Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo
Sem ter os votos necessários para aprovar a reforma da Previdência a menos de um mês da data marcada para a votação, o governo pretende usar o buraco nas contas previdenciárias para tentar convencer os parlamentares de que o Brasil tem pouco tempo para promover alterações sem afetar direitos já adquiridos. A intenção é alertar para a necessidade de agir logo, antes que o País seja forçado a adotar uma postura mais radical e cortar benefícios, a exemplo do que fizeram no passado Grécia e Portugal.
A nova investida do governo tenta afastar o ceticismo crescente na aprovação da reforma antes das eleições. Há internamente um movimento para deixar a votação para novembro, quando deputados já não temerão mais um “julgamento popular” pelo voto. A saída foi sinalizada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a investidores em Londres. O discurso oficial, porém, é o de que a votação está mantida para fevereiro.
A Previdência teve déficit recorde de R$ 268,8 bilhões em 2017, ano marcado por sucessivos adiamentos na votação da reforma. O rombo é R$ 41,9 bilhões maior do que em 2016 e inclui os regimes do INSS e dos servidores da União. “É como se tivesse de criar uma CPMF por ano para manter o que temos hoje”, diz Paulo Tafner, especialista em Previdência.
Tafner estima que o governo tenha por volta de três anos até chegar ao limite de precisar mexer em direitos adquiridos. “Temos três anos antes de chegar à situação catastrófica de cortar benefícios. Não temos tempo para negociar mais ou esticar a transição, que já é longa, tem 20 anos.” Para ele, a velocidade com que o Brasil caminha para esse destino é ainda maior do que em Portugal ou na Grécia.
Déficit. O alerta que será reforçado aos deputados é que a proposta em negociação não mexe com quem já está aposentado ou já tem direito ao benefício, mas a condição que o País tem agora de manter esses direitos pode se esgotar rapidamente. “É fundamental modernizar as regras previdenciárias para as próximas gerações justamente para garantir que os benefícios continuem sendo pagos em dia”, defende o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.
O caso português, principal exemplo de “solução extrema” para uma Previdência com déficits crescentes, foi alvo de estudo acadêmico feito pelo procurador federal Bruno Bianco Leal, que atua como assessor especial da Casa Civil e ajudou a desenhar a proposta de reforma da Previdência. Em sua dissertação de mestrado, ele lembra que o próprio Tribunal Constitucional português (equivalente ao STF) passou de uma postura rigorosa na manutenção dos direitos já adquiridos para decisão de criar uma “jurisprudência de crise”, permitindo exceções para preservar o equilíbrio das contas públicas.
A Corte Europeia de Direitos Humanos também decidiu, em 2015, que a redução de benefícios promovida pelo governo de Portugal era válida diante da necessidade de garantir o equilíbrio das contas do país. Segundo a corte, a garantia representava um “interesse público”.
O consultor do Senado Pedro Nery lembra que no Brasil há outras amarras, como a chamada regra de ouro do Orçamento, que impede a emissão de dívida para pagar despesas correntes como salários e os benefícios previdenciários. Por conta dos sucessivos déficits, o governo já enfrenta dificuldades para cumprir a norma, que está prevista na Constituição. “Essa amarra poderia provocar corte nos benefícios.”
Apesar das investidas do governo, parlamentares – mesmo da base aliada – avaliam que dificilmente será possível aprovar a reforma ainda este ano.