quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Com Selic a 4,25% ao ano, nova dica é ousar mais; entenda como investir em um cenário de juros baixos


Desde o ano passado, o brasileiro vem convivendo com uma expressão até agora pouco comum por aqui: juros baixos. Foram cinco reduções consecutivas na taxa básica de juros da economia, a Selic, que a deixaram no patamar até há pouco inimaginável de 4,25% ao ano. É o nível mais baixo para a taxa desde sua criação, em 1996, quando o Banco Central instaurou o atual regime de metas para a inflação.
Esse movimento cria condições para uma nova dinâmica da economia brasileira. Muda, por exemplo, o cenário para as empresas, que podem renegociar suas dívidas e pegar financiamentos a custos mais baratos. Os consumidores também passam a ter acesso a crédito mais barato para comprar imóveis ou automóveis.
Mas o que vem provocando um nó na cabeça dos brasileiros – pelo menos daqueles que têm algum dinheiro sobrando no fim do mês – é o que fazer com seus investimentos. A taxa Selic é o indexador dos principais produtos de renda fixa, como são chamadas as aplicações conservadoras, destino de R$ 8,5 em cada R$ 10 poupados no Brasil. E sua queda foi enxugando os rendimentos pagos por produtos como CDB, títulos do Tesouro Direto, fundos DI e, claro, a caderneta de poupança. Levada a 4,25% ao ano, a Selic colocou um ponto final nos dias de ganhos fáceis do investidor.
“Ficou mais complexo investir”, diz Luiz Severiano Ribeiro, que lidera a área global de private bank do Itaú Unibanco. “A verdade é que o rentismo no Brasil acabou”, afirma Dan Kawa, chefe de investimentos da TAG. “Os juros caíram a tal ponto que tanto faz se 4%, 4,5% ou 6% ao ano. A maré virou e, mesmo que os juros subam ou caiam um pouco, a estratégia não muda muito.”
Por conta desse novo cenário, bancos e corretoras vêm mudando suas orientações para os investidores. A reportagem procurou diversas instituições para saber como estão as recomendações nesse novo cenário, levando-se com conta perfis de investidores conservadores, moderados e agressivos. E, como se vê nos quadros abaixo, em praticamente todos os cenários há um componente de renda variável.

PERFIS DE INVESTIDORES

  
Conservador*: prioriza a preservação de seus recursos e, por isso, não assume riscos que possam comprometer seu patrimônio, mesmo que com isso o retorno seja abaixo da média.

CARTEIRAS RECOMENDADAS**


*ALGUMAS INSTITUIÇÕES TRABALHAM COM MAIS DO QUE TRÊS PERFIS DE RISCO. O 'ESTADO' OPTOU POR DESCARTAR ESSES CASOS.
** RECOMENDAÇÕES COLHIDAS JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES ENTRE OS DIAS 31 DE JANEIRO E 5 DE FEVEREIRO.

Moderado*: topa assumir riscos um pouco maiores em busca de rentabilidade superior à média do mercado. No entanto, dá importância à segurança.

CARTEIRAS RECOMENDADAS**


*ALGUMAS INSTITUIÇÕES TRABALHAM COM MAIS DO QUE TRÊS PERFIS DE RISCO. O 'ESTADO' OPTOU POR DESCARTAR ESSES CASOS.
** RECOMENDAÇÕES COLHIDAS JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES ENTRE OS DIAS 31 DE JANEIRO E 5 DE FEVEREIRO.

Arrojado ou agressivo*: assume riscos mais altos, em busca da maior rentabilidade possível.

CARTEIRAS RECOMENDADAS**


*ALGUMAS INSTITUIÇÕES TRABALHAM COM MAIS DO QUE TRÊS PERFIS DE RISCO. O 'ESTADO' OPTOU POR DESCARTAR ESSES CASOS.
** RECOMENDAÇÕES COLHIDAS JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES ENTRE OS DIAS 31 DE JANEIRO E 5 DE FEVEREIRO.

