A omissão de uma série de informações nas reportagens sobre a deportação de brasileiros dos EUA para o Brasil é a mais recente prova de que a imprensa brasileira só enxerga o que quer
D e todos os desvios psicológicos que o comportamento de Lula e dos seus sócios do STF foram socando nos últimos anos no equipamento mental das classes culturais brasileiras, poucos são tão cansativos quanto a recusa intransigente de utilizar o pensamento racional, tal como ele é conhecido desde a Grécia Antiga, sempre que falam alguma coisa sobre a trindade Estados Unidos-Donald Trump-Elon Musk. “Cai o sistema”, sempre — em qualquer que seja a circunstância e qualquer que seja o assunto. Gente que você achou normal a vida toda é amputada de um momento para outro, nessas ocasiões, de sua capacidade de reagir a estímulos lógicos e volta a ser um homem de Neandertal.
Provavelmente ninguém tem sido tão afetado nesse bioma como os jornalistas — ou, mais precisamente, quem exerce a ocupação descrita hoje em dia como “jornalismo”. (Aí você encontra “comunicadores”, gente da “mídia” e até influencers, imaginem só.) Diga, diante de quase todos eles, as palavras “Trump” ou “Musk”. É como encostar num peixe-elétrico: vem na hora um choque de sabe lá Deus quantos volts, excomungando um ou o outro, ou os dois ao mesmo tempo, por todas as calamidades que o ser humano está vivendo hoje, já viveu ou ainda vai viver. São fascistas, nazistas, neofascistas ou neonazistas, Godzillas fora de controle, criminosos de guerra. Na melhor das hipóteses, são dois loucos em estágio terminal.
O último exemplo dessa psicose foi a reação da maioria da imprensa diante da deportação, dos Estados Unidos para o Brasil, de uma centena de brasileiros, nem isso, que estavam lá como imigrantes ilegais. Foi como se os americanos tivessem afundado um navio da Marinha brasileira ou derrubado um caça da FAB — caso encontrassem um ou outro para afundar ou derrubar. “O Trump” foi acusado imediatamente de insultar a dignidade do Brasil e dos brasileiros. Poderia, até mesmo, ter agredido a “soberania nacional”. Foi uma violação flagrante dos “direitos humanos” etc. Motivo desse escândalo internacional: os deportados brasileiros estavam usando algemas no voo que os trouxe dos Estados Unidos.
Nada disso, e muito menos o tom de Maria Madalena desesperada com que a mídia brasileira se expôs ao público, tem a menor conexão com a realidade dos fatos e, pior, com a capacidade de olhar para alguma coisa e pensar dois minutos seguidos sobre ela. Se não fosse pelas informações de alguns jornalistas que continuam sendo jornalistas, a começar pelos do Poder360, o público não teria ficado sabendo que mais de 3,5 mil brasileiros foram deportados com algemas durante o Lula 3, em 32 voos diferentes, pelo governo Joe Biden — e a imprensa não publicou uma sílaba a respeito. Esse mesmo Biden, nos seus quatro anos de governo, expulsou um total de 7,5 mil brasileiros, sem qualquer protesto do Brasil e dos jornalistas.
Não há nada, seja no governo Lula, seja no noticiário publicado pela mídia “profissional”, que tenha algum contato com a verdade. O voo acusado de ofender a dignidade brasileira não tem nada a ver com o governo Trump — as deportações foram ordenadas pela administração anterior, e estavam à espera de execução. O uso de algemas no transporte de presos é obrigatório pelas leis americanas; os guardas não têm a opção de não algemar. Como três ou quatro policiais podem entrar num voo com 88 presos, se eles não estiverem algemados? Nem Lula nem os jornalistas mencionaram que os brasileiros não foram deportados por terem ido à Disney, e sim porque eram imigrantes ilegais. O público não foi informado de que imigração ilegal é um crime federal nos Estados Unidos.
A mídia afirmou a seus leitores, ouvintes e espectadores, como um fato ocorrido e indiscutível, que os brasileiros sofreram “maus tratos” durante o voo que os trouxe dos Estados Unidos para Manaus. Ninguém apresentava nenhum sinal físico de violência, nem contou aos jornalistas como, exatamente, teria sido agredido pelos agentes americanos — ou por quê. Não houve nenhuma tentativa de “checagem” em relação a nada do que os deportados disseram. Só depois que a casa caiu, com o progressivo aparecimento dos fatos, a imprensa informou que havia criminosos entre os brasileiros expulsos — inclusive por homicídio. Enfim, e talvez pior do que tudo, criou-se deliberadamente um cenário falso em torno do caso.
