Jonathan Ernst/Reuters | |
O presidente dos EUA, Donald Trump, faz seu primeiro Discurso do Estado da União ao Congresso Folha de São Paulo
Logo que terminam as eleições à Casa Branca, é praxe que o candidato derrotado faça um discurso de "concessão".
Nele, reconhece a vitória do adversário e deseja-lhe sorte. Nessas ocasiões, não é incomum aparecerem variações da frase "devemos torcer de agora em diante pelo êxito de nosso adversário. Se ele tiver sucesso, os EUA terão sucesso".
Este tema veio bem à tona na fala de Trump à elite global de Davos semana passada e também no contexto do Discurso do Estado da União, que proferiu na noite de terça-feira (30, madrugada de quarta no Brasil).
Num primeiro exame —e a julgar pelos turbulentos primeiros doze meses de sua administração— torcer por Trump é jogar contra os interesses de longo prazo dos EUA.
Não é exagero constatar que o mais impopular presidente da história norte-americana à presente altura do mandato está dizimando o "soft power" (poder suave) dos EUA. Diminuiu neste último ano a capacidade de influenciar pelo exemplo que os norte-americanos sempre julgaram ser fator diferencial de prestígio de sua democracia e economia de mercado.
Sua retórica antiglobalização o desloca para as margens do interesse mundial, num momento em que a ascensão chinesa realça a figura de Xi Jinping como homem mais poderoso do planeta.
Seu pilar de política econômica —uma aparente inconsistência resultante de corte de impostos e aumentos de gastos públicos em infraestrutura— pode representar perigosas ameaças fiscais.
Seu estilo personalista de política externa, em que o secretário de Estado e a própria Chancelaria desempenham papel pouco mais do que de figuração, gera desconfiança e pouco espaço para cooperação.
Até agora tivemos, portanto, uma série de "anormalidades". Baixa popularidade de um presidente recém-instalado soma-se a movimentos em que os EUA se esquivam de exercer liderança global. E tudo isso se multiplica pela incontinência verbal e personalidade mercurial do presidente.
Há, no entanto, forças a operar sobre a Casa Branca que podem atuar nesses próximos meses de modo a tornar o presidente menos parecido com o candidato de 2016 e, sua agenda, menos radical.
Uma dessas forças é o próprio estado da economia norte-americana. Há quase pleno emprego. Muito investimentos estrangeiros diretos (IEDs). O índice Dow Jones bate recorde após recorde. O PIB dos EUA deverá ter expansão próxima aos 3% em 2018.
Pouco disso tem que ver com Trump e muito com o que lhe foi legado por Obama. Haverá, no entanto, um refluxo de liquidez e redirecionamento de parques produtivos, sim, para os EUA, como reflexo direto da desregulamentação e desoneração de impostos sobre a atividade econômica proposta pela atual Casa Branca.
A proposito, anos atrás se falava da "guerra cambial" —a utilização de política monetária e fiscal para desvalorizar moedas de economias maduras de modo a promover suas exportações. Hoje, a corrida por competitividade parece ter transferido sua tônica para "guerras tributárias" —com vários empresários falando abertamente em voltar a investir nos EUA em detrimento de países emergentes.
Em meio a essa bonança da economia dos EUA —e do mundo —diminui a tentação por experimentalismos macroeconômicos.
As pessoas tendem a associar o bom momento à liderança política da ocasião —e com isso Trump pode conduzir uma política econômica com menos pirotecnias e portanto mais normal.
O mesmo vale para sua política externa. Mesmo referindo-se em Davos a seu apego pela "América em primeiro lugar" ("America First"), usou mais a frase como gancho para um chamamento à cooperação. Quis mostrar que o conceito não significa "América sozinha".
Até o New York Times" trouxe matéria sobre Davos na qual reconhece que Trump chegou aos Alpes Suiços como alguém "de quem se esperava arruinar a festa, mas na saída foi louvado como um líder pragmático".
Se nada houve de "anormal" no pronunciamento de Trump em Davos, muito menos podem-se identificar grandes excentricidades no Discurso do Estado da União.
Ele seguramente exagerou na frase "a era da rendição econômica acabou", vocalizada para pautar sua posição de comércio exterior na razoável expectativa de relações "justas e recíprocas". No mais, poucas diferenças de conteúdo ou estilo vis-à-vis seus antecessores.
O costumeiro tom de otimismo e fé inabalável no destino manifesto dos EUA. O indispensável louvor por veteranos e heróis das forças armadas e serviços sociais. A repisada —e quase nunca sincera— predisposição em trabalhar para além das divisões partidárias. Tudo estava ortodoxamente lá.
Embora a hipótese ainda seja pequena, é possível que Trump esteja aprendendo algo com seu próprio cargo. Em Davos e no Capitólio, ele soou como um presidente como qualquer outro, alguém surpreendentemente normal.
|