quinta-feira, 30 de julho de 2020
"Perseguição política é quando eu investigo você. 'Plena liberdade de expressão' é quando você bloqueia minhas contas nas redes sociais", por Marcelo Rocha Monteiro - Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Notícia de 28 de julho de 2020, no site UOL: o procurador regional dos Direitos do Cidadão Enrico Rodrigues de Freitas oficiou à Secretaria de Operações Integradas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para que, em até dez dias, preste informações sobre a ação do órgão de investigar e produzir relatórios sigilosos a respeito de opositores políticos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - entre eles um dossiê contra 579 servidores federais e estaduais da área de segurança e professores identificados como integrantes do 'movimento antifascismo'.
Em nota, a Procuradoria indicou que o procedimento busca verificar 'a existência de elementos que indiquem uma atuação estatal de eventual cerceamento ou limitação da livre expressão do pensamento de cidadãos e profissionais', por meio do dossiê elaborado pelo Seopi.
O partido Rede Sustentabilidade também não perdeu tempo, e levou o dossiê contra os servidores identificados como integrantes do 'movimento antifascismo' ao Supremo Tribunal Federal. A legenda pediu que a Corte determine a abertura de inquérito na Polícia Federal para investigação do caso, que considera “perseguição política a oposicionistas”.
Já quanto à decisão do ministro Alexandre de Moraes - do mesmo STF ao qual a Rede Sustentabilidade recorreu - de bloquear contas de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, a Rede, ao que tudo indica, não demonstra nenhuma preocupação; o procurador dos Direitos do Cidadão, aparentemente, também não está preocupado com isso. Nenhum deles falou em perseguição política ou “limitação da liberdade de pensamento” nesse caso. O fato da decisão ter sido tomada sem sequer ter sido dado direito de defesa aos prejudicados também não parece ter impressionado os "defensores da democracia"...
Nesse meio tempo, jornalistas do grupo Globo (Lauro Jardim e Fenando Gabeira) “discutem” em podcast se o bloqueio das contas dos apoiadores de Bolsonaro é ou não censura prévia. Pelo visto, eles ainda estão em dúvida...
“Melhor” ainda: o jornalista Merval Pereira, em sua coluna no Globo de domingo passado, nos assegura que o bloqueio das contas não apenas NÃO é censura como “tem uma explicação legal”: é que essas contas são “instrumentos de crime” (todo regime autoritário que cerceia a liberdade de expressão diz que, “na verdade”, está combatendo crimes...), logo, o bloqueio foi dos “instrumentos (determinadas contas em redes sociais), não das pessoas investigadas, que continuam tendo ’plena liberdade de expressão oral, escrita e nas redes’” (sim, Merval escreveu isso!), tanto assim que podem continuar dando entrevistas a emissoras de rádio e televisão, diz o jornalista.
Imaginem que alguém acusasse o jornalista Merval Pereira de ter praticado crime de calúnia, difamação ou outro qualquer em determinado dia, em sua coluna de O Globo, e que, por força dessa acusação, um tribunal determinasse que a coluna de Merval fosse bloqueada indefinidamente (sem anterior possibilidade de direito de defesa).
O jornalista e seus colegas certamente gritariam “Censura prévia!”.
Será que Merval ficaria satisfeito com a “explicação” de que “não se trata de censura prévia, pois afinal ele ainda tem plena liberdade de expressão, pode dar entrevistas a emissoras de rádio e televisão”?
Duvido muito.
Quando essa duplicidade de critérios é observada simultaneamente no sistema de justiça, em partidos políticos e na grande imprensa, a gente sabe que tem motivos para preocupação.
E também motivos para não desistir de lutar pela liberdade – a verdadeira, e não a falsificação que esse grande estelionato intelectual quer nos vender.
Marcelo Rocha Monteiro. Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.