De todos os consultados, como se vê, apenas a corretora Necton, do economista André Perfeito, mantém uma recomendação, para conservadores, apenas em renda fixa. Hoje, 100% das alocações da Necton para o perfil menos afeito ao risco vão para títulos do Tesouro Direto pós-fixados, com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, o índice oficial de inflação, acrescida dos juros definidos no momento da compra. “Basicamente, não acredito que (o Banco Central) vá derrubar mais os juros agora. Se a economia voltar a crescer e ganhar alguma força, será o sinal para a curva (de juros e inflação) subir”, diz André Perfeito. A declaração do economista foi dada dois dias antes do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciar mais um corte nos juros.
Mas essa é a única exceção. Todos os demais gestores recomendam que o investidor diversifique os produtos que integram seu portfólio. “Tem de ampliar a exposição aos demais produtos do mercado, para além da renda fixa. A Bolsa é a nossa grande recomendação. Achamos que, no médio e longo prazos, os múltiplos vão compensar o investimento”, afirma Augusto Miranda, diretor de Private Banking do Bradesco.

MULTIMERCADO E AÇÕES LIDERAM

Hoje, os gestores estão, gradativamente, ampliando a presença dos portfólios de seus clientes de produtos em fundos multimercado e ações. Os multimercados são fundos ativos, ou seja, constantemente balanceados por profissionais, que alocam o dinheiro dos investidores em uma cesta de produtos que vai da renda fixa à renda variável, passando por outros ativos, como câmbio, por exemplo.
No ano passado, dados da associação das empresas do mercado financeiro, a Anbima, colocaram os fundos multimercado na segunda posição na preferência do investidor, com R$ 66,8 bilhões em aportes, atrás apenas dos fundos de ações, que investem apenas em ativos de empresas negociados na Bolsa, que registrou R$ 86,2 bilhões em aplicações.
O número de CPFs cadastrados na Bolsa de Valores de São Paulo passou de 1,6 milhão
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO
De todas as instituições consultadas, o Safra e o banco francês BNP Paribas são os mais animados com a renda variável em suas recomendações. Safra coloca 8% de ações e 33% de multimercados no portfólio dos investidores conservadores, enquanto o BNP sugere 10% em ações e 20% de multimercado para o mesmo perfil de aplicador.
Para Luis Azevedo, superintendente de análise da Safra Corretora, o Ibovespa, cesta com as principais ações da Bolsa de Valores, pode repetir em 2020 o desempenho do ano passado, quando subiu mais de 30%. “Temos uma visão bastante otimista para a Bolsa neste ano. Tanto que nosso time de análise acabou de elevar as projeções para o Ibovespa, passando de 130 mil pontos para 140 mil pontos”, diz.

ESPAÇO MENOR PARA A RENDA FIXA

Para a renda fixa, a recomendação dos gestores é, daqui pra frente, diminuir as posições em fundos e produtos atrelados à inflação, por conta do rendimento considerado baixo. “Porém, se for para manter a renda fixa, entendemos que um dos melhores instrumentos seriam as debêntures incentivadas, que possuem um bom risco de crédito e spreads (diferença entre custo de compra e custo de venda de uma ação ou um título) ainda razoáveis”, afirma Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos.
Alvaro Bandeira, sócio e economista-chefe da corretora modalmais, também destaca as debêntures de infraestrutura. Mas com cuidado. “Tem de avaliar risco e a liquidez do produto”, afirma.
Os bons investimentos estão cada vez menos líquidos”
Alvaro Bandeira, sócio e economista-chefe da corretora modalmais
Por falar em liquidez, outro consenso entre os analistas é que, no novo cenário, o investidor deve se resignar com prazos maiores de saque de suas aplicações. Fabio Passos, que comanda a área de investimentos do banco Indosuez, diz que tem batido nessa tecla com os seus clientes, principalmente os com maior patrimônio. “Os bons investimentos estão cada vez menos líquidos”, diz ele, se referindo ao tempo em que o dinheiro deve ficar disponível para a aplicação. “Para as grande fortunas, nós estamos até ampliando para 10% do portfólio a alocação em produtos que chamamos de ilíquidos, como aportes diretos em empresas de pequeno porte e com potencial de crescimento acelerado”, afirma.

INVESTIR EM RISCO NÃO É SÓ COMPRAR AÇÕES, DIZEM ESPECIALISTAS

Quais os desafios para o investidor e como o mercado encara o novo cenário de juros baixos para o País, o bolso do aplicador e as próprias empresas especializadas? Essas questões são respondidas por quatro especialistas que se reuniram no Estado para um debate sobre juros, investimentos e as implicações disso na economia nacional. Participaram da conversa a economista sênior do Banco Safra, Priscila Deliberalli, a coordenadora do curso de economia do Insper, Juliana Inhasz, o economista sênior da XP, Marcos Ross, e o planejador financeiro Jayme Carvalho, da Planejar. Acompanhe:
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Renato Jakitas, O Estado de São Paulo