Foi só em meados da década de 2010, no início de 2015, que nos demos conta do tamanho do problema fiscal dos entes subnacionais brasileiros. Até ali, tudo parecia correr às mil maravilhas. Empurrados pelo aumento da arrecadação de um Brasil que crescia, Estados e municípios gastavam como se não houvesse amanhã, comprometendo parcelas cada vez maiores das suas receitas com despesas obrigatórias, particularmente salários e benefícios de servidores públicos. Os investimentos também cresciam, mas graças à generosidade do Tesouro Nacional, que começou os anos de 2010 concedendo garantias para que esses entes se endividassem, também como se não houvesse amanhã. O ano de 2012 representou um recorde. Foram mais de R$ 60 bilhões de ampliação de limites. Esse volume se refletiu em novas operações de crédito, com desembolsos expressivos até 2014. Boa parte desses empréstimos foi concedido a entes sem a necessária classificação mínima de risco. Era a versão subnacional do famoso “gasto é vida” e que muito contribuiu para o desequilíbrio estrutural que caracteriza nossos Estados e municípios no final desta década.
O amanhã bateu à porta ainda em 2014, mas foi em 1º de janeiro de 2015, exatos 5 anos atrás, que a realidade se impôs. O tom dos discursos dos 27 novos governadores foi um só: a necessidade de um ajuste fiscal para fazer frente ao descasamento entre receitas e despesas correntes, que foi crescendo ao longo dos anos anteriores. Os Tribunais de Contas dos Estados validaram essa dinâmica que não mais podia ser ignorada. A situação se agravou com a recessão que já dava seus sinais e evidenciava o preço a ser pago. O Rio de Janeiro foi o caso mais emblemático, contrastando a imagem de cidade maravilhosa da Olimpíada meses antes, com os hospitais fechados, as aposentadorias dos servidores não pagas e o colapso da segurança pública.
Mas o Rio foi só o prenúncio do que viria a seguir e que foi reflexo de uma década de irresponsabilidade fiscal. Números do Banco Mundial e do Tesouro Nacional mostram a dimensão do estrago fiscal que se produziu nos Estados brasileiros. Receitas primárias praticamente estagnadas em relação ao PIB tiveram que dar conta de despesas primárias crescentes, evidenciando um desequilíbrio estrutural que se reflete hoje numa queda substancial dos investimentos públicos. As despesas de pessoal nos 26 Estados e no Distrito Federal cresceram em média, em termos reais, em torno de 40% entre 2011 e 2018. Em 2019 viu-se algum ajuste em função da pressão de caixa que a totalidade dos Estados sofre atualmente. Ainda assim, persiste o descasamento entre as trajetórias de receitas recorrentes e despesas de pessoal em função do crescimento vegetativo que caracteriza o atual modelo de remuneração e progressão salarial das carreiras no setor público.
A evolução das despesas com inativos é outra fonte de desequilíbrio relevante e crescente nos Estados. Entre 2017 e 2018 o volume de aportes para cobrir o déficit dos regimes próprios se elevou em 15%, superando 100 bilhões de reais. Os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por mais da metade desse montante. Os demais estão no mesmo caminho. Perdemos a chance de estancar esse problema com a exclusão de Estados e municípios da reforma da Previdência aprovada este ano. Irresponsabilidade de uma agenda política que se sobrepôs à agenda nacional.
Mas naquele 2015 em que os problemas se desnudaram, houve ações importantes de ajuste. Espírito Santo, Alagoas, Mato Grosso e Goiás entraram em um ciclo de ajuste relevante. Após dois anos de ações de reequilíbrio, apenas os dois primeiros deram continuidade na agenda fiscal e hoje colhem, nos indicadores sociais positivos, os frutos do ajuste das suas contas. Ceará e São Paulo, que desde há muito optam pela trajetória da austeridade, intensificaram a atenção no equilíbrio fiscal e ultrapassaram o inverno. Esses foram formigas trabalhando. Os demais, hoje pagam o preço de terem sido cigarras no verão.
A notícia boa, ao final desta década, é que temos mais clareza do problema fiscal dos Estados e municípios e maior número de gestores dispostos a enfrenta-lo. A notícia ruim é que o problema é estrutural e clareza em relação ao diagnóstico é só metade do caminho. Consertar o estrago exigirá trabalho, no verão e no inverno. É trabalho de formiguinha, que depende de ações individuais de cada governador – e não de Brasília.
Um Feliz 2020 a todos! Que o novo ano chegue trazendo mais paz, muita saúde e alegria.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN
O Estado de S.Paulo