O caso de Débora Rodrigues dos Santos é repleto de crimes judiciários que expõem a falta de sensatez do STF | Foto: Montagem Revista Oeste
O ministro Alexandre de Moraes e os seus colegas de STF estão cometendo atos que em qualquer legislação civilizada do mundo, incluindo a do próprio Brasil, podem ser descritos como crimes judiciários. Não se trata mais, aqui, do clássico erro judicial — a decisão que causa prejuízo grave, e em geral irreparável, a uma pessoa inocente das acusações pelas quais foi condenada. No caso da perseguição de Moraes e do STF à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, o que no começo poderia ter sido um equívoco da Justiça tornou-se um delito deliberado por parte dos juízes. Débora acaba de ser condenada a 14 anos de prisão por pintar com seu batom as palavras “perdeu mané” na estátua da deusa da Justiça em Brasília, durante a baderna de 8 de janeiro de 2023. É impossível, por qualquer critério racional ou moral, justificar uma demência como essa.
A discussão poderia começar e acabar por aí. É um desses casos que são levados a juízo e encerrados no ato por óbvia irrelevância material — aquilo que na Justiça americana é chamado de open and shut case. Como um ser humano, em sã consciência, poderia achar justo que alguém ficasse pelos próximos 14 anos de sua vida na cadeia por pintar uma estátua com batom? Mas Alexandre de Moraes e o mais alto tribunal de Justiça do Brasil decidiram transformar essa miudeza absoluta num caso de lesa-pátria — nada menos, segundo eles, que uma tentativa de golpe de Estado e de destruição da democracia. É uma mentira rasa, e processar alguém com base numa mentira é um comportamento que viola a lei. No caso de Débora, o ministro foi engatando decisões ilegais sucessivas, cada uma delas para justificar a precedente. Acabou construindo, do jeito como as coisas estão hoje, o que pode tornar-se a pior crise que o Poder Judiciário já criou para si próprio desde que o STF decidiu transformar-se numa facção política em sociedade com o governo Lula.
Na prática, o resultado foi a criação de uma charada que não vai ter, e nem pode ter, nenhuma solução capaz de deixar alguém satisfeito. É, na verdade, um dos mais maciços casos de perde-perde que um órgão do Estado nacional já conseguiu construir para si mesmo, e sobretudo para o cidadão que, no fim, vai acabar pagando cada centavo disso tudo. O resumo dessa ópera ruim, quando se deixa de lado a psicose que o STF, a mídia e a classe não produtiva cultivam há dois anos em volta dela, não deixa dúvida alguma.
O Brasil foi arrastado pelo ministro Moraes e pelo STF a uma obrigação torpe: sustentar perante o mundo inteiro que o nosso sistema judicial acha perfeitamente correto mandar para 14 anos de prisão fechada uma moça da classe operária que pichou uma estátua. Isso não é uma decisão de Justiça. É decisão de sanatório geral — ou de ditadura.
O STF, para ficarmos no mundo dos fatos, não fez rigorosamente nada de legal no caso de Débora. Ela nunca poderia estar sendo julgada direto no tribunal máximo do país, onde não vai ter o direito de recorrer a nenhum juízo superior — ao contrário do que podem fazer os assassinos mais hediondos. Débora, simplesmente, não tem o foro especial que a lei exige para alguém ser julgado no STF. Ela está presa há dois anos sem julgamento, o que é ilegal até no Congo Belga. Seu pedido formal de desculpas foi ignorado.
Pela definição do próprio STF, numa epístola do ministro Gilmar Mendes, Débora está sendo submetida à tortura moral — essa que teria sido aplicada aos escroques da Lava Jato, e que deixou tão chocada a nossa “Suprema Corte”, como diz Lula. Por ser mãe de duas crianças, e não oferecer perigo absolutamente nenhum para a sociedade (seu prontuário não tem sequer uma multa de trânsito), ela tem o direito à prisão domiciliar, que lhe foi negada por Moraes.
