Diante de nossa realidade interna, antes de nos lançarmos ao mundo, vamos precisar defender os interesses do Brasil dentro do próprio governo Lula
C omo um governo com apenas dois anos de mandato consegue ser ruim na diplomacia e na economia com tamanho esmero, como faz o governo Lula, é algo que deveria ser diligentemente investigado pelo Congresso Nacional, dado o dever de vigiar o Executivo que lhe é atribuído pela Constituição. Em condições normais de temperatura e pressão na democracia brasileira, a sucessão de erros e abusos da volta do lulopetismo ao poder já seria motivo para abertura de um processo de impeachment. Mas na democracia relativa em que a oposição é criminalizada, por ora, nada consegue avançar. No entanto, por mais que a desesperança vez ou outra assole a alma brasileira, é difícil imaginar por quanto tempo um governo tão pífio resistirá.
Ao protagonizar episódios que ridicularizam suas próprias políticas e ações, Lula 3 se tornou um meme ambulante de si mesmo, uma galhofa em tudo o que faz, uma piada automática. Em bom português, perdeu o respeito e a confiança, a fé dos brasileiros.
Na economia, o descontrole fiscal que produz rombo atrás de rombo, sem um mero sinal de que o governo conseguirá gastar menos do que arrecada, não dá trégua. E os números oficiais são inquestionáveis. Dados da Receita Federal mostram que a arrecadação cresceu 9,62% no ano de 2024. A máquina arrecadatória de Taxxad, alcunha galhofeira do ministro da Fazenda, não decepcionou a burocracia estatal. Mas, quando o crescimento previsto do PIB para o ano é de 3,5%, chega-se à conclusão matemática de que o governo está asfixiando a população e o setor produtivo com sua sanha arrecadatória que não se basta.
Porque evidencia também, de forma sintomática, que muito gasto público não melhora a vida da população e do país. Não por acaso, o poderoso chefão da política do governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, quando perguntado sobre a inflação em alta e o preço da laranja, recomendou que os brasileiros trocassem de fruta. Como? A laranja é a base da pirâmide do pomar, a mais barata e popular. Uma singela ida a uma feira pouparia o ministro do ridículo de ser confrontado com um fato que qualquer dona de casa sabe de antemão.
E a sucessão de bobagens parece interminável. Logo após a crise do Pix, uma tragédia de comunicação e gestão que só um governo muito inábil e desconectado da realidade consegue criar, como é o de Lula 3, o mesmo ministro Fernando Haddad já reagira com sinais confessos de despotismo e autoritarismo. Disse, em tom de ameaça, que “desacreditar um instrumento de política pública é crime”. A história bastaria para expor o escárnio, mas até o ChatGPT e a IA da Meta relacionaram a citação com regimes autoritários, como a Alemanha Nazista de Hitler, a ditadura soviética de Stalin e a atual Coreia do Norte. O governo que chama de nazistas e fascistas todos que apenas discordam dele foi relacionado ao nazismo numa simples consulta à inteligência natural dos livros de história contemporânea ou aos programas modernos de inteligência artificial.
Não por acaso, a recente pesquisa da Genial/Quaest, divulgada no início da semana, revelou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é desaprovado por 49% dos entrevistados. Foi a primeira vez que a desaprovação superou a aprovação (47%) nas medições do instituto. A maior queda se deu no Nordeste, que conta com o maior número de beneficiados pelo Bolsa Família, o programa assistencialista que pode estar se esgotando em garantir o mínimo aos mais pobres. Quando a feira e o mercado ficam mais caros, o tombo de popularidade é certo. Não foi diferente agora.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante entrevista no Palácio do Planalto, em Brasília (29/1/2025) | Foto: Dney Justino/Audiovisual/PR
A incapacidade do Palácio do Planalto e seus 39 ministérios em resolver os problemas mais básicos da economia nacional, com notável piora na percepção da população, talvez tenha levado o governo a tentar fabricar um inimigo externo. Difícil imaginar outra coisa acerca da tal crise dos deportados brasileiros pelos Estados Unidos. Não sei se o entorno de Lula se inspirou numa “Guerra das Malvinas” à brasileira para “unir o povo”. Seria preciso conhecimento de história para saber que o general Galtieri, ditador argentino, em meio a uma crise econômica no país, no início dos anos 1980, tentou retomar à força o arquipélago dos ingleses. Perdeu a guerra, foi deposto e aumentou a crise.
