois, que manchou o monumento “no calor do momento”. “Cheguei a cometer aquele ato tão desprezível [pichar a estátua]”, escreveu. “Posso assegurar que não foi nada premeditado. Foi no calor do momento e sem raciocinar.” Débora disse ainda que apenas terminou de escrever o que já estava sendo redigido no monumento por um desconhecido que estava lá. 


Débora Rodrigues dos Santos, durante o ato de 8 de janeiro de 2023, em Brasília | Foto: Reprodução

No cadafalso do STF 

A angústia interminável é a mesma de centenas de presos na manifestação, que ainda não entraram na pauta do STF. As histórias são tão dramáticas quanto a de Débora. É o caso de Diovana Vieira da Costa, de 23 anos, grávida de oito meses. De acordo com a defesa, ela chegou a Brasília na noite do protesto, quando tudo já havia acabado. Dessa forma, não teria como ter participado da quebradeira. A polícia prendeu Diovana na manhã do dia seguinte, nos acampamentos montados nas cercanias do Quartel-General (QG) de Brasília. Ela passou uma semana na penitenciária da Colmeia, em uma cela superlotada, tendo de fazer as necessidades na frente de outras mulheres, tomar banhos gelados e se alimentar mal. Atualmente, usa tornozeleira eletrônica e cumpre medidas cautelares. 

Ao denunciar a mulher, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reconheceu que não conseguiu comprovar a presença dela entre os manifestantes que foram à Esplanada. “No 8 de janeiro de 2023, alguns dos acampados, embora não se tenha notícia até o presente momento de que a denunciada estivesse entre eles, participaram dos atos de depredação ocorridos na Praça dos Três Poderes, quando uma turba violenta e antidemocrática avançou contra os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF”, argumentou a Procuradoria. 

Por esse e outros motivos, a Defensoria Pública da União (DPU) pediu ao STF a absolvição da gestante. De acordo com a DPU, houve desigualdade no tratamento dado à acusação e à defesa de Diovana. O ponto central da ação é a alegação segundo a qual Moraes não autorizou a intimação de uma testemunha crucial, que poderia comprovar que Diovana chegou a Brasília só depois das depredações nos prédios do STF, Congresso Nacional e Palácio do Planalto. A testemunha em questão seria o motorista do ônibus que a transportou até a capital federal. “É assustador pensar que posso ser presa esperando uma bebê”, disse. “Fui lá apenas para conhecer a cidade.” 

Outro preso que aguarda na fila do cadafalso do STF é Erlando Pinheiro Farias, de 42 anos. A defesa tenta a absolvição do homem por inimputabilidade, em virtude de ele ter esquizofrenia diagnosticada desde 2019. Pouco antes do 8 de janeiro, Farias decidiu passar um tempo no acampamento para se manifestar contra o governo Lula. Acabou detido e passou dois meses na Papuda em condições degradantes semelhantes às de outros envolvidos no 8 de janeiro. Hoje, vive sozinho em Taguatinga (DF) e cumpre algumas medidas restritivas. 

Embora não tenha mais a tornozeleira, uma vez que a advogada conseguiu a remoção do equipamento, Farias não pode deixar a cidade e precisa se reportar à Justiça todas as segundas-feiras na Vara responsável pelo monitoramento dos passos do homem. Antes da manifestação, ele fazia alguns bicos para ajudar em casa nas despesas domésticas e no sustento de uma filha, hoje aos cuidados da mãe. A agora ex-mulher decidiu se separar por não concordar com a ida dele ao QG. Sem muito dinheiro, falta o necessário para comprar os remédios de que necessita. Dessa forma, não é raro Farias passar informações desencontradas e desconexas à defesa.


Ato do dia 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Enquanto o julgamento dele não é marcado, a advogada tenta o possível para livrar o cliente de uma condenação, cujas obrigações ele não tem como cumprir, pelo estado mental. A Farias foi ofertado o acordo de não persecução penal (ANPP) da Procuradoria-Geral da República (PGR). No entanto, as perturbações psicológicas são tamanhas que ele não teve condições de assinar o documento. Quem aceita o acordo tem de cumprir horas de trabalho comunitário, pagar uma multa que pode chegar a R$ 5 mil, realizar um curso pela democracia e admitir crimes. 

O mecânico Adriano Diduch, de 32 anos, também aparece na sequência. No dia do tumulto, ele decidiu sair do QG para acompanhar a manifestação na Praça dos Três Poderes. Ao chegar, deparou-se com um cenário de guerra. Durante o ato, levou um tiro na perna disparado por um policial. O agente contou que reagiu à investida de Diduch com uma barra de ferro contra uma agente. 

A defesa, contudo, disse que o homem foi confundido com outro manifestante, que também vestia camiseta amarela. Por causa do disparo, Diduch foi levado ao hospital, onde ficou por 12 horas. De lá, conseguiu sair e voltar a Guarapuav 8 de janeiro Luiz Inácio Lula da Silva Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes Jair Bolsonaro (PR). Por isso, não chegou a ser preso. Atualmente, ele vive em alguma cidade do Estado, da qual tampouco os advogados têm conhecimento. O “sumiço” tem sido visto como uma forma de ele não ser encontrado pela Justiça. Caso seja condenado, pode pegar até 17 anos de cadeia. As notícias mais recentes dão conta de que Diduch recebe ajuda para poder sobreviver, visto que não trabalha.  

A vida na clandestinidade foi também a escolha da manicure Zulene de Carvalho, de 60 anos, que aguarda para entrar na pauta de julgamentos de Moraes. Presa no acampamento, a moradora de São Sebastião (DF) ficou sete dias na Colmeia. Após uma perícia em seu celular, a Polícia Federal enviou um laudo à PGR, no qual constatou-se que ela esteve na Praça dos Três Poderes. A defesa informou que Zulene não entrou nos prédios públicos. Dessa forma, a Procuradoria solicitou um aditamento da denúncia que imputa mais crimes à mulher. Por isso, ela decidiu se exilar na Argentina, onde hoje vive de bicos e algumas economias. 

Humildade judicial 

No julgamento da aceitação da denúncia da PGR contra o expresidente Jair Bolsonaro e mais sete pessoas, por suposta tentativa de golpe de Estado, o ministro Fux mencionou o caso de Débora. “Num exercício de humildade judicial, tenho que fazer revisão dessa dosimetria”, disse, ao citar Moraes. O juiz do STF falou ainda em “penas exacerbadas” aplicadas aos envolvidos do 8 de janeiro, o que sugere que, finalmente, alguns integrantes do tribunal começam a entender que o STF se desviou, faz tempo, do caminho que conduz à sensatez. 

Cristyan Costa - Revista Oeste