Manter-se altivo na mesa de negociação e preservar a fatia de mercado internacional requer cuidar antes do próprio umbigo
Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Reuters/Carlos Barria/Ricardo Stuckert/PR/IA
Duas máximas precisam ser entendidas pelo governo Lula nas relações que pretende ter — porque precisará ter — com a volta triunfal de Donald Trump à Casa Branca. A primeira é que nações não têm amigos, nações têm interesses. É uma lógica da diplomacia internacional que não cede a apelos do vitimismo woke ou do progressismo inepto. Ninguém que leva a sério o mundo terá tempo para isso a partir de agora. E a segunda é que o presidente americano é eleito para defender os interesses dos americanos. Por mais elementar que isso seja, acredite, no Brasil de Lula, o óbvio precisa ser dito, porque o lulopetismo tergiversa em defender o nosso maior ativo nacional, o agronegócio brasileiro técnico, moderno, eficiente e que alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo,
Nosso maior ativo nacional, o agronegócio brasileiro técnico, moderno, eficiente e que alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo | Foto: Shutterstock
Tudo isso posto, a pergunta que requer resposta é como serão as relações do Brasil com os Estados Unidos diante de um presidente americano que é um negociador nato, ousado e que está no auge de sua popularidade e poder. Donald Trump se tornou o 47º presidente dos Estados Unidos ganhando no voto popular, em todos os estadospêndulo, consequentemente no número de delegados, e fez a maioria nas duas Casas do Congresso.
Além de ter seis dos noves juízes da Suprema Corte com orientação conservadora e estrito senso de respeito pela legalidade, institucionalidade e separação dos Poderes, o que significa dizer que Trump não sofrerá com ativismos judiciais que lhe ceifem o poder.
Comparativamente, Lula vive sua decadência política interna e externa. No mundo, não tem mais nenhum palco relevante. Dentro do país, pesquisas de opinião que mostram a popularidade do presidente ladeira abaixo só confirmam os fatos. Lula 3 é um presidente de arcondicionado, de cercadinhos protegidos e rodeados por áulicos que lhe afagam com inabalável profissão de fé, dentro e fora do Palácio do Planalto, porque bem remunerados. Desconectado da realidade, com ideias do século passado, seu governo é politicamente fraco e uma tragédia fiscal. Em condições normais de temperatura e pressão, estaria sob o risco de um impeachment.
Sustentado politicamente apenas pela absurda parceria com o STF e, ocasionalmente, por acordões com enormes cifras de emendas parlamentares, mantém-se no poder. Incapaz de fazer uma gestão austera e competente, o que gera insegurança jurídica, afasta investimentos e pressiona a inflação. Os números do desemprego teoricamente baixos, que lhe dariam algum fôlego de imagem, são questionáveis, seja pela exclusão de beneficiados de programas sociais — que recebem subvenção estatal, não renda advinda de trabalho —, seja pelas recentes manifestações de técnicos do IBGE que têm se oposto publicamente aos métodos de Marcio Pochmann, o homem do presidente na presidência do principal instituto nacional de estatísticas, as mesmas em que o mundo precisará confiar.
