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Humberto Ávila, professor de Direito Tributário da USP e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Tatiana Freitas - Folha de São Paulo
A necessidade de aumentar a arrecadação para fazer o ajuste fiscal torna o ambiente pouco favorável para mudanças em tributos como ICMS e PIS/Cofins —o ministro Joaquim Levy (Fazenda) pretende levar ao Congresso propostas de reformas envolvendo esses impostos.
A avaliação é do tributarista Humberto Ávila, professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
"Há a necessidade de reformas. O que me preocupa é que essas reformas, num ambiente em que é preciso aumentar a arrecadação, não sejam para melhorar o tributo, mas para melhorar a arrecadação", diz o especialista, que foi cotado para substituir Carlos Ayres Britto no Supremo Tribunal Federal (STF).
Impacto das medidas nas empresas
Para ele, o governo federal ainda não tem uma política tributária clara. Pelo contrário, dá sinais errados ao setor privado. "O governo adota medidas contraditórias. Estimula o contribuinte a adotar determinado comportamento e, num momento seguinte, o desestimula naquele mesmo comportamento."
Em entrevista à Folha, o especialista ainda comentou a proposta do governo federal de recriar a CPMF. Leia, a seguir, os principais trechos.
Folha - Como o sr. avalia a proposta de recriar a CPMF?
Humberto Ávila - A CPMF só pode ser aprovada mediante emenda constitucional, que precisa do aval de 3/5 do Congresso Nacional. Isso num cenário político muitíssimo delicado. Na minha visão, existe uma movimentação política de transferir para o Congresso um ônus político de uma eventual não aprovação da CPMF e do ajuste fiscal. Ao contrário das medidas que o governo adotou desde janeiro, que não precisavam de mudanças na Constituição,a CPMF precisa.
Que medidas?
Embora o governo fale agora, em setembro, em aumentar tributos, ele já vem fazendo isso desde janeiro. Aumentou IOF [imposto sobre operações financeiras], Cide [combustíveis], Imposto de Importação, IPI [produtos industrializados] de automóveis, de cosméticos... Tudo isso foi sendo feito ao longo dos últimos meses.
Mas algumas eram bondades do primeiro governo Dilma. Medidas temporárias que visavam estimular a economia.
Sim, tudo bem. Mas o fato é que isso causa aumento da carga tributária. O governo fez tudo o que podia fazer no exercício da sua própria competência para aumentar a arrecadação, contrariando medidas anteriores.
E eu não concordaria que eram mudanças provisórias. Eram mudanças que incentivavam determinado comportamento. Por exemplo, a desoneração da folha de pagamentos. O governo passa a seguinte mensagem: você pode contratar pessoas porque vai ser mais barato. Aí, quando você contratou as pessoas, eu digo: não, agora vai ser mais caro.
Ou então, diz ao exportador: exporte mais, porque depois eu vou devolver créditos de exportação. Depois que você faz tudo isso eu digo: agora eu vou devolver menos.
Isso é uma coisa sintomática. O governo vem adotando medidas que são de algum modo contraditórias e autoanulantes. De um lado, estimulam o contribuinte a adotar determinado comportamento. Uma vez adotado, vem uma segunda medida que desestimula o mesmo comportamento que ele foi incentivado a adotar.
Voltando à CPMF, está claro que a arrecadação visa cumprir o ajuste fiscal. O governo pode fazer isso? Não é necessário que haja uma destinação dos recursos a um fim social?
As contribuições são pagas para que se realize alguma finalidade. Se a questão é meramente de deficit e o dinheiro não vai ser usado para atingir determinado fim, estamos diante de um imposto, e não de uma contribuição. Agora, se estamos tratando de um tributo cujo produto da arrecadação está vinculado a um fim, temos uma contribuição. O que pode estar acontecendo é que parte do deficit decorre de despesas obrigatórias como saúde e Previdência. Em razão disso, parte do deficit vai ser corrigida pela CPMF. Nesse caso, a coisa se fecha.
