O advogado Emerson Grigollette conduz a mobilização que tem o objetivo de fazer o STF seguir a lei
Oinquérito das fake news foi aberto em março de 2019 pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, para apurar ofensas aos ministros da Corte. A ação é considerada ilegal por vários juristas por violar direitos constitucionais como o da ampla defesa e do contraditório. Além disso, o inquérito foi aberto de ofício, ou seja, por iniciativa da própria Corte, e o relator, o ministro Alexandre de Moraes, foi escolhido pelo presidente Dias Toffoli, e não por sorteio, como é habitual.
Por 10 votos a 1, o plenário do STF votou em 18 de junho a favor do inquérito das fake news em ação que questionava a legalidade do ato proposta pelo partido Rede Sustentabilidade. O ministro Marco Aurélio Mello, que cunhou o termo “Inquérito do Fim do Mundo”, foi o único a votar contra. “Estamos diante de um inquérito natimorto”, enfatizou o ministro. “[É] uma afronta ao sistema acusatório do Brasil”, defendeu em seu voto. O inquérito, que deveria terminar em 15 de julho, foi prorrogado por mais 180 dias pelo ministro Alexandre de Moraes. Em resposta aos atos praticados pelo STF, um grupo de advogados lançou uma iniciativa chamada de “A Maior Ação do Mundo”, que busca recorrer a organismos internacionais contra violações de direitos humanos por parte do Supremo Tribunal Federal.
Os destinatários são instâncias como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal de Haia, além de órgãos jurídicos internacionais e veículos de imprensa.
O advogado Emerson Grigollette, de 40 anos, natural de Presidente Prudente (SP), é um dos coordenadores nacionais da ação e conversou com a Revista Oeste. Para Grigollette, que faz a defesa do jornalista Bernardo Küster, um dos investigados no inquérito das fake news, o STF não está cumprindo seu papel de defensor da Constituição. “Estamos vivendo um período muito crítico em que vários direitos fundamentais estão sendo violados. É uma verdadeira balbúrdia jurídica.”
“A Maior Ação do Mundo” já conta com a aprovação de mais de mil advogados e cerca de 100 mil cidadãos que assinaram a carta de apoio por meio digital. Entretanto, Grigollette afirma que não recebeu suporte da Ordem dos Advogados do Brasil para representar os advogados contra as decisões do STF: “Onde a democracia realmente sangrava, o presidente do OAB se calou”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Em que consiste “A Maior Ação do Mundo”?
A ideia é buscar mecanismos internacionais que estejam acima do Supremo Tribunal Federal e possam, de alguma maneira, colaborar para que direitos sejam restabelecidos e efetivamente cumpridos. O nome foi apenas um apelido carinhoso, digamos assim, em contraponto ao “Inquérito do Fim do Mundo”, nas palavras do ministro Marco Aurélio. O movimento surgiu em decorrência de uma série de situações teratológicas jurídicas que vêm ocorrendo nas últimas semanas, por força do famigerado inquérito das fake news. O inquérito apresenta várias arbitrariedades, ilegalidades e inconstitucionalidades por determinações do ministro Alexandre de Moraes. Esse conjunto de iniciativas, portanto, busca levar ao conhecimento de órgãos e instituições de defesa de direitos humanos e das prerrogativas dos advogados o que está acontecendo no país.
Quantos advogados fazem parte de “A Maior Ação do Mundo”?
Já coletamos muitas assinaturas e ainda continuamos trabalhando para coletar a de todos os colegas, embora muitos tenham medo de represália. Mas temos rompido essa barreira do medo. Hoje já temos mais mil advogados assinando em apoio e mais 100 mil cidadãos assinando a carta de apoio.
O principal problema do inquérito é a falta de acesso aos autos?
Desde 27 de maio, quando ocorreu o cumprimento dos mandados de busca e apreensão [foram cumpridos 29 mandados contra blogueiros, influenciadores digitais e empresários], estamos tentando exaurir todas as formas de acesso possíveis à íntegra desse inquérito, justamente para que possamos exercer nosso trabalho, preservando a ampla defesa e o contraditório. Porém, até hoje, não conseguimos acesso ao processo. Nós nem estamos entrando no mérito se alguém cometeu ou não algum crime. Nem sabemos que delitos foram cometidos, justamente porque não temos o acesso integral. O ministro disponibilizou apenas uma parte, o apenso 70 — um anexo do inquérito. Ao serem violadas as prerrogativas do advogado, violam-se a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. A gente fica com a defesa limitada. Como vou fazer uma petição, um recurso, um habeas corpus se não tenho acesso ao processo? E, quando verificamos que o inquérito tem mais de 4 mil folhas e nos foram entregues cerca de 300 — isso representa menos de 10% do processo —, fazer uma defesa nessas circunstâncias é praticamente impossível. Estamos vivendo um período muito crítico em que vários direitos fundamentais estão sendo violados. É uma verdadeira balbúrdia jurídica.
“De certa maneira, [a ação] é uma forma de alertar e gritar no ouvido dos ministros”
Os advogados que defendem clientes no inquérito das fake news já tentaram instrumentos legais contra os atos do STF aqui no Brasil?
