Precisamos, além da higienização ética, de grande reforma política, de reforma fiscal e de medidas duras que combatam privilégios auto concedidos pela cúpula dos Poderes
Cada vez mais parece aumentar a distância entre o que é discutido em canais de TV e nos principais jornais, de um lado, e o que se debate em conversas privadas bem informadas, de outro. É como se houvesse uma certa censura velada a qualquer declaração que contrarie um determinado script politicamente correto definido pelos graduados da grande imprensa.
Vejamos três brasileiros ilustres cujas declarações recentes tiveram pouquíssima repercussão nos meios de comunicação tradicionais, embora gozem de grande prestígio entre seus pares e soubéssemos que não estavam tratando de abobrinhas: embaixador e ex-ministro Rubens Ricúpero, jurista e professor da USP Modesto Carvalhosa e general de Exército Antônio Hamilton Mourão.
O embaixador Ricúpero defende a tese de que, em nosso país, arranjos políticos parecem se limitar a um prazo médio de cerca de trinta anos. De fato, foram 41 anos da Proclamação da República até a Revolução de 30, 34 anos de período sob influência getulista e 21 anos de regime militar. E a Nova República, iniciada em 1985 com o governo Sarney e tocada sob a égide da Constituição de 88, caminha para fazer 33 anos, já mostrando sinais de esgotamento. Problemas alcançaram tamanha dimensão que já não vemos, nos atuais atores da cena política, capacidade e grandeza para enfrentá-los adequadamente, ressalta o embaixador.
Já o professor Carvalhosa encara com forte desdém o regime político vigente, que não define como uma legítima democracia, mas, sim, como uma cleptocracia, um governo de ladrões para ladrões. A corrupção teria tomado conta de todas as esferas do aparato estatal e só uma grande limpeza geral permitiria o funcionamento de um governo minimamente operacional e ético.
Finalmente, temos as polêmicas declarações do general Mourão, que de forma alguma representam uma voz isolada dentro das Forças Armadas. Os militares sempre agiram, na prática, como o Poder Moderador, diante de crises institucionais de nossa História. No momento, este poder está entregue à cúpula do Judiciário, de quem se espera capacidade de definir um quadro de clareza que fortaleça nossas instituições, impedindo o caos em vésperas de eleições. Diz o general que a moderação está em boas mãos com o Judiciário, mas que a tarefa precisa ser feita, dando a entender que, na falha do Judiciário, uma intervenção saneadora de curto prazo, nunca uma ditadura, poderia ser liderada pelas Forças Armadas para restabelecer a ordem e impor um rumo ao país.
O fato é que problemas que se acumularam com o tempo, como a corrupção generalizada, o descontrole das contas públicas e a difusão de privilégios descabidos para uma casta de funcionários públicos, recebem a repulsa da população consciente e decente. E, para enfrentar estes problemas de frente, governantes e instituições, como são e estão, não parecem ter a necessária dosagem de energia e legitimidade. É como se precisássemos de um tranco de arrumação momentâneo para garantir a sobrevivência de nosso regime democrático.
Costuma-se dizer que as instituições estão funcionando satisfatoriamente, mas não é verdade. O mensalão e o petrolão foram descobertos por motivos fortuitos. No mensalão, foi uma briga dentro da quadrilha que permitiu que Roberto Jefferson expusesse à luz um esquema já conhecido, mas nunca explicitado pelos nossos organismos de investigação e controle. No petrolão, eram investigadas, pela equipe de Curitiba do Juiz Moro, operações de lavagem de dinheiro em postos de gasolina. Chegou-se ao nome do doleiro Yousseff e, ao investigá-lo, evidenciaram-se ligações com um diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, o Paulinho, figura íntima de nossos governantes maiores. Paulo Roberto, em delação premiada, para safar-se, entregou toda a roubalheira que se fazia aos cofres da Petrobras, informando que o mesmo “mecanismo” de corrupção ocorria por toda a estrutura governamental.
Vemos hoje ações isoladas de juízes de primeiro grau, acompanhados por equipes do Ministério Público e da Polícia Federal, lutando desesperadamente para que a cúpula do Judiciário, em Brasília, e ações do Executivo e do Legislativo não desfigurem completamente a operação Lava-Jato, retirando-lhe os meios de alcançar a elite política corrupta, muito bem assentada no Olimpo. A sensação é que a operação Lava-Jato começa a colecionar mais derrotas que vitórias e que políticos ficarão de fora das esperadas punições, pelo menos a tempo de excluí-los das próximas eleições.
Indiscutivelmente, precisamos, além da higienização ética, de uma grande reforma política, de uma reforma fiscal e de medidas duras que combatam os privilégios auto concedidos pela cúpula dos Poderes constituídos. Mas, como esperar da atual escalação de governantes algo que não consulte apenas ao seu interesse particular mais mesquinho?
Melhor em nada mexer. A emenda seria pior que o soneto, por certo.
Estes e outros pontos deixam a população responsável indignada e desanimada. Discutir como sair deste aparente impasse institucional deve ser a pauta prioritária de todos os que se preocupam em construir um país ético e próspero para as próximas gerações.
Rubem de Freitas Novaes é economista pela UFRJ e doutor em Economia pela Universidade de Chicago. Foi professor da EPGE-FGV, presidente do Sebrae e diretor do BNDES