Então seria uma espécie de manobra para reduzir as despesas obrigatórias...
E instituir essa contribuição, cuja arrecadação vai ser destinada a essas despesas obrigatórias. O governo pode fazer? Pode. Mas deverá contar com 3/5 do Congresso.
Ao mesmo tempo que há urgência para aumentar as receitas também há a intenção do ministro Levy de levar ao Congresso mudanças em outros tributos, como ICMS e PIS/Cofins. O momento é adequado?
Há uma queixa muito grande em relação às contribuições sobre receita, porque elas atingem o que as empresas recebem, independente de sua lucratividade. A legislação do PIS/Cofins é complexa, fragmentada, desigual e injusta. Há a necessidade de reformas. O que me preocupa é se essas reformas, num ambiente em que se quer aumentar a arrecadação, terminem sendo reformas não para melhorar o tributo, mas para melhorar a arrecadação.
O governo não deveria aproveitar o momento para discutir as reformas necessárias?
Não me parece que se possa fazer uma reforma estrutural num ambiente emergencial. Uma reforma estrutural demanda uma política tributária clara, que até o momento não se manifestou. E precisa de mudanças sistêmicas, não meramente pontuais e arrecadatórias, como parece estar havendo.
A pergunta que eu faria é: esse intuito de fazer reformas substanciais é verdadeiro? Ou se está aproveitando a situação para encontrar soluções emergenciais com o intuito de aumentar a arrecadação? Pode ser que o aumento da arrecadação venha com maior justiça tributária, mas não necessariamente as coisas andam juntas.
E quanto ao ICMS? O sr. aprova a proposta de unificação?
Isso é um debate permanente, e não me parece simples. Os Estados não são iguais. Alguns precisam conceder benefícios fiscais para atrair investimentos. Outros, em virtude das suas qualidades competitivas, não precisam tanto deles. A solução não pode simplesmente ser: ninguém concede ou todo mundo concede.
A solução tem que reconhecer uma federação composta de entes diferentes, com situações econômicas e fiscais distintas, de maneira que haja uma solução. Há uma série de projetos, entre os quais projetos sérios, que terminam não sendo aprovados. Quando se trata de uma questão estrutural, as coisas não avançam.
Por quê?
Assim como uma reforma estrutural não pode ser feita numa situação emergencial, ela não poderia ser feita pelos interessados. As grandes reformas que surtiram efeito foram feitas por comissões de especialistas desvinculados de interesses específicos e focados no interesse da nação. Isso tem acontecido em outras áreas. Temos um novo Código Civil, de 2002, um novo Código de Processo Civil, que será introduzido a partir do ano que vem, temos o Código de Processo Administrativo, mudanças no Código Penal. Para todos, há uma comissão. No Direito Tributário, não. Os projetos vêm prontos da Secretaria da Receita Federal ou da Procuradoria-Geral da Fazenda. Não há comissões de pessoas desvinculadas de interesses específicos. A sistemática de discussão de questões estruturais tem que mudar.
Está claro que, para fazer o ajuste, é necessário aumentar a arrecadação. Onde seria menos doloroso? Qual seria o remédio menos amargo?
Sinto que os agentes econômicos não suportam mais aumento da carga tributária. Se eu estiver correto, os aumentos poderão não produzir os efeitos desejados. É ingênuo achar que uma mudança unilateral, desacompanhada de uma política de médio e longo prazo, irá produzir aumento instantâneo de arrecadação num país em recessão. Neste momento, não há um remédio menos amargo.
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Idade: 45 anos
Formação: Pós-doutorado em Harvard e nas universidades públicas de Heidelberg e Bonn, na Alemanha; doutorado em Direito Tributário pela LMU (Alemanha), mestrado em Direito pela UFRGS e graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS
Livros publicados: Teoria dos Princípios (2014), Sistema Constitucional Tributário (2012) e Teoria da Segurança Jurídica (2014)
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