Apresentou-se ao público, como se fosse um ato de “altivez” do governo Lula, além de uma lição exemplar de soberania por parte da “política externa do Itamaraty”, o que foi mais uma exibição de nanismo diplomático cômico, barato e incurável do Brasil. A imprensa falou, em tom excitado, que o Brasil não iria “permitir” isso ou aquilo, que não iria “aceitar”, que “exigia” etc. etc. etc. Ninguém para e pensa um pouco no que está dizendo em voz alta? Em primeiro lugar, o Itamaraty não tem desde 2003 política externa nenhuma — tem apenas a repetição mecânica do que está dito no caderno de instruções das células políticas que militam ali.
É a miragem do “mundo multipolar”, do “eixo Sul-Sul” e outras cretinices de centro acadêmico. Questão de opinião? Digamos que seja. Mas aí tem o resto. O Brasil não tem bala para permitir ou proibir ninguém de fazer nada, nem exigir coisa nenhuma — não consegue encarar nem a Bolívia, que já tomou refinarias da Petrobras na cara de Lula.
No caso dos deportados, vão fazer o quê? O general Tomás Paiva vai desembarcar nos Estados Unidos com os ‘kids pretos’ (em algum lugar eles têm de estar, esses ‘kids pretos’) e impedir os americanos de levantarem voo com os algemados brasileiros? Por que não?
O gabinete do ministro Alexandre de Moraes já sugeriu mandar “jagunços” para os Estados Unidos, com a missão de sequestrar asilados políticos. Não dando certo, o general poderia propor que os americanos mantivessem os brasileiros presos nos Estados Unidos, para não terem de voar algemados.
Ou então transformar a FAB, hoje empresa de táxi aéreo, em serviço de repatriamento permanente de imigrantes ilegais do Brasil.
É daí para baixo, pela excelente razão de que Lula, o ministro Lewandowski e a imprensa não podem fazer absolutamente nada a respeito do que o governo americano decide nesse tipo de assunto.
O Brasil pode, por exemplo, decretar um bloqueio comercial contra os Estados Unidos? Vamos suspender as nossas exportações de chips vitais para a indústria americana? Que tal tirar os Estados Unidos do SWIFT — ou dar 72 horas para os satélites de Elon Musk pararem de sobrevoar o espaço sideral brasileiro? A Colômbia, por exemplo, tentou encarar Trump de potência para potência, e proibiu que aviões americanos entrassem no espaço aéreo nacional com colombianos algemados a bordo. A valentia durou duas horas.
Trump socou 25% de imposto em todas as exportações colombianas para os Estados Unidos. Daqui a uma semana a pancada ia subir para 50%. Gato gordo colombiano não podia mais viajar para os Estados Unidos, a começar pelo presidente Petro. “Chega”, gemeu a Colômbia. Depois de ser intensamente elogiado pela mídia, o presidente anulou tudo o que tinha acabado de decretar e fugiu como um rato. Pode pôr algema, sim, Mr. Trump — quanta algema o senhor quiser. A casa é sua, desculpe alguma coisa. É esse o herói latino-americano dos jornalistas brasileiros. Não consegue ser mais nem o “Rato Que Ruge” do filme. Igual ao companheiro Lula, ele é agora o “Rato Que Não Ruge” — ou, se ruge, “desruge” duas horas depois.
Que Lula seja esse tipo de farrapo é coisa mais do que “precificada”, como se diz na Faria Lima. Lula é mesmo capaz de qualquer coisa — como aparecer disfarçado de “camponês” com um chapéu Panamá e óculos Ray-Ban Top Gun num vídeo do seu novo serviço de propaganda. (Será que Janja era tão ruim assim? Comparando com esse que veio para o seu lugar, não se viu até agora muita vantagem.)
Mas e a mídia? Por que tem de fazer esse papel que está fazendo? Para alguns, tudo bem — ganham um monte de dinheiro do governo e do seu sistema para criar um mundo que não existe. Mas esses são uma minoria. A maior parte está nisso por devoção à sua sociedade de ideias mortas e, mais que tudo, porque foi contaminada por uma doença nova e incurável: a SAOB, ou Síndrome Autoadquirida do Ódio a Bolsonaro e ao “bolsonarismo”. Leva à cegueira.
