A União Democrática Cristã (CDU, na sigla original) da chanceler alemã Angela Merkel se alinhou à extrema direita para eleger o primeiro-ministro do estado da Turíngia, no leste da Alemanha. A união inédita criou uma cisma na tradicional sigla conservadora da chanceler.
Na quarta-feira, 5, o Parlamento regional da Turíngia elegeu Thomas Kemmerich, do Partido Democrático Liberal (FDP), como chefe do governo local. Para isso, Kemmerich precisou, além dos votos do próprio partido e do CDU, do apoio do Alternativa para a Alemanha (AfD), sigla mais à direita no espectro político do país.
Essa é a primeira vez na história do pós-guerra na Alemanha que um líder regional é eleito graças aos votos da extrema direita, e também é a primeira vez que as direitas moderada e radical votam juntas nesse tipo de eleição parlamentar.
Merkel e líderes partidários reagem ao acordo
Angela Merkel considerou um "ato imperdoável" a aliança eleitoral com o AfD, mesmo que no âmbito regional. "Tem que dizer que é um ato imperdoável e que, por consequência, o resultado (destas eleições) deve ser anulado", disse a chanceler durante coletiva de imprensa em Pretória, na África do Sul, onde cumpre agenda oficial. Merkel chegou a sugerir a realização de novas eleições.
Secretário-geral do partido de Merkel, Paul Ziemiak considerou a data como “um dia escuro para a Turíngia” e também sugeriu que sejam convocadas novas eleições no estado. Ziamiak lembrou que o partido da chanceler tem por princípio excluir qualquer aliança ou cooperação com o AfD, seja em nível nacional ou regional.
"O mais grave, no entanto, é constatar que os deputados locais da CDU tenham considerado que é possível realizar uma eleição junto com os nazistas", disse o secretário-geral em entrevista.
Avanço da extrema direita balança alianças tradicionais
A votação revela não apenas como o AfD atropelou a política do país com sua presença em todos os 16 estados da Alemanha. Ela também põe em foco a atual líder da CDU e possível sucessora de Merkel, Annegret Kramp-Karrenbauer, que havia jurado impedir qualquer cooperação com o AfD. Essa linha agora ficou embaçada e Merkel corre o risco de ter sua reputação manchada caso não responda com firmeza.
Os social-democratas, parceiros de coalizão da CDU em nível federal, não perderam tempo em classificar a situação como traição política. Eles disseram que o partido de Merkel, que negou que houvesse cooperação planejada com a AfD, cruzou a linha vermelha ao apoiar um candidato com ajuda da extrema direita.
"É uma catástrofe", disse a social-democrata Diana Lehmann, deputada estadual na Turíngia. "É mais do que romper um tabu. O FDP e a CDU estão tornando a AfD palatável."
Reviravolta eleitoral
A eleição ocorreu após meses de negociações infrutíferas para tentar formar uma coalizão majoritária após a eleição regional de outubro. O AfD, que cresceu explorando sua oposição à política de imigração de Merkel, ficou em segundo lugar nas eleições estaduais daquele mês. O primeiro-ministro do estado, Bodo Ramelow, do partido a Esquerda, perdeu a maioria para liderar a coalizão regional ao lado dos social-democratas e dos verdes.
A votação desta quarta-feira pretendia confirmar Ramelow para um segundo mandato à frente de um governo minoritário. Depois de duas votações em que não conseguiu a maioria absoluta do Parlamento regional, Ramelow deveria ser confirmado com uma maioria simples. Em vez disso, o FDP indicou Thomas Kemmerich como candidato, com o apoio da CDU.
Foi nesse momento que a AfD, que havia indicado seu próprio candidato, voltou atrás e apoiou o liberal Kemmerich, impedindo a reeleição de Ramelow. Em outubro, o FDP mal obteve votos suficientes para entrar no Legislativo estadual.
"Esta eleição na Turíngia é a primeira peça do mosaico de uma mudança política fundamental na Alemanha", disse o colíder da AfD, Joerg Meuthen, em uma declaração. "O espectro socialista da gestão pós-comunista de Ramelow chegou ao fim."
Já o líder da CDU na Turíngia, Mike Mohring, disse esperar que o novo premier mantivesse uma "separação clara" da AfD, mesmo que tenha sido eleito com a ajuda do partido de extrema direita.
Com AFP, REUTERS e O Estado de S.Paulo