quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

"Pensões a solteiras levanta debate sobre o Direito, o justo e o ético", por Luiz Peres-Neto

Pelo menos 52 mil mulheres

recebem o benefício do Estado

porque não se casaram “no papel” 

e porque seus pais, todos civis, 

trabalharam no governo federal 

antes de 1990


Nem sempre o direito é justo ou ético. Uma lei pode ser injusta e absurdamente imoral. As leis que deram suporte às ditaduras no Brasil, por exemplo, podem ser ajustadas àqueles direitos, mas nunca serão justas ou éticas. Não é preciso ser jurista para saber que, no Brasil, não faltam leis, por mais que abunde a impunidade. Sobra-nos, ademais, o bom e velho patrimonialismo. 
A nossa realidade política produz tantos absurdos insofismáveis que não é de se estranhar que o cidadão médio passara, nos últimos anos, a clamar por um maior rigor na aplicação das leis penais, especialmente no que refere-se à proteção do erário público; ou ainda a defender uma re-moralização da esfera pública. 
Esplanada dos Ministérios
A Esplanada dos Ministérios, em Brasília, que abriga órgãos do Executivo federal 
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Tais sentimentos, no entanto, escondem algumas armadilhas. Em primeiro lugar, dão asas ao populismo punitivo, arma letal para as democracias uma vez que implode os direitos fundamentais e estilhaça qualquer ética humanista. Por sua vez, o moralismo legitima a imposição de valores ou ideologias particulares como verdades que deveriam ser cumpridas por todos. Nessa toada, obvia-se o bem comum e a própria dimensão deliberativa que os acordos éticos requerem. Esquecemos a imperfeição dos regimes democráticos, preferíveis quando comparados à outras formas de governo. 
Como fazer, então, para suprimir leis injustas, impregnadas do pior ranço patrimonialista e que respondem a um espírito pouco ou nada republicano? O caminho é, senão, o da própria política. É inegável o legítimo direito de que, mesmo quando cassados, benefícios imorais já concedidos perdurem. Gostemos ou não, assim operam as democracias. No entanto, é inadmissível a ausência de transparência e controle que permitam, paulatinamente, atar toda forma de benefício privado que se constitua a partir de um vício à coisa pública.

*Professor de ética do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM.

O Estado de São Paulo