Ação judicial movida por empresas americanas escancara o ímpeto persecutório do ministro e caminhos ilegais que ele percorre contra a liberdade de expressão fora de sua jurisdição — o Brasil
Nesta semana, uma escalada significativa se desenrolou na contínua saga do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes contra a liberdade de expressão e pode se tornar um dos maiores embates internacionais sobre censura e ativismo judicial.
A Trump Media & Technology Group (TMTG), empresa controladora da rede social de Donald Trump, a Truth Social, e a plataforma de compartilhamento de vídeos Rumble entraram com uma ação judicial conjunta contra Moraes em um tribunal federal dos EUA em Tampa, na Flórida.
Anunciada na última quarta-feira, 19 de fevereiro, a ação acusa Moraes de exceder sua autoridade ao emitir ordens de censura que se estendem além das fronteiras do Brasil, exigindo a suspensão de contas baseadas nos EUA pertencentes a um “dissidente brasileiro politicamente expressivo”. Apesar do nome do “dissidente politicamente expressivo” não ser mencionado, trata-se do jornalista Allan dos Santos, atualmente residente na América como exilado político sob proteção do governo dos Estados Unidos.
Diz a peça:
“A Rumble e a TMTG ajuizaram esta ação para impedir as tentativas ultra vires [além do poder ou autoridade legal] do ministro Alexandre de Moraes de censurar ilegalmente empresas americanas que operam principalmente em solo dos Estados Unidos.
Atuando sob pretexto do Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil, o ministro Moraes emitiu amplas ordens determinando a suspensão de várias contas sediadas nos Estados Unidos.
As ordens de censura conforme emitidas restringem o discurso político legítimo nos Estados Unidos, violando as proteções constitucionais fundamentais consagradas da Primeira Emenda, entrando em conflito com o Communication Decency Act [Lei de Decência nas Comunicações] e desafiando princípios básicos da comunidade internacional.”
A petição, que pode causar uma baita dor de cabeça para Moraes e para o governo brasileiro, escancara o ímpeto persecutório de Moraes e caminhos ilegais que ele percorre contra a liberdade de expressão fora de sua jurisdição — o Brasil.
“Conforme mostrado neste documento, as ordens de censura manifestamente ilegais estão claramente fora do escopo da autoridade do ministro Moraes — tanto sob a legislação brasileira, como também sob tratados internacionais entre os Estados Unidos e o Brasil.
Os Estados Unidos estabeleceram estruturas legais para reconhecer e fazer cumprir ordens judiciais estrangeiras, mas elas exigem a aprovação do governo dos EUA.
Moraes ignorou totalmente esses canais, em vez disso, tentou impor unilateralmente a lei brasileira às empresas americanas que operam sob as proteções legais dos EUA. O impacto das ações do ministro Moraes se estende muito além das fronteiras do Brasil, representando um desafio direto às normas internacionais que salvaguardam a liberdade de expressão e a soberania dos EUA. (…) Na mesma linha, Moraes emitiu unilateralmente ordens de censura que obrigam empresas americanas, como Rumble e X, a suprimir conteúdo legal, forçando essas empresas a escolher entre honrar as proteções constitucionais de liberdade de expressão dos EUA ou concordar com um mandado estrangeiro que carece de qualquer precedente legal no Brasil.”
No topo da página 9, o título escolhido em negrito pela equipe de advogados de Trump expõe toda a veia tirânica de Moraes:
“O ministro Moraes lidera uma campanha para varrer e silenciar a dissidência política”
A ação judicial aponta Alexandre de Moraes como o arquiteto de uma cruzada calculada para abafar dissidentes políticos, recorrendo a determinações secretas e sanções intimidatórias para forçar gigantes da tecnologia a eliminarem postagens e bloquear usuários. Consta na peça que ele já mandou desativar mais de 150 perfis de comunicadores, políticos e pessoas comuns que contestaram o atual governo brasileiro. O processo também o acusa de desprezar acordos internacionais aplicando a censura prévia e autoritária, como consta no documento de 541 páginas produzido por congressistas americanos sobre o escândalo do Twitter Files Brazil, em abril de 2024.