Se a intenção foi essa ou não, ocorre que a iniciativa tresloucada não resistiu aos fatos, às redes sociais, ao jornalismo livre de verbas federais, como a Revista Oeste, e à inteligência das pessoas que este governo subestima com frequência demasiadamente perigosa. Não demorou muito e descobriu-se que o voo de Manaus era ainda de deportações determinadas no governo Biden, que o governo do democrata foi dos que mais deportaram brasileiros, que sempre foram trazidos algemados para o país e que, além de brasileiros que cometeram o crime de entrar ilegalmente nos Estados Unidos, entre os devolvidos havia condenados por homicídio culposo e por lavagem de dinheiro. Para piorar, o governo colombiano de Gustavo Petro, aliado de Lula e do Foro de São Paulo, ousou não aceitar seus próprios cidadãos, igualmente deportados. Em menos de duas horas, protagonizou um dos capítulos mais desmoralizantes para o populismo barato latino-americano. Ameaças de tarifas comerciais e de revogação de vistos à família de Petro e à de altos funcionários de seu governo, determinadas por Donald Trump enquanto jogava golfe, fizeram o colombiano voltar atrás rapidamente.
Gustavo Petro Urrego, presidente da Colômbia, durante um debate em Bogotá, na Colômbia (22/11/2021) | Foto: Shutterstock
Lula, por cuidado ou falta de criatividade, não cometeu o mesmo erro. No entanto, isso não o inocenta de expor o país a um debate sem razão. Uma coisa é defender a lei internacional sobre presos e melhores condições no transporte de deportados brasileiros, outra é fazer proselitismo político-ideológico de quinta categoria ao demonstrar indignação seletiva, somente agora, com a Casa Branca ocupada por Trump, a quem Lula comparou no ano passado com “a volta do fascismo com outra cara”. História não é realmente o forte do atual governo.
A esperteza, quando é demais, vira bicho e come o dono, diria Tancredo Neves, reproduzindo o ditado popular. Por mais óbvio que seja, vale sempre repetir: Donald Trump foi eleito pelos eleitores norte-americanos para defender os interesses dos Estados Unidos. Ponto. O que nos cabe é perguntar quanto Lula está preparado para defender os interesses dos brasileiros. Porque vamos precisar. A ameaça de impor tarifas a produtos de exportação do mundo inteiro já chegou ao Brasil, na declaração do próprio presidente americano. É uma das primeiras consequências do America First, um conjunto de ideias que não tergiversará em lançar medidas protecionistas para recuperar a economia e os empregos americanos.
Donald Trump, presidente dos EUA, assina ordens executivas no Salão Oval da Casa Branca, em Washington (30/1/2025) | Foto: Reuters/Elizabeth Frant
Em relações externas, você só controla de fato o seu lado. Reclamar do comportamento ou querer moldar as decisões do presidente da nação mais poderosa do planeta é completamente improdutivo, uma perda de tempo. A resposta brasileira, seja em que campo for, precisa ser baseada em diplomacia de gente grande, longe de ideologias populistas, coisa que o país já demonstrou ter antes da desfiguração do Itamaraty sob Lula.
É preciso uma diplomacia técnica, altiva, baseada em pragmatismo na defesa do competente mercado exportador brasileiro e do interesse nacional. Sabemos como fazer porque já fizemos. Em 2008, o Brasil ganhou, na Organização Mundial do Comércio, o direito de retaliar os EUA em US$ 800 milhões por subsídios ao algodão, numa contenda que já se arrastava por sete anos, depois que os americanos enfrentaram os novos e habilidosos negociadores brasileiros da renovada diplomacia nacional formada no governo de Fernando Henrique Cardoso.
De um jeito ou de outro, precisaremos também de um estratégico e consciente “Brazil First” para enfrentar os novos tempos. Temos como fazer. Mas, diante de nossa realidade interna, antes de nos lançarmos ao mundo, vamos precisar defender primeiro os interesses do Brasil dentro do próprio governo Lu
Adalberto Piotto - Revista Oeste