Donald Trump se tornou o 47º presidente dos Estados Unidos ganhando no voto popular, em todos os estados-pêndulo,
consequentemente no número de delegados, e fez a maioria nas duas Casas do Congresso | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Nas relações internacionais, o tamanho do Brasil e a tradição de sua diplomacia colocariam o país como um possível parceiro para a mediação internacional de um acordo dos dois maiores tormentos da humanidade hoje: o Hamas e seus asseclas na Faixa de Gaza, que representam o avanço do terrorismo no mundo depois da omissão da gestão Joe Biden e de governos europeus fracos; e a invasão da Ucrânia, uma guerra de expansão territorial, datada do século 20, provocada pela Rússia, que deu a Putin um protagonismo que tinha perdido no tabuleiro internacional de poder. Em ambos os casos, Lula foi um desatino diplomático que envergonha os brasileiros. Declarado persona non grata em Israel por sua indisfarçável simpatia pelo grupo terrorista e ausência de empatia com as famílias das vítimas dos sangrentos ataques do 7 de outubro de 2023, o Brasil está automaticamente descartado de qualquer conversa que envolva o principal aliado dos EUA no Oriente Médio. Na guerra na Ucrânia, o histórico de Lula, que estabeleceu falsa equivalência entre a Ucrânia invadida e os russos invasores, já seria suficiente para afastar o Itamaraty de qualquer conversa. Não por acaso, Trump desdenhou da tal proposta de paz formulada por China e Brasil respondendo com uma pergunta: “O Brasil está envolvido nisso? Não sabia”. Claro que sabia. Da proposta do acordo e da incapacidade e irrelevância de Lula no caso. Uma potência mundial se faz pela preponderância em pelo menos cinco áreas: diplomacia, ciência e educação, poder militar, economia e, num mundo que cresce, segurança alimentar. Em cada uma dessas áreas, um país precisa ser a solução do planeta ou uma força inquestionável de dissuasão. Os Estados Unidos são a única nação no mundo com todos esses requisitos. Trump sabe disso e vai usar cada um desses superpoderes, seja na intermediação diplomática ou militar de um conflito, na oferta de ajuda humanitária com poder financeiro e logística de rápida atuação, seja para liderar a humanidade na vanguarda do conhecimento. Acabou de anunciar uma parceria com OpenAI, Oracle e Soft Bank de US$ 500 bilhões para o desenvolvimento da inteligência artificial e, no discurso de posse, revelou planos de colocar a bandeira americana em Marte. E tem no seu primeiro escalão ninguém menos que Elon Musk, dono da Starlink, a maior rede de satélites privados de comunicação, de foguetes que dão marcha à ré e defensor da liberdade de expressão no X, a mais importante plataforma de debate político internacional. Ele mesmo, o que foi xingado por Janja.
Foguete da SpaceX, de Elon Musk | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Conhecer como atua quem está do outro lado de uma mesa é vital para qualquer negociador. Mostrar-se capaz, forte e respeitável, também. O governo de Lula não demonstra ter nenhuma dessas qualidades. Em plena campanha, Lula reproduziu a estúpida e cansativa lacração da “volta do nazismo e do fascismo”, ao descrever a candidatura de Trump, eleito na maior democracia do mundo por eleitores realmente livres. Foi um erro tão grotesco de diplomacia que comprometeu de véspera toda e qualquer mensagem do país ao novo governo americano, como o desejo de “relações civilizadas” com os EUA, logo depois da eleição do republicano, ou no post em seu perfil oficial realçando o histórico das relações de amizade entre os dois países.
Em condições normais, o post seria apenas protocolar. Soou como uma tentativa de mostrar alguma racionalidade depois da série de bobagens movidas a ideologia empoeirada e pretensão de dar palpite na soberania alheia. Já havia errado na eleição de Javier Milei, na Argentina. Errou de novo. Daí que, antes de o Brasil se preocupar com o que poderá vir da Casa Branca, são os problemas domésticos que deveriam preocupar o governo federal. O Brasil precisa ser bom primeiramente para os brasileiros. Não tem sido. Divido em dois momentos. É quase previsível que eventuais sanções ao país sejam aplicadas diante da degeneração da democracia e das liberdades individuais sob o regime de Lula.
A prisão de opositores políticos e a perseguição de empresas americanas pelo STF — o X e a Starlink, por exemplo —, afrontando as leis nacionais e a própria Constituição brasileira, são explícitas e chegam a nos nivelar à Venezuela. Por reciprocidade, o que impediria a apreensão de um navio da Petrobras ou o congelamento de uma conta financeira do Brasil em algum banco do mundo? Transações comerciais de pagamento são feitas pelo sistema Swift. De fato, são os norte-americanos que mandam no Swift. Num segundo estágio, a eventual aplicação de tarifas comerciais sobre nossos produtos de exportação aos EUA é algo de relativa preocupação, porque tarifas são negociáveis e passageiras. A excelência do que produzimos e a posição estratégica do Brasil no cenário internacional, sobretudo para reduzir a influência chinesa no continente sul-americano, são trunfos made in Brazil e, de certa forma, mitigam os riscos.
O drama nacional está muito mais exposto a perder competitividade nas cadeias globais de investimento. Enquanto a política de Trump será de desburocratização, redução de impostos e incentivo ao empreendedorismo, visando justamente a atrair empresas que antes tinham migrado para a China na revoada de volta ao Ocidente que já está acontecendo, o Brasil acaba de anunciar uma reforma tributária confusa que vai conviver com o modelo anterior por anos, e ainda tem uma carga tributária em relação ao PIB de 33%. Sob a nova reforma, estima-se que teremos o maior IVA do mundo, de 28%. Na Índia, a carga de impostos sobre o setor produtivo é de 19%. No México, de 18%. Ambos são emergentes e nossos reais competidores em atrair capital privado. Não que o novo governo Trump não deva ser considerado, mas, na equação brasileira, o governo Lula que aumenta gastos e impostos é hoje o maior dos nossos problemas.