E por que o Rumble está nessa ação das empresas de mídia de Donald Trump contra Moraes? Porque a Truth, a rede social do atual presidente americano, depende da infraestrutura de hospedagem de nuvem e transmissão para fornecer conteúdo multimídia para seus milhões de usuários. Diante disso, o Rumble e a TMTG pleiteiam que os tribunais dos EUA classifiquem as imposições de Moraes como inválidas nos país, blindando as companhias tecnológicas contra a necessidade de seguir os impulsos tirânicos do ministro.
Na essência do novo conflito está a imunidade soberana, que em geral resguarda autoridades estrangeiras de ações nos EUA. A denúncia, contudo, afirma que Moraes perdeu esse escudo ao ultrapassar suas atribuições, tentando calar vozes em um país que venera a liberdade de expressão. O caso se ampara em exceções jurídicas dos EUA que cancelam essa prerrogativa quando ações extrapolam competências legais ou ameaçam direitos fundamentais. As empresas destacam os danos reais causados às suas operações, qualificando isso como uma interferência descabida em seus interesses comerciais.
“Permitir que o ministro Moraes silencie usuário vocal em uma plataforma digital americana comprometeria o processo fundamental do país no debate aberto vigoroso — nem imposições extraterritoriais nem o ativismo judicial vindo do exterior podem se sobrepor às liberdades protegidas pela Constituição e pela lei nos Estados Unidos.
Sob a liderança do ministro Moraes, ordens sigilosas tornaram-se uma prática rotineira, forçando provedores de serviços on-line sediados nos Estados Unidos a banir usuários politicamente ativos em toda a plataforma, inclusive nos EUA, com base em alegações de ‘discurso de ódio’ ou ‘antidemocrático’, tudo sob ameaça de multas diárias exorbitantes ou até mesmo o fechamento total das operações.”
Um elemento que pode moldar o destino dessa batalha é a insistência das empresas em submeter o caso a um julgamento com júri popular. Se aceito, em vez de deixar tudo nas mãos de um juiz isolado, esse formato entregaria aos cidadãos americanos a tarefa de decidir se as medidas de Moraes ferem a liberdade de expressão no país. Isso pode ser um obstáculo para Moraes, já que o apego visceral dos jurados dos EUA à Primeira Emenda muitas vezes os faz repudiar iniciativas de silenciamento externo, encarando-as como uma invasão às liberdades pessoais e aos negócios locais.
E, para Alexandre de Moraes, o problema pode ser maior. O perfil da instância judicial envolvida também tem seu peso, e a ação foi apresentada ao Tribunal Federal do Distrito da Flórida. Eventuais apelações cairão nas mãos do 11º Circuito de Apelações, hoje dominado por uma maioria conservadora, com seis magistrados indicados por Donald Trump em seu primeiro mandato.
Esse viés pode jogar a favor do Rumble e da TMTG, dado que tribunais desse espectro tendem a zelar por uma leitura ampla da liberdade de expressão, resistindo a tentativas de controle estatal — sobretudo quando partem de governos estrangeiros.
O histórico do 11º Circuito em frear excessos judiciais e ingerências em negócios privados dá ainda mais suporte à causa das plataformas contra os mandados ilegais de Moraes. E os problemas de Moraes não param por aí. O ministro pode ainda ter que enfrentar a Lei Global Magnitsky. A Lei Magnitsky foi aprovada pelo Congresso dos EUA e consolidada em 2016. Assinada pelo presidente Barack Obama, ela ganhou força com uma ordem executiva assinada por Donald Trump em 2017 que ampliou o seu alcance.
A lei tem esse nome por causa de Sergei Magnitsky, um advogado russo que em 2008 descobriu que autoridades russas roubaram US$ 230 milhões em impostos. Em vez de ser protegido, Sergei foi perseguido, acusado falsamente por quem ele denunciou, e preso. Espancado na prisão e sem cuidados médicos, foi morto em 2009, aos 37 anos.
O objetivo da lei é punir pessoas ou grupos de qualquer país que cometam “graves violações de direitos humanos reconhecidos internacionalmente”, como matar, torturar, calar a liberdade de expressão, ou que sejam altamente corruptos, autores de crimes como roubar dinheiro público ou aceitar propina. A lei dá ao presidente dos EUA, por meio dos Departamentos do Tesouro e de Estado, o poder de congelar bens que essas pessoas tenham nos EUA, proibir que elas e seus familiares entrem no país e impedir que empresas ou bancos americanos façam negócios com elas.
