sábado, 6 de março de 2021

"Louquidão", por Guilherme Fiuza

 

Ônibus em Curitiba. Imagem ilustrativa.| Foto: Gerson Klaina/Gerson Klaina


– Opa, tudo bem?


– Tudo indo. E com você?


– Tudo indo também. Quer dizer: indo é bondade. Tudo meio parado.


– Aqui no ônibus pelo menos a gente anda.


– Isso é verdade. Você sobe sempre nesse ponto?


– Sim. Moro aqui.


– E vai saltar onde?


– Aqui mesmo.


– Como assim? Você mal entrou e já vai saltar?


– Não, agora não.


– Você não disse que saltaria aqui mesmo?


– Isso. Daqui a duas horas mais ou menos.


– Ah, tá. Mas antes de voltar ao seu ponto daqui a duas horas e ir pra casa você vai saltar onde?


– Lugar nenhum.


– Não entendi. Pra onde você tá indo agora?


– Pra casa.


– Mas você acabou de sair de casa e pegar esse ônibus!


– Eu sei. É que o lugar pra onde eu iria não posso ir.


– Que lugar?


– Praia. Eu vendo biscoito na praia.


– Certo. E hoje você não vai vender.


– Não.


– Por causa do vírus?


– É.


– Não tem gente na praia pra comprar.


– Tem.


– Então não entendi.


– Tá proibido vender biscoito.


– Ah... Descobriram que o biscoito é contagioso?


– Não sei. Só sei que não pode vender.


– Então você saiu de casa pra voltar pra casa?


– Acho que foi mais ou menos isso.


– Desculpe perguntar: se não pode trabalhar, por que você saiu de casa e se meteu num ônibus lotado?


– Porque lá em casa tá lotado também.


– Ah, é?


– É. Todo mundo é ambulante. O meu mais velho botou uma música e já veio um guarda perguntar se era festa. Que não pode festa.


– O que vocês responderam?


– Nada. Falei pro garoto desligar a música e foi todo mundo pegar ônibus.


– Ônibus não tem problema, né?


– Não. Ônibus é tranquilo.


– Pelo menos isso.


– É. Acho que esse vírus tá mais é certo.


– Por quê?


– Eu também prefiro biscoito que ônibus.



Gazeta do Povo