quinta-feira, 30 de julho de 2020
"Saudades de Ronald Reagan", por Wagner Hertzog
Ronald Reagan, sem dúvida nenhuma, foi o último de uma nobre linhagem de notórios conservadores. Fundamental para colocar os Estados Unidos de volta no caminho do desenvolvimento e da prosperidade depois de décadas de nefasto e sórdido progressismo — que já causava dramáticos efeitos deletérios na economia, na política e na cultura americana —, Reagan representou um sopro de ar fresco na podridão política da sua época.
Sem dúvida nenhuma, Ronald Wilson Reagan mostrou ser um indivíduo com um olhar lúcido sobre as mais variadas questões políticas, alguém que não resguardava ilusões quanto ao papel sistemático do estado e do governo como parasitas contundentes da sociedade americana.
De maneira que a questão primordial, intrínseca à toda sua carreira política, sempre foi buscar formas e maneiras de retirar o estado e sua obesidade mórbida, bem como todos os seus abusivos custos agregados, da vida dos cidadãos americanos.
Sua marca registrada sempre foi a franqueza, a sinceridade, e o cinismo com que tratava política, estado e governo. Ao contrário dos estatistas clássicos — paternalistas ingênuos que costumam enxergar estado e governo como solução para tudo —, Reagan notabilizou-se por falar verdades francas e honestas sobre a política, o establishment e a economia.
Algumas de suas sentenças mais famosas viraram aforismos clássicos do movimento conservador. Sua mordacidade e sinceridade ao falar de política representavam uma singularidade extremamente incomum e impopular no meio político, por razões óbvias. Mas elas dialogavam de forma salutar com o eleitorado, o americano comum de classe média, que trabalhava arduamente para pagar impostos exorbitantes, e assim deixar o governo desmesuradamente rico.
Reagan imediatamente conquistou a simpatia de eleitores contentes em ter na política alguém encarando questões de um ponto de vista mais ético, sob a perspectiva do cidadão comum, com a pretensão de beneficiá-lo, e tirar estado e governo, tanto quanto fosse possível, do seu encalço.
Natural de Tampico, no estado do Illinois, Reagan teve uma vida profissional muito incomum. Quando foi para a Califórnia na juventude, no final da década de 1930 — depois de uma audição muito bem-sucedida para um filme —, Reagan ingressou na indústria cinematográfica.
Em questão de pouco tempo, tornou-se um ator famoso, e teve uma carreira muito bem sucedida, que durou quase trinta anos. Durante as três décadas em que Reagan trabalhou como ator, ele foi presidente do Screen Actors Guild (SAG), o sindicato da categoria, por duas vezes.
Nesta época, no entanto, Reagan já era um indivíduo altamente politizado; sua convicção política mais proeminente — que perduraria pelo resto de sua vida — era o seu inflexível e ostensivo anticomunismo.
Durante a sua carreira como ator, Reagan trabalhou como informante infiltrado do FBI, delatando celebridades e personalidades da indústria cinematográfica que eram simpatizantes do comunismo (ou suspeitas de ser). Reagan foi uma das poucas estrelas do cinema americano que não escondia sua repulsa pelo marxismo, mesmo que isso lhe custasse oportunidades de trabalho, popularidade e a própria carreira.
O jovem ator fazia tudo o que estivesse ao seu alcance para desmantelar os inúmeros núcleos de influência comunista que encontravam-se em exponencial ascensão em Hollywood.
Reagan, no entanto, como a maioria dos seus correligionários na indústria cinematográfica, era — paradoxalmente — um democrata, e não um republicano. Apenas em 1962 trocaria sua filiação partidária.
Devemos lembrar, no entanto, que naquela época, tanto o partido democrata quanto o republicano estavam muito mais à direita do diagrama político do que estão hoje. Com o passar das décadas, ambos deram proeminentes guinadas à esquerda, com o partido democrata sendo efetivamente o partido que está mais à esquerda no diagrama político.
