quarta-feira, 29 de julho de 2020
"E os pilares da Globo, ó...", por Alberto Saraiva
A TV Globo nasceu e cresceu ancorada em alguns sólidos pilares, que a levaram à liderança da audiência de maneira absoluta e acachapante por décadas.
Mas fatores diversos foram corroendo esses pilares. Pela marcha inexorável do tempo, ou pelo surgimento de mídias alternativas, ou ainda pelos próprios erros que cometeu, ao se achar a eterna dona do pedaço - título de uma de suas novelas de maior sucesso.
Pode-se listar esses pilares: Entretenimento - com as Novelas correndo em pista própria -, Esporte e Jornalismo. E a derrocada se dá em todos eles, num processo que começou, a meu ver, com a saída do Boni da Direção-Geral.
Quanto à marcha do tempo, as mortes de grandes diretores como Carlos Manga, Roberto Talma, Augusto César Vanucci, Jorge Fernando e outros, deixaram um vazio na área de shows e de humorísticos, que nunca foi preenchido. Da mesma forma, o casal Dias Gomes e Janete Clair nunca teve substitutos à altura. Glória Perez está aí, com suas tramas ambientadas em algum país exótico, é certo, mas Aguinaldo Silva acaba de ser dispensado. As novelas épicas de Benedito Ruy Barbosa fazem parte do passado. E ultimamente, salvo raras exceções (como Avenida Brasil), as telenovelas da Globo não passam de folhetins que se prestam a desfraldar e a superestimar as bandeiras do Globalismo.
Edulcorar desfiles de Escolas de Samba sustentadas por banqueiros do Jogo do Bicho e por traficantes, sempre foi um marco de sua programação. Mas isso também sofreu baques, como a má vontade do prefeito do Rio Marcelo Crivella, dificultando o financiamento público para as escolas, e a limitação de valores de captação da Lei Rouanet, largamente utilizada antes.
Na Fórmula 1, a terrível morte de Senna deixou todo o Brasil sem seu grande herói dos domingos, e não só a Globo. Depois disso, as baixas performances de Felipe Massa e Rubens Barrichello contribuíram para a derrapada da audiência. Sem contar o fiasco (moral, principalmente) de Nelsinho Piquet. E o não-realizado sonho de outro Senna nas pistas: Bruno Senna nunca se firmou como piloto de ponta.
O corte das verbas de publicidade do BB para o vôlei deixou de pintar as arquibancadas dos ginásios de amarelo. E a peste chinesa fez por onde cancelar eventos alternativos, como o vôlei de praia e desafios de Futsal. E a âncora do esporte foi se desmilinguindo.
E uma grande ameaça está se concretizando, com a MP que dá ao clube mandante o direito de negociar livremente a transmissão dos seus jogos, como acontece na Europa e outros centros.
Some -se o fato de a Turner ter sob contrato 8 grandes clubes brasileiros, para jogos na TV fechada, e a guerra jurídica que vai rolar nos tribunais, caso a referida MP seja transformada em Lei. E sabe-se lá com quantos jabutis pendurados, todos nós sabemos dos pernas-de-pau que temos no Congresso.
Mas se a Globo foi vítima do tempo e de grandes perdas na área de entretenimento, o mesmo não se aplica à área de jornalismo. Nesta, a sua visível queda se deveu aos próprios erros de avaliação, da sua linha editorial tendenciosa e da imensurável pretensão de pautar ad infinitum a opinião pública.
Porque não é só a dúbia CNN que ameaça a GloboNews; não são só a Fox e a ESPN que atacam a Globo no campo do esporte - hoje há clubes que geram suas próprias imagens via YouTube, como o Flamengo e o Athletico; não são só as mídias sociais, que fizeram com que muitas pessoas (como eu), deixassem de assistir a Globo e seus satélites; não são só os filmes via streaming, que detonaram sua teledramaturgia: o buraco no "ibope" é mais embaixo.
Se trata, fundamentalmente, da perda de credibilidade que atingiu o JN e o JG, seus maiores produtos. E também o Fantástico, revista que mistura entretenimento (cada dia mais pobre), informação (que se transformou em desinformação) e futebol, com os Gols do Fantástico. Que ainda tem uma edição que se propõe a ser bem-humorada, com algum sucesso.
Ainda são líderes de audiência? Em número de televisores ligados, sim. Mas a cada dia esses televisores estão ligados mais em casas de espectadores de baixa renda, de baixa escolaridade e, no que é pior para o país, de baixo discernimento.
Não acredito que o fim da Globo esteja próximo. Mas tenho certeza que, a cada dia, perderá mais importância, mais protagonismo e, consequentemente, mais faturamento.
Também não vai chegar a dar traço de audiência, é certo. Salvo pra mim e para muita gente boa que conheço, e que expõe aqui mesmo a ojeriza que tem da outrora Toda Poderosa.
Alberto Saraiva, que não precisa assistir a Globo para nada - nem mesmo para escrever sobre sua benfazeja derrocada.
Jornal da Cidade