sexta-feira, 31 de julho de 2020
"A violenta revolução progressista", por Ana Paula Henkel
Os radicais de hoje não foram educados por tradicionalistas — o que poderia atenuar sua agressividade —, mas por radicais mais velhos, justiceiros sociais tardios e ressentidos
Nos anos 1960, os Estados Unidos foram tomados por protestos em massa que pediam mudanças radicais na atitude do país em relação a raça, classe, gênero e orientação sexual. Entre os motivos que alimentaram a desobediência civil, interrompendo as manifestações legítimas e pacíficas, a Guerra do Vietnã, o crescimento de simpatizantes ao progressismo e as eleições presidenciais de 1968.
O ano é 2020. Não há uma guerra em curso, a guerra atual é contra um inimigo invisível, mas há um notável retorno da simpatia a políticas progressistas num ano de eleições presidenciais.
A revolução da década de 1960 introduziu no país um pouco de tudo. Ideais socialistas, hippies, liberdade sexual, uso excessivo de drogas, altas taxas de divórcio, crescimento maciço do governo, feminismo, cotas raciais e algumas ideias e ações que a história já provou não funcionarem em lugar algum.
Sentimentos tornaram-se mais importantes do que a lógica, os fatos e o bom senso
Os inimigos dessa contracultura dos anos 1960 eram o establishment, os políticos e as corporações. A família não escapou. Os esquerdistas atacavam seus pais, que haviam crescido na Grande Depressão e fizeram parte de uma geração que enfrentou dificuldades, venceu a 2ª Guerra Mundial, voltou a criar uma economia em expansão no pós-guerra, e buscou um retorno à conformidade confortável na década de 1950.
Mais de meio século após essa revolução, a revolução cultural de hoje, embora trazendo alguns elementos históricos recorrentes, é muito diferente — e muito mais perigosa. O ativismo social já está institucionalizado em centenas de novos programas federais. A “justiça social” está presente em todas as plataformas digitais e empresas onde o norte é apenas a sinalização de virtude são exaltadas. A “Grande Sociedade” inaugurou um investimento multibilionário no Estado de bem-estar e sentimentos são mais importantes e falam mais alto do que a lógica, os fatos e o bom senso.
Os protestos dos anos 60 foram de assimilação e integração racial para reunificar a agenda de Martin Luther King Jr. Tratava-se de uma pauta sobre direitos civis e liberdades. Não é assim com a revolução cultural que está aí. Hoje, essa nova revolução procura exatamente garantir que a diferença racial seja o fundamento da vida norte-americana, dividindo o país entre supostas vítimas negras e supostas vítimas brancas, passado e presente, e menos liberdade para quem não concorda com a esquerda.
Os ativistas tentaram criar zonas urbanas autônomas sem a presença da polícia
Os revolucionários culturais normalmente atacam as referências de nossa vida diária. O chamado Reinado do Terror dos jacobinos durante a Revolução Francesa matou o clero cristão, renomeou os meses do ano e criou uma nova “Razão”. A atual revolução do grupo Black Lives Matter derrubou estátuas, cancelou não apenas pessoas por suas opiniões contrárias a ideais marxistas, mas também filmes, programas de televisão e desenhos animados. Tentou criar zonas urbanas autônomas sem a presença da polícia, renomeou ruas e praças e vandalizou uma série de prédios por toda a nação norte-americana. Alguns fanáticos rasparam a cabeça. Outros condenaram as autoridades e fizeram policiais ajoelhar-se perante protestos. Atleta que demonstra patriotismo e respeito à bandeira e ao hino e não se ajoelha também é degolado virtualmente.
Nos anos 60, os radicais também se rebelaram contra seus professores. Professores que eram normalmente produto da educação baseada em fatos, e não em sentimentos. Suas vozes prevaleciam. O respeito à escola e a seus funcionários deveria ser o mesmo que tínhamos em casa pela família. Não é assim em 2020. Os radicais de hoje não foram educados por tradicionalistas, mas por radicais mais velhos com menos escolaridade, justiceiros sociais tardios e rancorosos com as décadas perdidas na contracultura do nada, na efemeridade do prazer momentâneo e não do resultado duradouro.
