quarta-feira, 23 de setembro de 2015

"Desmilinguindo", por Vinicius Torres Freire

Folha de São Paulo


Apenas na grande desvalorização do real, em 1999, a moeda brasileira perdeu tanto valor em um ano. Na verdade, a coisa anda um pouco pior agora, mas passemos, por enquanto.

Dado o tumulto no dia a dia ordinário do mercado à desordem extraordinária da política, não resta muito o que dizer propriamente sobre economia, nem mesmo sobre a conjuntura mais imediata. Sabe-se apenas que, nesta batida de juros e de câmbio, quase tudo vai travar.

As taxas de juros sobem sem limite na praça do mercado. Mesmo que alguém, empresas, tenha coragem ou necessidade desesperada de tomar dinheiro emprestado a esses preços, a maioria que tem o privilégio de esperar vai fazê-lo. Esperar por quanto tempo?

Ninguém sabe de nada. Considere-se o essencial do ambiente sinistro de ontem. Escorria de Brasília até o "mercado" e vice-versa que essas agências de avaliação de risco de calote estão "avisando" que o Brasil tem algumas semanas antes de novo rebaixamento de seu crédito.

Enquanto isso, na política, negociava-se hora a hora o destino do governo de Dilma Rousseff. Isto é, tratava-se de modo caótico e desesperado do que seria feito da votação dos vetos da presidente a medidas lunáticas de aumento de gastos aprovadas neste ano pelo Congresso (parte delas com anuência irresponsável e apoio alegre do Judiciário, aliás).

A derrubada dos vetos seria a desautorização terminal de Dilma Rousseff. Muito mais que isso, seria a evidência de ruína descontrolada das contas do governo, sinal de que a elite política coloca mais fogo na casa em dia de terremoto.

A situação era repulsivamente lamentável. Por exemplo, o governo correu ontem para publicar uma edição extra do Diário Oficial da União, com algumas medidas do pacote salva-vidas anunciado na semana passada, entre elas a emenda constitucional que recria a CPMF. Tratava-se de "demonstrar" que o governo empenha-se em tapar o rombo que orçou para o ano que vem. A isto foi reduzido o governo do Brasil.

Na prática, o crédito de país, governo e empresas está rebaixado e baixando cada vez mais. Essas agências dariam uma espécie de tiro de misericórdia ou chutariam um cachorro moribundo. Duas "notas vermelhas" riscariam os negócios com o Brasil do mapa de muito investidor grande, oficialmente. "Na prática" quer dizer que tanto pelo descrédito do governo quanto pelo risco de rebaixamento formal do crédito, muita gente se antecipa e vende reais. Simples assim, todo mundo agora já sabe.

Não se sabe por quanto tempo o dólar permanecerá em sua jornada nas estrelas, mas viajou o bastante para arruinar as previsões de inflação e taxa básica de juros para o ano que vem. A dúvida agora diz respeito à maneira pela qual o BC vai lidar com o desastre. Na praça, os juros voam, de par com o dólar.

Por fim, note-se quão impressionante é o derretimento do real, que supera o esboroamento de 1999, mas em contexto completamente diverso. Saía-se de um regime de câmbio quase fixo, administrado. Além do mais, muito importante, o Brasil estava quebrado em várias frentes, em particular no que diz respeito às suas contas externas. A dívida externa era grande, parte importante da dívida do governo era em dólar.

Agora, conseguiu-se fabricar uma crise todinha em casa. Grossa incompetência caseirinha.