O episódio ficou definitivamente calamitoso para o consórcio Lula-STF em geral, e para Alexandre de Moraes em particular, com a sua tentativa de destruir aquilo que realmente está tirando todos eles do sério — a questão do batom. É uma coisa letal. Nada vai humilhar mais o alto Poder Judiciário do Brasil, perante o mundo e perante o bom senso, do que o devastador, irremediável e definitivo ridículo que é condenar alguém por escrever “perdeu mané” numa escultura de segunda linha perdida no Saara cultural de Brasília. Jornalistas indignados, os juristas entrevistados por eles e até o ex-ministro Celso de Mello, do próprio STF, se lançaram numa espécie de “Frente Nacional Anti-Débora” para denunciar o que estimam ser a intensa perfídia da ré — e sustentar que não, de jeito nenhum, ela não foi condenada por causa do batom.
Foi condenada, segundo eles, porque quis dar um golpe armado para acabar com a democracia no Brasil. Deram um xeque-mate em si mesmos. É uma coisa feia, tendendo para o horrível, todos esses gatos gordos se juntarem para um ataque de gangue contra uma cabeleireira de Paulínia, sem um tostão no banco nem um miligrama de influência em nada, uma zé-ninguém que está derrubada no chão e não pode reagir a nenhuma agressão. Mas deixem-se de lado, aqui, as questões ligadas à ausência pessoal de caráter.
O que importa, nessa tentativa desesperada de dar sanidade a uma decisão insana, é que a emenda saiu três vezes pior que o soneto. Ou seja: condenar pelo batom é patético, mas condenar por golpe armado, com o batom chamado no papel de “substância inflamável” (é isso que diz a denúncia, acredite se quiser), é positivamente estúpido. Como seria possível fisicamente à Debora, e a todos os demais participantes dos tumultos do 8 de janeiro, dar um golpe militar se as Forças Armadas estavam contra o golpe militar? É um enigma que ficará sem resposta pelos próximos milênios, entre todos os outros que o “golpe” inventou.
É chato para o ex-ministro Celso de Mello, que saiu de um silêncio que já se imaginava permanente, mas era inofensivo, para assumir de graça o papel de perfeito idiota latino-americano com viés jurídico. Mas para a imprensa é procedimento operacional padrão juntar-se à turma que vive em busca de um linchamento — uma espécie de Ku Klux Klan que em lugar do negro do Alabama caça a branca de direita de Paulínia. O caso específico de Débora, aliás, é um momento histórico de infâmia.
Uma fotógrafa da Folha de S.Paulo, Gabriela Biló, trabalhou no caso não só como informante, mas como colaboradora ativa da polícia: saiu por conta própria em busca da moça que pichou a estátua, localizou-a no interior de São Paulo e entregou seu nome à PF. Um jornalista do blog Intercept Brasil, Paulo Motoryn, fez matérias para delatar às autoridades exilados políticos brasileiros que se encontram na Argentina. É a versão atual do “jornalismo investigativo” praticado no Brasil.
O problema para todos eles, e principalmente para o ministro Moraes e seus associados no STF, foi não terem percebido a tempo que o batom da cabeleireira era uma bomba-relógio que acabaria, a uma hora qualquer, detonando a sua “narrativa”, como diz Lula. Engenharia de obra feita é fácil, sem dúvida, mas os engenheiros são eles e a obra é deles. Está na cara, hoje, que teria sido muito melhor se tivessem deixado a moça de lado e ido atrás de outro coitado qualquer; afinal, Moraes teve mais de mil pessoas nos seus cárceres pessoais.
Mas não. Parece ter gostado da história do batom na estátua, quem sabe para dar uma lição aos golpistas — na Coreia do Norte, por exemplo, a Justiça já condenou crianças à prisão perpétua para mostrar aos pais quem é que manda por lá. Aqui não deu certo. Hoje é o batom de Débora que está assombrando o nosso tribunal máximo de Justiça.
Nos seus próximos pronunciamentos em Londres, Nova York ou Paris, caso haja novos pronunciamentos em Londres, Nova York ou Paris, alguém poderá perguntar ao ministro Barroso como a Suprema Corte do Brasil foi capaz de condenar a 14 anos de prisão uma moça que pintou com o seu batom uma estátua de granito — e que, aliás, foi lavada logo em seguida, sem que tenha ficado nenhum traço do “perdeu mané”. Vai ter de dizer, então, que não foi o batom, foi o golpe de Estado que ela estava querendo dar.