Na metade dos anos 1960 — depois de quase trinta anos na indústria cinematográfica — os papéis e as oportunidades tanto no cinema como na televisão começaram a ficar escassos, porém o interesse de Reagan por política aumentava na mesma proporção em que o trabalho como ator diminuía.
Foi nessa época que Reagan decidiu iniciar uma nova etapa na sua vida, e tornar-se um político profissional. Em 1966, Reagan candidatou-se para governador da Califórnia.
Seu discurso, sua sensibilidade e sua proposta de resgatar os valores tradicionais americanos apelaram fortemente ao eleitorado californiano. Este se tornaria, basicamente, o seu credo pessoal, e iria delinear os princípios fundamentais de suas convicções políticas pelo resto de sua vida.
Igualmente consciente de que a social-democracia — da mesma forma que o socialismo tradicional — causavam uma cáustica e dramática ruptura no tecido social e econômico, uma de suas promessas foi lutar contra o welfare state, que naquela época, já havia criado sólidas raízes na política americana.
Reagan afirmou que pretendia "colocar os vagabundos que vivem de assistencialismo para trabalhar".
Reagan ganhou as eleições, e tornou-se governador da Califórnia em 1967. Seu período como governador do estado foi de relativos e surpreendentes êxitos. Tanto que, em 1971, Reagan conseguiu facilmente reeleger-se.
Adquirindo experiência política, o republicano — que gradualmente se tornava um baluarte e uma referência para os conservadores americanos — foi aprendendo a conquistar a flexibilidade e a maleabilidade exigidas pelo jogo político, mas sem renunciar aos princípios que o levaram a ingressar na carreira política, que seriam aplicados em escala nacional quando Reagan se tornasse presidente.
Quando seu segundo mandato como governador terminou, em 1975, Reagan não quis concorrer a um terceiro, pois tinha uma ambição muito maior: concorrer à presidência da república.
Nas primárias de 1976 do partido republicano, Reagan conseguiu estabelecer-se como uma figura viável para a presidência, embora nesta ocasião tenha perdido para Gerald Ford. Na campanha presidencial de 1980, ele se mostraria pronto como nunca para tomar a Casa Branca de assalto, e propor um resgate dos valores americanos tradicionais em escala nacional.
Nesta época, início dos anos 1980, uma sociedade americana que via com certa repulsa e desdém a extrema contaminação dos seus hábitos culturais pelo progressismo — e o expansivo estado paternalista que havia adquirido um espaço demasiadamente extorsivo e intrusivo em suas vidas — viram em Ronald Reagan a possibilidade de resgatar ao menos alguns dos valores fundamentais da sociedade americana, que foram o baluarte do seu sucesso histórico, sem precedentes na história humana: um governo limitado e liberdade econômica.
Podemos dizer que tanto quanto as propostas de Reagan, o desespero da sociedade americana em resgatar seus valores fundamentais foi o que o elegeu presidente dos Estados Unidos em 1981. Na época com 69 anos, Reagan era então o indivíduo mais velho a tornar-se presidente dos Estados Unidos. Essa distinção foi superada pelo atual presidente, Donald Trump.
Ao tornar-se presidente, as políticas de Reagan tornaram-se a propulsão para uma formidável guinada conservadora na sociedade americana, imbuída por uma proposta consistente alicerçada em um genuíno resgate de valores.
Reagan tentou instituir um momento de oração nas escolas, denunciando o que ele chamava de "a expulsão de Deus das salas de aula americanas". Reagan também colocou em ação um plano econômico que ficou conhecido como Reaganomics, que consistia na implementação de diversas medidas que seriam catalisadoras de um formidável nível de prosperidade, como amplo corte de gastos do governo, redução da carga tributária, exoneração fiscal sobre a livre iniciativa, supressão de restrições ao livre mercado e uma filosofia produtiva com base no lasseiz-faire.
Em questão de pouco tempo, os resultados destas medidas mostraram seus efeitos benéficos, com uma redução substancial dos índices de desemprego, e um aumento significativo no padrão e na qualidade de vida da população.