E essa geração está nas ruas.
Desde a morte de George Floyd, a cidade de Portland, no Estado do Oregon, mergulhou no caos. Enquanto as manifestações em outras cidades cessaram, em Portland elas já duram dois meses, causando violência e destruição de propriedades privadas e públicas. A cidade arde em chamas há semanas e enfrenta violentos protestos comandados por grupos que insistem em querer atear fogo a prédios do governo.
As autoridades municipais e estaduais, todas do Partido Democrata, ignoram os protestos violentos em Portland. Mera casualidade?
Todas as noites, uma multidão de centenas de manifestantes sitia o tribunal federal e outros edifícios públicos, armada com estilingues, marretas, serras, facas, rifles e dispositivos explosivos. É evidente a disposição de lutar contra os agentes federais. São membros da geração da “inclusão”, da “tolerância”, do respeito à “diversidade”.
Durante os protestos em Portland, manifestantes bloquearam o tráfego em várias ruas e lançaram fogos de artifício em direção ao prédio do tribunal federal, ferindo policiais e danificando janelas. Os manifestantes ignoram completamente todos os avisos da polícia. Colchões são queimados, provocando labaredas mais altas que as grades colocadas pela Força Nacional em volta do prédio.
Faça uma rápida pesquisa no Google para fotos recentes de Portland e você vai deparar com imagens que só vemos em lugares sitiados ou em guerra. Diante do caos, completamente ignorado pelas autoridades municipais e estaduais, todas pertencentes ao Partido Democrata, o presidente Donald Trump decidiu enviar tropas especiais para a proteção do tribunal federal. E aqui começa mais uma narrativa. Em ano de eleição, why not?
Ativistas radicais divulgam na internet informações pessoais de policiais para que suas famílias também virem alvo de protestos
A nova falácia é que a polícia federal enviada por Trump estaria “sequestrando” pessoas, trazendo mais tensão e animosidade à situação e “tolhendo” a liberdade dos cidadãos de protestar. O malvadão do século não tem coração. Mandar tropas federais para conter protestos que só reivindicam o direito de queimar um tribunal federal em paz. Tempos obscuros.
Enquanto comerciantes da cidade denunciam que as empresas locais já sofreram perdas de US$ 23 milhões em razão de saques e quebradeiras, autoridades democratas travam diariamente uma guerra política com o governo federal nas redes sociais e exigem que o presidente retire os soldados de lá.
O secretário interino de Segurança Interna, Chad Wolf, recentemente acusou os políticos de Portland de permitirem que a multidão continue cercando prédios públicos. Wolf chamou os manifestantes de “anarquistas violentos” e disse que o Departamento de Segurança Interna implementou várias medidas numa tentativa de conter a violência e assegurar a integridade do tribunal federal, mas os democratas continuam apoiando grupos extremistas. Nos últimos dias, Wolf denunciou como esses grupos estão divulgando informações pessoais de policiais na internet para que suas famílias também virem alvo de protestos.
Nas década de 1960, diante de um estado de transe quase jacobino, uma enorme “maioria silenciosa” saiu do anonimato, elegeu Richard Nixon e desacelerou a revolução, prendendo criminosos e aposentando guilhotinas sociais e políticas. Hoje, se houver uma massa silenciosa de conservadores e liberais, e se essa massa permanecer quieta em seus mosteiros mentais e condenar a violência apenas em silêncio, a revolução seguirá seu curso. A cultura covarde do cancelamento, virtual ou nas ruas, é mais antiga que imaginamos, e a força que temos para cancelá-la também.
Leia mais sobre a esquerda e as questões raciais no artigo “Caminhamos sonâmbulos para a segregação racial”
Leia ainda a entrevista com o sociólogo anglo-húngaro Frank Furedi
Revista Oeste