No final de cada um dos dias dos próximos quatro anos, o presidente dos Estados Unidos estará apenas defendendo os interesses dos americanos. Fará o mesmo o presidente brasileiro em nome do país que deveria governar e defender? Dois anos depois de piorar as estatísticas brasileiras, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se viu obrigado a lançar um pacote de 25 medidas. Parte considerável é óbvia, de aumento de taxas ou de nenhum efeito.
Das cinco premissas que definem uma potência, a forma de Lula 3 agir piora o Brasil em quatro: na diplomacia que foi desfigurada; na educação e na ciência, prejudicadas pelo progressismo woke da atrasada esquerda brasileira (inclusive a universitária); na economia, capenga no básico da responsabilidade fiscal, da competência administrativa e da geração de ambiente favorável ao investimento; e ainda faltam recursos para as Forças Armadas, vide os atrasos na entrega dos caças Gripen, na modernização da Marinha e até na compra de obuseiros para o Exército.
O Brasil é forte mesmo justamente onde o governo Lula critica, desrespeita o direito à propriedade, faz campanha contra e onde a sociedade e os outros governos, desde os militares, se detiveram como um projeto de nação: a segurança na oferta de alimentos aos brasileiros e ao mundo por uma agropecuária competente, eficiente e ambientalmente correta, que entrega resultados — e comida ao planeta —, mesmo sob o mais severo e rígido código florestal do mundo. Adicione-se também ao combo nacional a excelência da Embraer e a engenharia da Petrobras, para citar apenas algumas empresas de referência internacional, além de nossa capacidade de extrair recursos naturais e a potência energética de economia verde que somos. De certa forma, tornamo-nos importantes e imprescindíveis ao mundo, mas isso não basta para nos proteger de um esperado protecionismo por parte dos Estados Unidos.
Dois anos depois de piorar as estatísticas brasileiras, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se viu obrigado a lançar um pacote de 25 medidas | Foto: Washington Costa/MF
Manter-se altivo na mesa de negociação e preservar a fatia de mercado internacional requer cuidar antes do próprio umbigo. Problemas econômicos domésticos se resolvem internamente. Não é difícil afirmar que 90% das informações erradas sobre o agronegócio brasileiro, que ONGs e governos estrangeiros usam contra nós por interesses comerciais, são fornecidas pelos “especialistas” de entidades brasileiras especializadas em boicotar o país.
Mesmo sendo uma potência na produção de grãos e de proteína animal, quanto usamos isso como ferramenta de negociação com os chineses, por exemplo. Pressionada pela guerra comercial com os Estados Unidos no primeiro mandato de Donald Trump, a China acabou aceitando comprar mais soja dos americanos para manter as exportações de suas fábricas ao mercado americano. Cachorros grandes latem e se entendem. A ameaça de novas tarifas contra produtos industrializados chineses nesta nova gestão pode gerar perdas para os exportadores de soja brasileiros. É aí que entra uma diplomacia forte. Teremos?
Outro mercado, o de aço, também pode afetar o Brasil. A gigante siderúrgica brasileira Gerdau, que também atua nos EUA, tem reclamado que o sistema de cotas não foi capaz de impedir a invasão do aço chinês no país. Ocorre que a China também exporta para os EUA. Se a Casa Branca impuser novas alíquotas que encareçam as importações do aço chinês para o mercado doméstico americano, o temor é que o Brasil seja o destino do excedente do país asiático. Como defender os interesses brasileiros de cabeça baixa por escolhas ideológicas do atual governo?
Não entraremos em guerra militar com a China ou com os Estados
Unidos. Em que pese a lamentável incapacidade brasileira de enxergar
a Defesa Nacional como estratégica, será na diplomacia comercial que
se jogará o jogo. Para isso, precisamos parar de exportar custos e
problemas internos. Criar competências de Estado e comerciais. E
jamais deixar a ideologia falar mais alto que os interesses nacionais.
Afinal, nações não têm amigos
Revista Oeste