Em 1985, Reagan seria reeleito, e proporcionaria aos americanos a continuidade de uma gestão que lhes havia sido um benévolo refrigério, com políticas que lhes haviam propiciado um nível razoável de progresso e prosperidade material que os governos anteriores — em sua maioria democratas — lhes haviam negado.
Evidentemente, no entanto, nem tudo foi formidável e fantástico. Reagan lidou com diversos problemas, com graus variados de sucesso, como a Guerra Fria, que nesta época dava seus últimos estertores, e o escândalo de armas contrabandeadas para o Irã, com receita destinada a financiar os Contras, movimento de contrarrevolucionários insurgentes que lutavam para desmantelar o movimento sandinista na Nicarágua.
Tendo sobrevivido a uma tentativa de assassinato logo depois de ter sido empossado para o seu primeiro mandato presidencial, Ronald Reagan enfrentou em sua vida pública uma sucessão de desafios, que em inúmeras situações o tentaram impedir de entregar à sociedade americana aquilo que ele havia prometido.
Tendo combatido o comunismo com ostensiva mordacidade desde a juventude, e lutado a boa luta com determinação e vigor ao longo de toda a sua vida para cultivar na sociedade americana os valores que a tornaram singular — e que podem ser facilmente dispersos, negligenciados e esquecidos com governos democratas —, Ronald Reagan foi um dos poucos presidentes americanos que não alimentaram seu eleitorado com promessas ou ilusões.
Antes o contrário, com uma visão lúcida, cínica e cética com relação à política, e sua franqueza e sinceridade com relação à natureza do estado e do governo — e a relação das instituições públicas para com o cidadão, que são via de regra vantajosas apenas para uma das partes —, não nos resta a menor dúvida de que Ronald Reagan foi o último de uma aguerrida linhagem de genuínos conservadores, um indivíduo que não estava disposto a arrefecer de seus princípios, tampouco arruinar vidas seguindo o comportamento padrão da política, majoritariamente indiferente, demagógica e coletivista.
Das preciosas lições que Ronald Reagan nos deixou, está a importante reflexão de que todo conservador deve ser um libertário.
Em uma entrevista, Reagan falou:
"Penso que o ponto central da minha filosofia vai bem mais pelo libertarianismo";
então o entrevistador o interrompeu, e disse:
"A palavra com menos afeição atualmente, eu creio. Um conservador não é mais apenas isso, ele é um libertário."
Reagan continuou:
"Sempre foi. Como designamos um esquerdista? Sabe, alguém com muita profundidade disse uma vez a muitos anos atrás, 'se o fascismo alguma vez vier aos Estados Unidos, virá pelo esquerdismo'. O que é fascismo? O fascismo é propriedade privada e iniciativa privada, mas com o controle total do governo sobre a regulação. Não é essa a filosofia esquerdista? O dito conservador é aquele que diz, Menos governo! Saia de cima de mim! Tire a mão do meu bolso! E me deixe ter mais controle do meu próprio destino."
Desde sempre, seus princípios o levaram a analisar os problemas na origem, com ética, sensatez e astúcia, o que o levou a compreender a política do ponto de vista do cidadão comum, considerando sempre como este é afetado pelas decisões unilaterais do governo, em todas as suas esferas de atuação.
Colocando em primeiro lugar o bem-estar do cidadão, Reagan, ao contrário da grande maioria dos dirigentes governamentais, nunca priorizou a instituição extorsiva e escravagista representada pelo estado; uma organização essencialmente parasitária, corrosiva e destrutiva por ele próprio denunciada como tal, que — senão for apropriadamente controlada e limitada — tende a engolir toda a sociedade em sua fatídica e estarrecedora voracidade exprobatória.
Sem dúvida nenhuma, Reagan foi não apenas um dos melhores presidentes dos Estados Unidos, mas também um dos mais grandiosos estadistas que o mundo já conheceu. Depois de seu segundo mandato presidencial, que findou em 1989, Reagan retirou-se da vida pública. O saudoso velhinho natural de Tampico, Illinois, morreu em Los Angeles, na Califórnia, em junho de 2004, aos 93 anos de idade.
Wagner Hertzog
Jornal da Cidade