Aí podem lhe perguntar: “Mas que golpe, ministro? Como ela iria dar um golpe?”. O problema, que já dura dois anos e vai durar para sempre, é que jamais houve golpe nenhum, e nenhuma tentativa de golpe. Obviamente, na hora de examinar as provas, não há prova alguma que fique de pé durante dois minutos, pois não há nada a provar. Mais obviamente ainda, não há solução possível. Ou melhor: há uma solução evidente, na verdade a única que resolveria essa coisa toda. É a anistia. Mas o consórcio LulaSTF não admite a anistia. Nem pensar.
O ministro Luiz Fux pediu “vista” do processo de Débora, o que pode suspender a coisa por até 90 dias, mas isso não adianta nada — só pune a ré, que já está presa há dois anos sem julgamento, com mais três meses de cadeia. É o passo mais recente da marcha da insensatez iniciada por Moraes. Se o ministro Fux tem dúvidas sobre os procedimentos, depois desse tempo todo, sua única atitude teria de ser, obrigatoriamente, um pedido de relaxamento da prisão.
Ninguém pode ficar preso à espera de que os juízes resolvam as suas incertezas metafísicas — que resolvam, então, e que prendam de novo se for o caso. Mas um Fux é um Fux, tanto quanto um Moraes é um Moraes. Obviamente, Fux não quis condenar Débora aos 14 anos decretados por Moraes — senão teria condenado e pronto, não é mesmo? Mas também não tem coragem para discordar dele — senão teria absolvido ou dado uma pena menor. Do jeito que ficou, tudo foi jogado para a frente, à espera de que o caso esfrie.
Não está claro quanto se pode esperar desse tipo de esfriamento. Até agora, nos dois anos que se passaram desde o “Golpe dos Estilingues”, o caso não esfriou; passamos para o estágio do “Golpe do Batom”, que é ainda pior para a encenação montada pelo regime Lula-STF, a mídia e o Brasil que se tem na conta de civilizado-moderno. A história do 28/03/2025, 11:26 A marcha da insensatez - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-262/a-marcha-da-insensatez/ 8/11 8 de janeiro Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes batom explodiu nas redes sociais, e quando fica assim não há como segurar. Não adianta nada vir com as mais preciosas hermenêuticas e propedêuticas para explicar que não, não, não é o batom que está em causa.
Quanto mais falam, mais as redes repetem: sim, sim, sim é o batom. É como apelido. Depois que pega, fica difícil despegar. Mais ainda: quem garante que a alucinação vai parar em Débora? E se houver uma próxima? E se houver mais um cadáver? Já houve um, o de Cleriston da Cunha, morto na Papuda por falta de atendimento médico — que foi requerido várias vezes, inclusive pelo Ministério Público, e negado por Moraes. Há na fila, depois de Débora, uma grávida de oito meses, mulher de um motoboy (leia reportagem de Cristyan Costa nesta edição). Moraes parece ter cismado com essa aí também.
A moça já provou que chegou a Brasília, no dia 8 de janeiro, depois que o quebra-quebra tinha acabado; a própria PGR, por sinal, comunicou que não tem provas de que ela estivesse lá. Não adiantou nada. Moraes impediu que ela apresentasse uma testemunha que comprova a sua ausência. Também ignorou a posição da procuradoria. É um caso que parece promissor até agora; vamos ver o que o ministro quer. O fato é que o STF colocou em funcionamento um laboratório do doutor Frankenstein e, como no seu caso, perdeu o controle sobre as criaturas que saem dali.
Hoje, como o governo Lula, o tribunal está condenado a
concordar com todas as sentenças do ministro Moraes, goste ou não
goste delas — e a fabricar argumentos para explicar que uma
cabeleireira de Paulínia quis dar um golpe armado com uso de
“substância inflamável” etc. etc. etc. Não é uma perspectiva boa. Do
outro lado do consórcio a vida não é melhor. Quantos votos Lula e o seu
sistema esperam ganhar em 2026 com a guerra contra o batom de
Débora, a grávida do motoboy e outras causas como essas? O melhor
seria que o “golpe” nunca tivesse sido inventado. Agora que foi,
precisam dar uma solução para ele.
J.R.Guzzo - Revista Oeste