É complicado, porque mesmo quando o sujeito recebe uma vacina contra o agente patológico original, a doença pula para outros genes, e continua gerando os mesmos efeitos — inclusive nos assintomáticos. No caso de Bolsonaro, por exemplo, a milícia eleitoral do STF veio com uma vacina arrasa-quarteirão: declarou Bolsonaro “inelegível” até 2030. Mas estamos lidando aí com um vírus mutante, ou coisa parecida. O ódio a Bolsonaro, depois de uma incubação como ódio à “extrema direita”, reencarnou como ódio a Donald Trump e Elon Musk. Quer dizer: mesmo que o ex-presidente suba ao céu numa carruagem de fogo como o profeta Elias, e nunca mais seja visto sobre a face da Terra, a SAOB continua plenamente ativa por aqui. A população mais vulnerável à infecção são os homens e mulheres brancos da classe média para cima, de formação universitária, ou quase, e exercendo atividade intelectual. Entre esses, o grupo de risco mais notável é o dos jornalistas.
O efeito mais visível da síndrome é o desligamento progressivo, ou às vezes imediato, dos circuitos cerebrais que permitem ao indivíduo a capacidade de engatar um pensamento com outro e, por via de consequência, de dizer coisa com coisa. No caso dos deportados ocorreu, obviamente, esse tilt geral entre os jornalistas. A partir daí é cegueira puxando cegueira, e cego do veículo A puxando cego do veículo B. O ódio a Bolsonaro leva automaticamente à paixão tórrida por Lula, e essas duas cegueiras combinadas levam à cegueira quanto a Trump e quanto a Musk. O pacote completo, no fim das contas, acaba transformando o sujeito num idiota — como se viu no escândalo das algemas e todas as vezes que as palavras “Trump” e “Musk” aparecem num órgão de imprensa.
A mídia garantiu que a eleição de Trump iria transformar a Faixa de Gaza num inferno jamais visto pelo ser humano; seria o “holocausto” final do “povo palestino”, dos reféns e de Israel, tudo junto e tudo misturado. A primeira coisa que aconteceu na área depois da posse de Trump foi um acordo de cessar-fogo e o início da libertação dos reféns — que nenhum pacifista “civilizado” tinha conseguido até então. Diante desse fato, que não pode ser anulado, o que faz a imprensa? Diz que Trump pode ter tido um “sucesso fácil” aí, mas não vai acontecer de novo. Como os jornalistas fazem diante de Javier Milei na Argentina, o importante a noticiar não é que esteja dando certo — é que uma hora tem de dar errado.
Com Elon Musk a escuridão é mais escura ainda. A aversão basal que os jornalistas foram desenvolvendo em relação a ele cresceu de uma forma tão descontrolada que praticamente ninguém reconhece mais, numa redação, a mera identidade de Musk. Ele deixou de ser o que era — um empreendedor que pode entrar na história, com suas concepções revolucionárias, e até agora extremamente bemsucedidas, sobre foguetes espaciais, automóveis, inteligência artificial, comunicações de última geração e outras conquistas que o levaram do zero a uma fortuna pessoal de US$ 350 bilhões. Esse homem, e tudo o que ele fez, não existe para a imprensa. Só existe um débil mental obcecado com a ideia de mandar “no planeta” — um bilionário mimado que vai implantar o neonazismo global, destruir a natureza e matar os pobres.
Por que os jornalistas dizem esse tipo de coisa? Por que Musk é descrito com um “bilionário”, e Joesley Batista ou outros amigos de Lula, para os mesmos jornalistas, são “empresários”? Por que ele é “mimado” — se trabalhou como um burro de carga durante a vida inteira, dormia dentro da fábrica para estrar lá o mais cedo possível e vive unicamente de seus méritos? Até comprar o antigo Twitter três anos atrás, e acabar imediatamente com a censura esquerdista que existia ali, Musk era uma outra pessoa — a mídia até gostava dele, porque o seu Tesla “economiza carbono” etc. Desde então, é uma pósgraduação ambulante em “Como se Transformar num Monstro Para os Jornalistas”.
Musk é acusado, até, por ter 12 filhos — você pode ter lido na mídia que esse comportamento suspeito, muito provavelmente, se deve ao fato de que ele é um “supremacista branco sul-africano” que quer povoar o mundo com mais arianos do que negros.
Fazer o quê?
Como
dito acima, tudo isso extravasou do campo da política para o campo da
saúde mental. O resultado é que você acha estranhíssimo, ou algo bem
pior, uma pessoa racional ficar indignada com o fato de que 88
imigrantes ilegais tiveram de fazer algumas horas de voo com
algemas. Ao mesmo tempo, ela acha uma maravilha democrática
deixar um autista ou um cacique índio presos com tornozeleira
eletrônica 24 horas por dia por terem participado de um “golpe
armado” em que as únicas armas encontradas pela polícia foram um
par de estilingues e um maço de bolinhas de gude. A mídia brasileira
tem certeza de que não há problema nenhum com nenhuma das duas
coisas
J.R. Guzzo - Revista Oeste