Psiquiatra é autor de várias obras, entre elas o livro Terapia de Guerrilha
Italo Marsili é médico psiquiatra com dez anos de experiência, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É autor do best-seller “Os quatro temperamentos na educação dos filhos” e ministra cursos online nas áreas de relacionamentos, temperamentos e suplementação.
Em “Terapia de Guerrilha”, livro publicado em 2019 pela editora Auster, o psiquiatra descreve a geração atual como soft, desacostumada a qualquer tipo de intempérie, contrariedade ou incômodo. Por isso, Marsili propõe um remédio cujos componentes são: trabalhar, servir, ser forte e, last but not least, não encher o saco.
A Oeste, o psiquiatra elucidou os pontos fundamentais desta sua obra, que, grosso modo, é um manual anticoach, um chamado a autorresponsabilidade.
“Essa sua inveja ainda acaba com você” é o terceiro capítulo do Terapia de Guerrilha. Por que tratar sobre esse tema, a inveja, no livro?
A inveja é um dos temas mais importantes do meu livro, porque no Brasil ela é endêmica. Este é o país da maledicência disfarçada de piadinha, de “senso de humor”. Quem acha que denegrir a imagem dos outros é engraçado não sabe nada sobre bom humor, não passa de um invejoso que se rói por dentro. A inveja é um veneno para a alma. Um país de invejosos — de pessoas que não querem prosperar como o vizinho, mas afundá-lo — é um país que não tem como crescer. Muita gente tenta se proteger da inveja do outro, mas não olha para si mesmo, não trata da sua inveja primeiro. No meu livro, eu deixo muito claro: pare de olhar para a inveja do lado de fora. Encare a sua própria inveja, reconheça que ela existe, e de hoje em diante nunca mais pense mal de ninguém. Só abra a boca para falar bem dos outros. Na hora em que você tentar viver assim, vai ver que é difícil — vai se deparar com o tamanho da sua inveja. É aí que o trabalho começa.
Você recomenda aos homens que adquiram, antes de tudo, a força física. Só depois, de acordo com a sua teoria, os rapazes devem buscar a bondade. Por qual razão a força é mais importante do que a bondade?
Esse é o sujeito que não consegue fazer as coisas, desiste da luta porque é um fraco, mas sai de campo afetando superioridade moral só para não se sentir por baixo. A bondade nasce da força. Um sujeito fraco, que não vence as dificuldades, que desiste na primeira, não pode ser bom. Como alguém que não consegue ajudar ninguém pode ser bom? Você não é bom só porque evita o mal; você tem de ser bom fazendo o bem. E só faz o bem quem reuniu força para isso. No meu livro eu enfatizo que o sujeito tem de primeiro buscar a força física. A força física é um análogo da força moral. Se o sujeito não consegue levantar um peso, não consegue vencer a fraqueza do próprio corpo, não vai conseguir vencer os vícios morais, que são muito mais sofisticados. E não adianta dizer “ah, mas os santos não puxavam ferro”, porque você está muito longe de ser um santo. Você nunca vai amadurecer se não aprender a olhar para a sua posição exata na realidade. Ganhar força física ajuda o sujeito a ver suas limitações reais, e também suas possibilidades reais, e o efeito disso recai sobre a pessoa inteira. Ela começa a ver que não é o Super Homem, mas que pode ser alguma coisa melhor do que é hoje. O desejo de ser bom antes de ser forte é uma das fontes de neurose.
Em diversos trechos do livro, você diz que ser útil aos outros é a melhor maneira de o sujeito melhorar sua autoestima. Explique isso.
Um dos pilares do que eu chamei de “Terapia de Guerrilha” é o serviço. Aprender a fazer coisas, tornar-se útil, é a única maneira de melhorar a tal da “autoestima”. Tem um monte de gente que me escreve: “Dr. Italo, eu preciso ter mais autoestima”, “Preciso me amar mais”. Isso é um sintoma de imaturidade. O sujeito tem baixa autoestima justamente porque fica só olhando para si mesmo o tempo todo. E o que tem dentro da gente? O que você acha que tem dentro de você? Dentro de você só tem vícios, maus hábitos, desejos tortos, desorientação. Aí o sujeito quer ficar olhando para isso até que a coisa toda se transforme magicamente e ele passe a amar a si próprio. É claro que isso só pode dar errado. Servir aos outros, ser útil, possibilita esse sair de si que vai resolver grande parte dos problemas.
O décimo capítulo do Terapia de Guerrilha chama “Não sabia que era impossível, foi lá e fez (#SQN)”. O que você quis dizer com isso?
Quem é da minha idade, na faixa dos trinta, deve ter ouvido aquela música da Xuxa quando criança: “Tudo que eu quiser o cara lá de cima vai me dar”. Isso entrou fundo no coração de muita gente. O sujeito cresce acreditando que, para que as coisas aconteçam, basta querer; se não deu certo, é porque não era para ser. Isso nunca é verdade para as coisas que dependem de você. Se você não se esforçou por dez anos, trabalhando, sem aplauso, sem confete e sem reclamar, não pode dizer que “não era pra ser”. As pessoas que saem repetindo essa bobagem de “você pode tudo, basta acreditar” estão prestando um desserviço, porque a coisa realmente não é assim. Você tem de olhar para as suas circunstâncias, as suas determinações físicas, psicológicas, geográficas, sociológicas, intelectivas, e ver realmente o que dá para fazer. É neste campo que você poderá exercer sua liberdade e fazer alguma coisa acontecer. O sonho que não é articulação entre projeção e realidade não é sonho — é escape, fuga. É só mais uma desculpa, no fim das contas, para você jogar a culpa do seu fracasso nos outros e dizer que “tentou”. Quem não leva em conta a realidade não está tentando de verdade; está só se exibindo. Esse comportamento revela uma profunda imaturidade — é o sujeito que cresceu acreditando na musiquinha da Xuxa.
“Ninguém te deve nada” é uma das teses mais importantes do livro. Qual é a ideia que você quis transmitir com esse lema?
O “Ninguém te deve nada” viralizou, e o próprio sucesso dessa frase que eu popularizei revela o estado em que estamos: tinha um monte de gente achando que o mundo lhes devia alguma coisa, achando que os pais lhe deviam alguma coisa, que o patrão lhes devia alguma coisa. Isso precisa ser bem entendido: não é que você não deva cobrar o seu salário atrasado. Existem obrigações que você pode legitimamente cobrar, pelos meios devidos. Cobre-as da forma correta e não pense mais no assunto. O que envenena o sujeito é viver remoendo o rancor por ter sido protelado, desprezado, esquecido. Você já recebeu nesta vida muito mais do que é capaz de dar em retorno. Você não pode recompensar quem lhe deu a vida — por mais ausentes que seus pais tenham sido, isto eles fizeram, e você não pode fazer isso por eles. Não pode recompensar quem o mantém na existência. Não pode recompensar todos os indivíduos anônimos que limpam a cidade, que mantêm as coisas funcionando para que você tome o seu café de manhã, o seu banho à noite. É contra esse estado mental de cobrança que eu bato, porque ele arraiga a pessoa na imaturidade, no infantilismo.
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Edilson Salgueiro Júnior, Revista Oeste