Em 5 de junho, juntamos os documentos demonstrando que nossas prerrogativas foram violadas e apresentamos uma representação à Procuradoria-Geral da República para apuração de possíveis práticas sem amparo legal por parte do ministro Alexandre de Moraes. Porém, misteriosamente, até hoje, a PGR entendeu que era caso de arquivamento, que não havia ocorrido absolutamente nenhum problema. A representação acabou sendo arquivada, mesmo havendo graves indícios de prática de crime de abuso de autoridade. Depois de muita luta, tentamos por várias vezes despachar junto ao ministro Alexandre de Moraes. Eu, particularmente, apresentei uma reclamação à Ouvidoria da Ordem dos Advogados do Brasil. Infelizmente, não houve ajuda por parte da OAB em garantir nossos direitos.
Como a Ordem dos Advogados do Brasil tem se posicionado?
Pessoalmente, confesso que me decepcionei muito. Nunca imaginei que chegaríamos a esse ponto de inércia e seletividade de colegas por questões nitidamente políticas. Todos se calaram, salvo alguns raros colegas. Uns com medo, outros por interesses. Enquanto os advogados lutavam sozinhos com a ajuda de alguns poucos colegas para ter seus direitos e suas prerrogativas garantidos, o presidente [da Ordem dos Advogados do Brasil] Felipe Santa Cruz fazia lives para tratar de fake news. Onde a democracia realmente sangrava, o presidente do OAB se calou. Lamentável. Sou um dos coordenadores do movimento Advogados do Brasil juntamente com outros profissionais. Vários colegas estão acompanhando essa situação bizarra, embasbacados, realmente muito chocados, e nós pensamos: precisamos levantar essa bandeira, porque a OAB, que deveria fazer isso, não está representando os advogados. Resolvi liderar a iniciativa de construção de petições tanto no âmbito judicial junto à Corte Interamericana e ao Tribunal de Haia. Relataremos ainda as ocorrências a órgãos e instituições de defesa de direitos fundamentais e também de defesa de prerrogativas dos advogados.
O que o senhor espera com a iniciativa? O que é possível ocorrer na prática?
Quando chegamos a um momento em que começam a se esgotar as vias judiciais dentro do país, não vemos alternativa senão nos socorrer de medidas judiciais e também extrajudiciais visando à proteção desses direitos fundamentais, básicos em qualquer estado de direito. Com certeza isso terá um efeito, que é a responsabilização de quem violou esses direitos. De certa maneira, é uma forma de alertar e gritar no ouvido dos ministros que, se porventura não sabem, tomem conhecimento neste momento. Ao Supremo cabe a proteção da Constituição, mas não é infelizmente o que temos visto. Não estamos tratando de um juiz de primeira instância ou de um tribunal de segunda instância. Estamos falando da mais alta corte do país e cujas decisões, na maioria das vezes, acabam sendo o que chamamos de “irrecorríveis”.
“Uma eventual condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ter como consequência um decreto do presidente da República”
O senhor fala em responsabilização de quem violou direitos constitucionais. Na prática, o que poderia acontecer com os ministros do STF?
Lamentavelmente, muita gente confunde globalismo com globalização. Lutar no território inimigo faz parte da guerra e, às vezes, precisamos usar armas do oponente contra ele próprio. O mundo jurídico é permeado de lacunas e, em várias ocasiões, o advogado encontra soluções nessas lacunas. Uma eventual condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ter como consequência um decreto do presidente da República determinando o cumprimento da decisão. No caso, seria dispensável até mesmo homologação pelo STJ, justamente por se tratar de uma sentença internacional.
Ainda, se o Estado brasileiro for condenado, o próprio Executivo pode acionar o ministro responsável em regresso, exigindo a restituição do prejuízo aos cofres públicos, sem prejuízo da apuração e aplicação de outras penalidades no campo penal e cível. Essa situação pode inclusive reforçar formal e juridicamente um impeachment do responsável, encorpando ainda os já existentes [só em 2019, foram 17 pedidos de impeachment contra membros do ministros do STF].
Qual a opinião do senhor sobre o projeto de lei das fake news, aprovado pelo Senado em 30 de junho?
Advogo na área de Direito Digital há mais de 15 anos e desde 2016 tenho feito trabalhos e amplos estudos focados em processos que versam sobre a liberdade de expressão na internet. De lá pra cá, presenciei a agravação da censura. Agora, caminhando até mesmo contra a Constituição, o Congresso apresenta esse PL absurdo. O projeto permite monitoramento de indivíduos, limitação ao fluxo de comunicações, conferência de veracidade ou não sob responsabilidade de “policiamento” externo por meio de agências de checagem que não detêm mínimos critérios de imparcialidade. Chega a impor procedimentos de “moderação”, que violam também a livre-iniciativa. Mais que uma afronta à liberdade de expressão, é a censura legalizada, que desafia inclusive os pareceres e relatórios da Corte Interamericana de Direitos Humanos que recomendam a descriminalização de crimes contra a honra de autoridades políticas. A meu ver, esse PL é um AI-5 digital.
Como as pessoas podem apoiar “A Maior Ação do Mundo”?
Convidamos a nos apoiar os advogados que queiram ajudar nessa causa em busca da defesa de nossas prerrogativas, assinando conjuntamente uma nota que será encaminhada a todos esses órgãos e instituições, inclusive conselhos e ordens de advogados espalhados pelo mundo. O convite não é restrito a advogados, pedimos também a ajuda da população. Quem quiser participar poderá entrar na CitizenGO.
Revista Oeste