Há muito me convenci de que Carlos Manga, o cineasta símbolo das chanchadas da Atlântida nos anos 50, morto esta semana, foi uma grande expressão do cinema brasileiro. O difícil era escrever isto –Manga tentaria desencadear uma retrospectiva completa de sua obra, um ciclo de debates na Academia Brasileira de Letras a seu respeito, uma biografia, uma queima pública das críticas que desancaram os seus filmes e uma estátua. E olhe que merecia.
Manga sofreu com o crítico Moniz Vianna, que fez a associação óbvia entre seu sobrenome e os supostos abacaxis que dirigia. Quase todos seguimos Moniz sem pensar. Manga não se conformava, porque sabia de sua capacidade de, às vezes, produzir coisas brilhantes.
Ele era especialmente bom nos números musicais. Em "Carnaval Atlântida" (1952), o começo de "No Tabuleiro da Baiana", com Eliana e Grande Otelo, antecipa em três anos a abertura de "Eles e Elas", de Joseph L. Mankiewicz –mesma ideia e fatura diferente apenas pela discrepância de recursos entre a Atlântida e a Fox. Quer mais exemplos?
Doris Monteiro cantando "Dó-ré-mi" para Cyl Farney em "De Vento em Popa" (1957). Norma Bengell fazendo boquinhas de Brigitte para seduzir Oscarito em "O Homem do Sputnik" (1959). Odete Lara cantando "Franqueza" em "Cacareco Vem Aí" (1960). Oscarito e a sensacional Sonia Mamede dançando rock and roll em "Esse Milhão é Meu" (1960). E, em "Os Dois Ladrões" (1960), a clássica sequência em que duas pessoas iguais se cruzam no corredor e uma pensa estar diante de um espelho. Hollywood fez com Groucho e Harpo Marx. Manga, com Oscarito e Eva Todor. A dele é melhor.
E muitas mais. Nas chanchadas de Manga, todo mundo trabalhava direito: cantores, dançarinos, câmera, luz, cenografia, montagem. Só nós erramos ao não perceber isto.