Não é preciso punir um país inteiro, só os indivíduos responsáveis. Desde 2017, mais de 650 pessoas e organizações de 43 países sofreram as graves sanções da lei, incluindo juízes, promotores, políticos, autoridades, governantes e cidadãos comuns.
Nesta semana, consultando um assessor do Senado Americano, perguntei como a lei poderia ser aplicada ao caso do ministro Moraes. Eis a explicação: Violação da liberdade de expressão: Moraes é acusado de reprimir vozes críticas ao governo brasileiro e já ordenou o bloqueio de mais de 150 contas de jornalistas, políticos e cidadãos no Brasil sem processos públicos claros. No caso da TMTG e do Rumble, ele exigiu que contas nos EUA fossem apagadas, ameaçando multas e bloqueios, mesmo estando fora de sua jurisdição.
Isso afeta um direito humano básico, protegido por leis internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana, que o Brasil assinou. A Lei Magnitsky pune quem restringe gravemente esse tipo de liberdade.
Padrão sistemático: para ser sancionado, não basta um ato isolado, precisa haver um padrão — e Moraes mostra isso ao multar e suspender plataformas inteiras, como o X e o Rumble no Brasil, multar em milhares de reais quem usa VPN para acessar as redes bloqueadas, ameaçar de prisão sem o devido processo legal, além de mirar consistentemente apoiadores de Jair Bolsonaro e jornalistas críticos.
O processo da TMTG e do Rumble mostra que ele ignora tratados internacionais como o Mutual Legal Assistance Treaty (MLAT), agindo como se suas ordens valessem no mundo todo. Esse comportamento repetitivo é o que a lei busca: abuso de poder que sufoca direitos de forma contínua.
Provas e processo: ONGs, vítimas ou até o governo dos EUA precisam reunir provas sólidas, como documentos de ordens judiciais, depoimentos de afetados, registros de bloqueios e multas. Isso seria enviado ao Departamento de Estado ou Tesouro dos EUA. No caso de Moraes, o processo judicial nos EUA já é uma base pública com relatórios sobre os 150 bloqueios de contas e os impactos na imprensa e nos cidadãos.
A lei é direta: basta mostrar que ele lidera essa repressão de propósito. Ainda há o documento dos Twitter Files Brazil na Câmara Americana e possivelmente o relatório da comissão da OEA, que deve mencionar algumas arbitrariedades de Moraes.
O que acontece se for sancionado: se o presidente dos EUA aprovar, Moraes entra na lista de sancionados. Todo dinheiro ou propriedade que ele tenha nos EUA seria congelado e ele seria proibido de entrar nos EUA, mesmo para visitas. Além disso, nenhuma empresa ou banco americano poderia fazer negócios com ele, isolando-o financeiramente. Isso não depende de um processo judicial; é uma decisão administrativa dos EUA, baseada em evidências contundentes.
A Lei Magnitsky já foi usada contra juízes e autoridades que abusam do poder, como venezuelanos que prenderam opositores e calaram dissidentes. Moraes se encaixa por usar o STF para calar vozes, dentro e fora do Brasil, de forma que parece ser pessoal e política e, principalmente, ilegal. O caso da TMTG e do Rumble reforça isso ao mostrar que ele afeta até empresas americanas, dando aos EUA motivo para agir. Se o padrão continuar — mais bloqueios, mais multas —, a pressão para sancioná-lo cresce.
No comunicado para a imprensa sobre a ação contra Alexandre de Moraes, os advogados de Donald Trump mostram ao ministro o mesmo vigor do presidente americano em defender seu país contra tiranos:
“Esta não é apenas uma luta sobre censura — é uma luta sobre se empresas e indivíduos americanos devem obedecer a ordens judiciais estrangeiras que contradizem a lei dos EUA. Imagine se a China, o Irã ou a Coreia do Norte tentassem calar um jornalista que mora nos EUA emitindo ordens judiciais exigindo que as plataformas americanas removessem seu conteúdo. Isso seria legitimamente considerado um ataque à soberania americana. Então, por que o Supremo Tribunal Federal do Brasil deveria ter permissão para fazer isso?”
Pela primeira vez em nossa história, um membro da Suprema Corte do
Brasil foi formalmente denunciado por atentar contra a soberania
americana. O processo nos EUA é só o começo; com provas certas, a
Lei Magnitsky pode atingir Alexandre de Moraes diretamente no bolso
e na mobilidade, mandando um recado global para todos que atentam
contra a liberdade de expressão.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste