Com quase 90% de sua matriz elétrica renovável, o Brasil é exemplo para o mundo
Grandes potências industriais, como Estados Unidos, China e Alemanha ainda não encontraram o caminho para conseguir produzir com energia renovável. É preciso fazer essa transição para cumprir o grande objetivo do Acordo de Paris — a drástica redução das emissões de gases poluentes na atmosfera, como o carbono. A dificuldade em cumprir as metas afastou os norte-americanos do tratado. Contudo, o Brasil pode ter a resposta para a mudança, pois já percorreu ao menos metade da estrada para a sustentabilidade. Os números da Agência Internacional de Energia mostram que o país é um oásis verde, quando comparado ao resto do planeta.
Por volta de 85% de todo o consumo energético do mundo vem de fontes esgotáveis, como os combustíveis fósseis. E a dependência de recursos finitos pode ser ainda maior em algumas nações.
Cerca de 90% do mix energético dos Estados Unidos, por exemplo, tem origem em materiais que podem simplesmente acabar, sendo o gás natural o maior deles (36%), seguido de petróleo (35%), carvão mineral (10%) e nuclear (9%). Na China, as fontes esgotáveis representam 87%.
Na Alemanha, a dependência está próxima a 80%. Mesmo quando o assunto é a eletricidade, que é apenas um dos tipos de energia, o mundo ainda depende de matérias-primas impossíveis de repor. Cerca de 70% de toda a corrente elétrica que alimenta o planeta não tem origem renovável. No Brasil, a situação é oposta.
As fontes renováveis são responsáveis por 87% de toda a eletricidade consumida pelos brasileiros e por metade da energia nacional, incluindo o combustível que vai nos carros — o etanol é o grande exemplo para a mobilidade sustentável. O modelo adotado pelo país derruba a emissão de carbono da matriz energética a 2 toneladas por habitante, menos da metade da média mundial (hoje em pouco mais de 4 toneladas).
A maior vantagem do Brasil é ter o potencial para se transformar na grande fábrica verde do mundo, conforme explica Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
“Deveríamos atrair indústrias para cá, oferecendo energia limpa e barata para a fabricação, por exemplo, de aço verde e outros produtos com maior valor agregado”, afirma Pires. “Em vez de exportar energia bruta, deveríamos usá-la para produzir com maior valor.”
A força do Brasil
Diversas fontes formam a matriz energética brasileira. Metade vem de matérias-primas finitas, como petróleo, carvão e nuclear. O restante é de recursos que se renovam — sendo o maior deles a cana-de-açúcar (17%), com produtos como etanol, biogás e o bagaço — parte que sobra depois que a cana é moída —, cuja queima é usada para obtenção de energia. A segunda posição é das hidrelétricas, responsáveis por 12% de toda a oferta de energia e por quase 60% da eletricidade disponível.
“O Brasil tem muito rio”, explica Pires. “Quando o sistema elétrico brasileiro foi construído, ao contrário de outros países que tinham petróleo, vimos que só daria para gerar energia elétrica em abundância por meio da construção de usinas hidrelétricas. Então, na época, não foi uma decisão ambiental.”
No caso da eletricidade, o país está muito perto de se livrar de quaisquer resquícios não renováveis. Bastaria queimar todo o bagaço que sobra da moagem da cana hoje, e a oferta extra superaria toda a produção elétrica local que ainda acontece com fontes esgotáveis, como o carvão mineral.
O boom da energia
O Brasil já foi um país movido a lenha. No século 19 e início do 20, a madeira era a principal fonte de energia, e alimentava desde os fogões das casas até as caldeiras das indústrias. O carvão mineral também teve um papel relevante, mas era escasso e caro, fazendo da lenha o combustível predominante. Nas cidades, a iluminação pública dependia do óleo de baleia e, mais tarde, do gás de carvão. Era um cenário rudimentar, mas essencial para um país em crescimento.
Com o avanço das primeiras usinas hidrelétricas no início do século 20, começou a transição para um modelo mais eficiente e sustentável. A energia elétrica foi se tornando cada vez mais presente, especialmente nas regiões urbanas e industriais. Mas a matriz energética ainda era frágil e concentrada em poucas unidades geradoras, o que tornava o fornecimento instável e limitava a expansão do consumo.
O grande divisor de águas para o setor veio com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, inaugurada em 1984. Resultado de um acordo bilateral entre Brasil e Paraguai, Itaipu se tornou uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo e mudou o panorama energético nacional. Com sua enorme capacidade de geração, ajudou a garantir o suprimento de eletricidade para o crescente parque industrial brasileiro e impulsionou o desenvolvimento de novas infraestruturas energéticas.
“Foi uma decisão pragmática”, afirma Pires. “Entre as fontes de energia que tínhamos disponíveis no país, a de maior abundância e mais barata era a água. Então, foi construída uma série de hidrelétricas aqui no Brasil, grande parte delas, inclusive, durante o regime militar. Se naquela ocasião tivéssemos descoberto o petróleo e o gás do pré-sal, provavelmente teríamos optado por construir usinas térmicas a óleo e gás.”
A partir desse marco, o modelo hidrelétrico se consolidou e teve início a diversificação da matriz energética, incorporando fontes como gás natural, biomassa e, mais recentemente, eólica e solar. O país deixou para trás a época da lenha e se tornou uma potência na geração de energia limpa e renovável, mantendo-se entre as nações com as maiores participações de fontes renováveis do mundo. Houve um grande boom na matriz energética nacional. A produção local se multiplicou por oito entre 1970 e 2023.
O crescimento ocorreu tanto com a descoberta de novas jazidas de recursos finitos, como o pré-sal, quanto com a ampliação da produção limpa. A geração por usinas hidrelétricas cresceu 11 vezes de lá para cá e, a de produtos da cana, 15 vezes, superando a hídrica. A fonte solar, que nem era explorada no país antes de 1980, hoje contribui com quase 2% do consumo nacional. E a eólica, que começou a ter expressão apenas em 2010, agora responde por 3%.
A expansão consolidou o Brasil como o sexto maior produtor de
energia do planeta. Ao mesmo tempo, a emissão de carbono por
habitante é menor que a de nada menos que 93 países. A lista dos que
poluem mais inclui Estados Unidos (em 11º lugar), China (25º) e
Alemanha (27º). Três dos maiores fornecedores industriais para o
mundo, essas nações dependem maciçamente de fontes poluentes
para manter seus parques fabris. Diferentemente do Brasil, que, como
lembrou Pires, por todo o caminho percorrido e pelo potencial ainda a
aproveitar, tem a possibilidade de ser o grande parque industrial
sustentável do planeta.
Amanda Sampaio e Artur Piva, Revista Oeste